(Anos Atrás)
Ana Luiza Martinelli
A chuva castigava a cidade naquela noite, mas nada poderia se comparar à tempestade dentro de mim. O barulho das gotas contra o vidro da sala ecoava, abafando o som dos meus próprios pensamentos, mas não era o suficiente para silenciar a dor que se espalhava pelo meu peito.
Meus dedos tremiam enquanto seguravam o celular, meus olhos fixos na tela, como se, a qualquer momento, aquela imagem fosse desaparecer. Como se, de alguma forma, eu pudesse acordar desse pesadelo.
Mas a foto continuava ali. Ele continuava ali.
Enzo.
O homem que eu amava. O homem em quem confiei sem hesitar. O homem que, agora, estava estampado na tela do meu celular... com outra mulher.
Ela sorria para a câmera, uma expressão de pura satisfação, e ele estava ao lado dela. Perto o suficiente para que qualquer desculpa fosse inútil. Seus braços envolviam sua cintura de um jeito íntimo demais para ser um mal-entendido.
Meu coração batia forte, não por amor, mas por raiva, por incredulidade, por desespero.
— Diz que isso não é verdade, Enzo! — Minha voz falhou, embargada pela dor que tentava me sufocar.
Ele estava a poucos metros de mim, parado no meio da sala, como se tivesse sido pego de surpresa. Seu maxilar travado, os punhos cerrados ao lado do corpo. Mas não havia choque em seus olhos. Nem culpa.
Apenas exaustão.
E foi isso que me destruiu de verdade.
Ele não parecia um homem arrependido. Ele parecia um homem cansado. Como se estivesse esperando esse momento. Como se soubesse que, mais cedo ou mais tarde, eu descobriria.
— Eu posso explicar.
Senti o estômago revirar. Minha respiração ficou curta. Uma onda de náusea me tomou.
— Explicar?! — Soltei um riso incrédulo, encharcado de mágoa. — O que exatamente você pode explicar, Enzo? Porque, pelo que eu estou vendo, você me traiu! Você estava com outra mulher!
O silêncio dele foi ensurdecedor. Meus olhos ardiam, e o nó na garganta só apertava.
— Não foi assim. Não do jeito que você está pensando.
— Então me diz como foi! — exigi, a raiva misturando-se ao desespero. — Porque, para mim, parece exatamente isso!
Ele passou as mãos pelos cabelos, os olhos fechados por um breve momento. Como se tentasse encontrar a resposta certa. Como se tentasse aliviar a culpa que já estava estampada em cada traço seu.
Mas ele não disse nada.
O silêncio foi pior do que qualquer palavra.
Foi a confirmação que eu não queria. Foi a sentença final para algo que, até aquela noite, eu acreditava ser eterno.
A dor rasgou meu peito de dentro para fora. Meu corpo inteiro parecia prestes a desmoronar, mas eu me recusei a ceder.
— Você não tem nada para dizer? — Minha voz saiu em um sussurro, mais para mim mesma do que para ele.
Ele me olhou, e, por um segundo, vi algo brilhar em seus olhos. Algo parecido com arrependimento. Mas foi passageiro.
— Ana… — ele começou, mas parou. Seu olhar fugiu do meu.
Ele não tinha mais nada para me dizer.
— Vou te dar uma última chance, Enzo. — Minha voz soou mais firme do que eu esperava.
— Você precisa entender… Minha mãe não iria me deixar levar você. Então ela chamou a Val para me acompanhar, mas foi só isso. Você precisa acreditar em mim.
As palavras dele me deixaram em choque.
— Eu preciso entender o quê? Que você e a sua mamãe têm vergonha de mim? — Perguntei, completamente dilacerada.
— Eu nunca disse isso, Ana! Eu te amo. Mas, como eu disse, você precisa entender… A família de onde eu venho é complicada.
— Já entendi, Enzo. Sei que sou de família humilde, mas tenho muito orgulho disso. Minha família é batalhadora, e não me envergonho do meu falecido pai ter sido mecânico, nem da minha mãe ser auxiliar de serviços gerais. Não me envergonho de ter a mesma profissão que ela, porque foi isso que pagou minha faculdade, já que riquinhos como você ocupam as vagas das universidades públicas. Tenho orgulho da família que tenho, por mais humilde que sejamos.
— Aninha, você está levando isso para outro lado.
— Para você, sou Ana Luiza.
— Para com isso, vai.
— Vou te fazer uma última pergunta e, dependendo da sua resposta, talvez eu possa pensar em te perdoar. — Ele me encarou com expectativa.
Peguei o celular novamente e mostrei o vídeo em que ele e Valentina estavam se beijando.
— E então? Isso aqui você também pode explicar? Sua mãe também mandou você beijar essa mulher?
Ele olhava para mim e para a tela do celular. Seus olhos se moviam entre nós, mas ele não conseguia dizer nada. Não havia desculpa, porque não havia justificativa.
E aquilo… Aquilo foi o que me destruiu.
Engoli o choro. Endireitei os ombros. Peguei minha bolsa, que estava no sofá, e passei por ele sem olhar para trás.
Mas, quando cheguei à porta, senti sua mão segurar meu braço.
— Não vá assim.
Minha pele arrepiou com o contato. Meu coração implorou para que eu me virasse, para que olhasse para ele uma última vez. Mas minha razão gritou mais alto.
Puxei meu braço de volta, libertando-me do toque que já não me pertencia.
— Você me perdeu, Enzo. Nosso noivado termina aqui.
Minha voz saiu firme, mas, por dentro, eu estava quebrada.
Dei o primeiro passo para fora. Depois o segundo. A cada centímetro que me afastava, sentia como se estivesse deixando um pedaço de mim naquele apartamento.
Eu sabia que, se ficasse mais um segundo ali, não teria forças para ir embora. Eu tinha uma dependência emocional muito grande de Enzo e não sabia como viver sem ele. Mas uma coisa era certa: não podia ficar com alguém que me jurava amor eterno e fidelidade, mas me escondia por causa da minha condição financeira.
Cheguei em casa aos pedaços, e minha mãe me consolou por horas. Ela me acalentou e disse que, um dia, eu encontraria alguém que me amasse de verdade.
Mas, naquela noite, tomei minha decisão.
Jamais abriria meu coração novamente. Não queria passar por isso outra vez.
(Seis Anos Depois)Os corredores de vidro refletiam minha imagem conforme eu avançava, os saltos ecoando em um ritmo preciso, como um lembrete do caminho que trilhei até ali. O passado já não pesava mais sobre meus ombros, e a menina insegura, que uma vez trabalhou como auxiliar de serviços gerais para ajudar a família, agora não existia mais. No lugar dela, havia uma mulher confiante, determinada e, acima de tudo, implacável. Os funcionários desviavam o olhar quando eu passava, alguns cumprimentavam com um aceno respeitoso, outros cochichavam entre si, admirados ou intimidados. Eu sabia o que diziam,sabia o que pensavam. Ana Luíza Martinelli não era apenas a nova diretora-executiva, mas também a mulher que nunca aceitava um "não" como resposta. Meu nome já não estava vinculado à humildade do passado, mas à força que conquistei no presente. Ao entrar na sala de reunião, senti os olhares recaindo sobre mim. Alguns eram de respeito, outros, de inveja. Os diretores masculinos foram r
Cheguei à minha sala e me joguei na cadeira, irritada. Não acredito que o passado voltou. Só espero que ele não tenha reaparecido para me atormentar. Ouvi batidas na porta e dei permissão para entrar. — Oi, chefinha! Vai sair para comer ou quer que eu peça comida do seu restaurante preferido? — perguntou Camile. Antes que eu pudesse responder, meu celular apitou e vi o nome de Richard piscando na tela. "Oi, princesa! Ontem você saiu correndo do meu apê, quer almoçar comigo?"Não sentia nenhum sentimento por Richard, mas estar com ele era divertido. Ele era bom no sexo, mas era só isso. "Vou sim, me passa o endereço do restaurante que irei te encontrar."Ele me passou o endereço, e então me virei para Camile, que ainda aguardava minha resposta. — Ca, não se preocupe. Vou almoçar com um amigo. — Ok, chefinha. Bom almoço para você. Ela se retirou, e eu comecei a trabalhar para compensar o tempo perdido naquela reunião idiota. Meu telefone tocou, e Camile me avisou que o n
Na hora do almoço, cheguei ao restaurante indicado por Richard. Assim que entrei, vi que ele já estava à minha espera.— Você está muito linda — elogiou, sorrindo antes de beijar meus lábios.— Obrigada por notar. Você já pediu?Ele negou.— Estava esperando você, linda.Richard levantou a mão e chamou o garçom, que se aproximou rapidamente. Fizemos nossos pedidos e, assim que o garçom se afastou, ele se virou para mim.— E então, como está sendo o trabalho?— Cheio de surpresas. E o seu?— Surpresas? Espero que sejam boas.Hesitei, ponderando se deveria contar, mas preferi mudar de assunto.— Vamos deixar os assuntos de trabalho para depois.Ele concordou, e almoçamos em um clima leve e descontraído. Quando terminamos de comer, pedimos café. Richard começou a acariciar minhas mãos de maneira sensual, e eu sorri. Assim que os cafés chegaram, seguimos conversando animadamente.— Quando poderemos sair novamente? — perguntou ele.— Estou cheia de coisas para fazer. Minha mãe virá me visi
Enzo AlbuquerqueDepois de anos fora do país, finalmente estou de volta. Não que eu sentisse falta daqui, mas agora tenho um novo propósito: a minha própria empresa. Pela primeira vez, algo que construí sem precisar da influência da minha família, sem que meu sobrenome fosse a única coisa que me definisse. Isso significava muito para mim. Finalmente, Enzo Albuquerque seria mais do que apenas o herdeiro de uma dinastia de empresários bem-sucedidos.Minha volta ao Brasil foi estratégica. Passei anos na Europa, absorvendo conhecimento, fazendo contatos, aprendendo sobre o mercado. E agora, com a aquisição da SoftTech, eu tinha algo só meu. Uma empresa promissora, com potencial de crescimento e inovação. E o melhor: sem nenhuma interferência da minha família. Não que eu não os respeitasse, mas estar sempre sob as asas da minha mãe era sufocante. Eu queria construir algo por mérito próprio, provar que era capaz sem precisar da aprovação deles.Entrei no prédio da SoftTech no início da manh
Ana Luiza Martinelli Meu despertador tocou pela quinta vez, e eu ainda me recusava a levantar. Na verdade, eu não queria encarar Enzo. Por que o destino resolveu ser cruel comigo e colocar o cara que já foi o amor da minha vida e, ao mesmo tempo, me destruiu no local onde trabalho?Como vi que não poderia enrolar mais, levantei-me e me arrastei até o banheiro. Após fazer minha higiene matinal, fui à minha cafeteria preferida e comprei um café bem grande e um donut. Terminei tudo e voltei para o carro, pus uma música animada e, ao chegar à empresa, estacionei. Fiquei uns dez minutos dentro do carro, debruçada sobre o volante, e, de repente, ouvi batidas na minha janela. Quando levantei a cabeça, vi que era meu amigo.— Vamos, minha diretora executiva. — Ele disse sorridente, e eu revirei os olhos.— Acho que vou inventar alguma emergência e voltar para casa. — Digo enquanto saio do carro.— Tudo isso é para evitar o nosso CEO? — Ele perguntou, ainda sorrindo.Revirei os olhos e balanc
O dia seguiu arrastado depois da conversa com Enzo. Tentei ao máximo me concentrar no trabalho, mas minha mente insistia em reviver cada detalhe do nosso encontro. Eu odiava o efeito que ele ainda tinha sobre mim, e isso só me irritava mais.Afundei na papelada sobre minha mesa, analisando contratos e revisando relatórios. Se existia algo que me fazia esquecer dos problemas, era me perder no trabalho. Mas, mesmo assim, a cada intervalo entre um documento e outro, minha mente vagava para os olhos de Enzo, para a forma como ele me olhou, como se ainda tivesse algum direito sobre mim.— Está tudo bem? — A voz de Murilo me trouxe de volta à realidade. Ele estava encostado na porta da minha sala, segurando um copo de café e me observando com um olhar curioso.— Sim. Só tentando manter minha sanidade. — Suspirei e estiquei os braços, sentindo a tensão acumulada nos ombros.Ele entrou, puxando uma cadeira e se sentando de frente para mim.— Isso tem nome e sobrenome, né? — Ele disse, arquean
Esse dia parecia não ter fim. Como pulei o almoço, minha assistente pediu um café para mim, e agradeci.Assim que o lanche chegou, ela se sentou ao meu lado e sorriu.— Obrigada pelo lanche! Enquanto como, revise este documento para mim, por favor. — Camile me encarou animada.— Você não me trata como secretária igual os outros fazem com as suas.— Já estive no seu lugar, Camile, e tive um excelente mentor que viu potencial em mim e me incentivou. Vejo o mesmo em você.Ela me olhou de maneira estranha.— Não tem medo de que eu possa tomar o seu lugar? Muitos não ajudam justamente por isso.— O sol brilha para todos. Assim como brilhou para mim, vai brilhar para você. Eu era apenas uma faxineira, trabalhava com minha mãe, e, aos poucos, graças a pessoas que viram meu potencial, consegui crescer.— Por isso você chegou onde chegou... e ainda vai muito longe, chefinha!Sorri para ela. Enquanto eu comia, ela analisava os documentos que entreguei. Deixei alguns erros propositais para testa
Enzo Albuquerque Estava jogado no sofá da minha casa, tomando meu uísque, quando Ana Luiza veio à minha mente. Ela estava muito diferente da menina por quem me apaixonei anos atrás. A AnaLu do passado era insegura, tinha olhos doces e gentis. Já a AnaLu de hoje era uma mulher forte, determinada, e seus olhos perderam aquela inocência. Mas quem poderia culpá-la? Eu era o responsável por isso. Estava quase fundido ao sofá, mergulhado em lembranças do passado, quando a voz da minha irmã me trouxe de volta ao presente. — O que está fazendo aqui, Rafaela? — perguntei, encarando-a. Ela sorria. — Não posso visitar meu irmão querido? — Hum! Brigou com a mãe de novo? — perguntei, e ela deu de ombros. — Quem brigou comigo foi ela. Você conhece dona Heloíse melhor do que ninguém. Dessa vez, cismou que eu tenho que me casar. Aff! Minha irmã se jogou no sofá ao meu lado, tomou o copo da minha mão e virou o resto do líquido de uma só vez. — Rafa, isso é forte para você. Ela revirou