Eu deveria estar acostumado. A esses almoços, a esses convites que parecem mais uma obrigação do que um gesto de carinho. A essas conversas vazias cheias de segundas intenções, aos olhares calculistas da minha mãe enquanto despeja uma enxurrada de palavras que mal me interessam. Mas, ainda assim, toda vez que sento à mesa com ela, me sinto como um adolescente rebelde, entediado, desconectado do mundo em que ela vive e insiste em me arrastar junto.O restaurante era um daqueles lugares requintados que cheiram a dinheiro e pretensão. As paredes de vidro permitiam uma vista ampla do lago artificial do clube, onde alguns velhos ricos fingiam se importar com esportes aquáticos enquanto suas esposas ostentavam roupas de grife e bronzeados artificiais. Eu nunca gostei daquele ambiente, mas ali estava eu, sentado em uma cadeira desconfortavelmente dura, escutando minha mãe tagarelar sem parar.— ...e você precisava ter visto a Juliana Brandão ontem na noite de gala. Estava deslumbrante! Um ve
Ana Luiza MartinelliDepois da reunião matinal com o setor de marketing, onde discutimos os ajustes finais da campanha da nova linha de produtos, eu voltei para minha sala com a mente fervilhando. Ainda estava absorvendo o que havia acontecido mais cedo com Enzo. Não era do meu feitio perder o controle daquela forma, mas ele havia ultrapassado todos os limites.Precisava colocar um ponto final na forma como ele se dirigia a mim. E coloquei.— Ele nunca mais vai gritar com você. — repeti para mim mesma em voz baixa, como se reafirmar isso tornasse mais real.Camile me seguiu até a sala e assim que fechamos a porta, ela soltou:— Ana... você se expôs demais. Poderia ser demitida por ter confrontado o senhor Albuquerque daquela maneira.Suspirei, ajeitando os papéis sobre minha mesa e olhando para ela com calma.— Não se preocupe com isso, Camile. Eu sabia exatamente o que estava fazendo. — Mesmo assim...Levantei a mão, interrompendo-a suavemente.— Olha, não vou almoçar hoje. Tem mui
— Heloíse, com todo o respeito... — murmurei, tentando manter a compostura. — Vai pra puta que pariu e sai da minha frente.— Como você é baixa, menina.— E como você é uma velha mal amada. Vai atazanar quem te merece, no caso seu filhinho.Estiquei a mão e apontei para a porta. Ela hesitou por um segundo, depois se virou lentamente, como se concedesse uma vitória temporária. Parou à porta, me lançando um último olhar carregado de desprezo.— Último aviso, se afaste do meu filho.— Vai se foder. — sussurrei.Ela saiu e fechou a porta com força. Me deixei cair na cadeira de novo e levei as mãos ao rosto, sentindo uma lágrima solitária escorrer pela bochecha. Não chorei por medo. Nem por dor. Era raiva. Era exaustão. Era tudo.Permaneci ali por alguns minutos, sentindo o silêncio me engolir, até ouvir uma batida suave na porta. Era Camile, com um saco de papel na mão.— Trouxe seu lanche. Tá tudo bem? — ela perguntou, percebendo o clima pesado no ar.Assenti lentamente, limpando o rosto
Murilo se aproximou de mim com dois copos de café e me entregou um. Ele me olhou de cima abaixo e assobiou.— Está gostosa, gata! Isso tudo é para o nosso CEO? — Ele riu, divertido.— Estou gostosa para mim, pois eu mereço, migo. — Muri sorriu. — E aí, como foi a sua noite? Minha mãe está com saudades de você e da Bea.— Tenho que ir lá ver dona Fátima. Adoro a sua mãe como se fosse minha.Meu amigo é órfão de pai e mãe. Infelizmente, ele os perdeu em um acidente de carro quando era pequeno e foi criado pelos avós. E, mesmo com todo o carinho deles, ele sente saudades dos pais. Quando conheceu a minha mãe, virou um grude com ela. Minha mãe é muito acolhedora, e isso fez com que ele a adotasse como mãe.— Vai sim. Ela está na minha casa. Vou chamar a Bea e vamos nos divertir à noite.— Vou levar cerveja pra nós e refrigerante para o Nandinho.— Esqueceu que o Nandinho não toma refrigerante? Ele é chatinho, assim como o pai. Na verdade, ele tem diversas características do pai.— Se o no
— Você? — Richard rosnou, o sorriso completamente desfeito.— Até que enfim nos encontramos de novo, Richard. — Enzo rebateu com ironia, cruzando os braços. — Sempre rastejando nos lugares errados, pelo visto.Meus olhos foram de um para o outro, sentindo a tensão tomar conta da mesa. Eles se conheciam. E, pelo visto, se odiavam.— Enzo... o que está fazendo aqui? — perguntei, tentando manter a calma.— Vim jantar. Mas não imaginei que encontraria um velho conhecido... e minha... funcionária preferida. — Ele disse, com ênfase proposital na palavra “funcionária”.— Você não mudou nada, Enzo. Continua um babaca controlado pelo próprio ego. — Richard retrucou, inclinando-se para frente.— E você continua um verme oportunista. — Enzo rebateu, frio.Pisquei, tentando entender a conexão entre eles. O clima estava sufocante, como se qualquer palavra a mais fosse causar uma explosão. Enzo lançou um último olhar para mim e depois para Richard.— Enzo, você quer alguma coisa? Estamos no meio de
(Anos Atrás)Ana Luiza Martinelli A chuva castigava a cidade naquela noite, mas nada poderia se comparar à tempestade dentro de mim. O barulho das gotas contra o vidro da sala ecoava, abafando o som dos meus próprios pensamentos, mas não era o suficiente para silenciar a dor que se espalhava pelo meu peito.Meus dedos tremiam enquanto seguravam o celular, meus olhos fixos na tela, como se, a qualquer momento, aquela imagem fosse desaparecer. Como se, de alguma forma, eu pudesse acordar desse pesadelo.Mas a foto continuava ali. Ele continuava ali.Enzo.O homem que eu amava. O homem em quem confiei sem hesitar. O homem que, agora, estava estampado na tela do meu celular... com outra mulher.Ela sorria para a câmera, uma expressão de pura satisfação, e ele estava ao lado dela. Perto o suficiente para que qualquer desculpa fosse inútil. Seus braços envolviam sua cintura de um jeito íntimo demais para ser um mal-entendido.Meu coração batia forte, não por amor, mas por raiva, por incred
(Seis Anos Depois)Os corredores de vidro refletiam minha imagem conforme eu avançava, os saltos ecoando em um ritmo preciso, como um lembrete do caminho que trilhei até ali. O passado já não pesava mais sobre meus ombros, e a menina insegura, que uma vez trabalhou como auxiliar de serviços gerais para ajudar a família, agora não existia mais. No lugar dela, havia uma mulher confiante, determinada e, acima de tudo, implacável. Os funcionários desviavam o olhar quando eu passava, alguns cumprimentavam com um aceno respeitoso, outros cochichavam entre si, admirados ou intimidados. Eu sabia o que diziam,sabia o que pensavam. Ana Luíza Martinelli não era apenas a nova diretora-executiva, mas também a mulher que nunca aceitava um "não" como resposta. Meu nome já não estava vinculado à humildade do passado, mas à força que conquistei no presente. Ao entrar na sala de reunião, senti os olhares recaindo sobre mim. Alguns eram de respeito, outros, de inveja. Os diretores masculinos foram r
Cheguei à minha sala e me joguei na cadeira, irritada. Não acredito que o passado voltou. Só espero que ele não tenha reaparecido para me atormentar. Ouvi batidas na porta e dei permissão para entrar. — Oi, chefinha! Vai sair para comer ou quer que eu peça comida do seu restaurante preferido? — perguntou Camile. Antes que eu pudesse responder, meu celular apitou e vi o nome de Richard piscando na tela. "Oi, princesa! Ontem você saiu correndo do meu apê, quer almoçar comigo?"Não sentia nenhum sentimento por Richard, mas estar com ele era divertido. Ele era bom no sexo, mas era só isso. "Vou sim, me passa o endereço do restaurante que irei te encontrar."Ele me passou o endereço, e então me virei para Camile, que ainda aguardava minha resposta. — Ca, não se preocupe. Vou almoçar com um amigo. — Ok, chefinha. Bom almoço para você. Ela se retirou, e eu comecei a trabalhar para compensar o tempo perdido naquela reunião idiota. Meu telefone tocou, e Camile me avisou que o n