Fátima Maria MartinelliPassamos horas conversando, até que percebi que já estava bem tarde e que, se eu não encerrasse a noite, Ana Luiza iria trabalhar sem ter descansado um pouco.— Agora vai dormir, minha filha — falei, alisando seus cabelos. — Amanhã você tem que acordar cedo para o trabalho.— Boa noite, mãe... Te amo.— Também te amo, Ana. E nunca se esqueça disso.Ela foi para o quarto, e eu fiquei ali na sala por mais alguns minutos, com o coração apertado, mas cheio de amor.No dia seguinte, preparei o café para ela, que ficou animada, parecendo uma criança.— Filha, vou ficar com o Nando hoje, mas você tem que contratar uma babá.— Eu sei, mãe! A Lídia só está esperando eu ligar para ela, mas eu também vou colocá-lo em uma escola em horário integral. Ele vai fazer seis anos e precisa de atividades extracurriculares, além de fazer amizades com crianças da idade dele.— Isso é verdade! Como estou livre, posso ver isso pra você.— Obrigada, mãe. Se a senhora puder levá-lo junt
Ana Luiza MartinelliAssim que pisei no saguão do prédio, já senti o clima estranho. Havia algo no ar, um silêncio desconfortável, como se todos estivessem aguardando que algo explodisse. Caminhei com passos firmes em direção ao elevador, segurando minha bolsa de lado e tentando ignorar os olhares curiosos. Meu dia tinha começado bem, com o café da manhã em família, o sorriso de Nando ainda fresco na minha memória, mas aquilo ali... aquela energia... podia arruinar qualquer começo bom.Ao sair do elevador no andar da diretoria, avistei Camile na recepção, e meu coração imediatamente apertou. Seus olhos estavam marejados, e ela tentava disfarçar passando a mão apressada no rosto. Ela levantou o olhar quando me viu e forçou um sorriso.— Camile? — chamei, aproximando-me rápida. — O que aconteceu?— Nada... — ela respondeu, desviando o olhar, claramente desconfortável.— Não vem com esse "nada", não. Me conta. — Cruzei os braços, firme. — Alguém falou alguma coisa com você? Foi algum cli
Enzo Albuquerque Sei que não deveria descontar a minha frustração nos outros, mas estou tão irritado que não medi as consequências dos meus atos e acabei gritando com a secretária de Ana Luiza. A menina ficou cinza e, rapidamente, seus olhos se encheram de lágrimas. No momento, nem me arrependi por isso.Voltei para minha sala completamente frustrado e não demorou nem quarenta minutos para Ana Luiza aparecer. Ela estava irritada, e eu sabia que sua secretária havia lhe dito algo.Em meio à nossa breve discussão, falei o que não devia — e levei um tapa na cara dela. O que me deixou ainda mais irritado, mesmo eu sabendo que a culpa era minha.— Você ficou maluca?— Você quem está louco! Acha mesmo que pode me comparar a qualquer vadia e eu ficarei bem? Esse tapa ainda foi pouco.— Pouco? Você está brincando com o perigo.— Se não está satisfeito com o meu trabalho, me demita. — Ela me olhou com um olhar desafiador.Essa nova versão da AnaLu me deixa com raiva e excitado ao mesmo tempo.
Eu deveria estar acostumado. A esses almoços, a esses convites que parecem mais uma obrigação do que um gesto de carinho. A essas conversas vazias cheias de segundas intenções, aos olhares calculistas da minha mãe enquanto despeja uma enxurrada de palavras que mal me interessam. Mas, ainda assim, toda vez que sento à mesa com ela, me sinto como um adolescente rebelde, entediado, desconectado do mundo em que ela vive e insiste em me arrastar junto.O restaurante era um daqueles lugares requintados que cheiram a dinheiro e pretensão. As paredes de vidro permitiam uma vista ampla do lago artificial do clube, onde alguns velhos ricos fingiam se importar com esportes aquáticos enquanto suas esposas ostentavam roupas de grife e bronzeados artificiais. Eu nunca gostei daquele ambiente, mas ali estava eu, sentado em uma cadeira desconfortavelmente dura, escutando minha mãe tagarelar sem parar.— ...e você precisava ter visto a Juliana Brandão ontem na noite de gala. Estava deslumbrante! Um ve
Ana Luiza MartinelliDepois da reunião matinal com o setor de marketing, onde discutimos os ajustes finais da campanha da nova linha de produtos, eu voltei para minha sala com a mente fervilhando. Ainda estava absorvendo o que havia acontecido mais cedo com Enzo. Não era do meu feitio perder o controle daquela forma, mas ele havia ultrapassado todos os limites.Precisava colocar um ponto final na forma como ele se dirigia a mim. E coloquei.— Ele nunca mais vai gritar com você. — repeti para mim mesma em voz baixa, como se reafirmar isso tornasse mais real.Camile me seguiu até a sala e assim que fechamos a porta, ela soltou:— Ana... você se expôs demais. Poderia ser demitida por ter confrontado o senhor Albuquerque daquela maneira.Suspirei, ajeitando os papéis sobre minha mesa e olhando para ela com calma.— Não se preocupe com isso, Camile. Eu sabia exatamente o que estava fazendo. — Mesmo assim...Levantei a mão, interrompendo-a suavemente.— Olha, não vou almoçar hoje. Tem mui
— Heloíse, com todo o respeito... — murmurei, tentando manter a compostura. — Vai pra puta que pariu e sai da minha frente.— Como você é baixa, menina.— E como você é uma velha mal amada. Vai atazanar quem te merece, no caso seu filhinho.Estiquei a mão e apontei para a porta. Ela hesitou por um segundo, depois se virou lentamente, como se concedesse uma vitória temporária. Parou à porta, me lançando um último olhar carregado de desprezo.— Último aviso, se afaste do meu filho.— Vai se foder. — sussurrei.Ela saiu e fechou a porta com força. Me deixei cair na cadeira de novo e levei as mãos ao rosto, sentindo uma lágrima solitária escorrer pela bochecha. Não chorei por medo. Nem por dor. Era raiva. Era exaustão. Era tudo.Permaneci ali por alguns minutos, sentindo o silêncio me engolir, até ouvir uma batida suave na porta. Era Camile, com um saco de papel na mão.— Trouxe seu lanche. Tá tudo bem? — ela perguntou, percebendo o clima pesado no ar.Assenti lentamente, limpando o rosto
(Anos Atrás)Ana Luiza Martinelli A chuva castigava a cidade naquela noite, mas nada poderia se comparar à tempestade dentro de mim. O barulho das gotas contra o vidro da sala ecoava, abafando o som dos meus próprios pensamentos, mas não era o suficiente para silenciar a dor que se espalhava pelo meu peito.Meus dedos tremiam enquanto seguravam o celular, meus olhos fixos na tela, como se, a qualquer momento, aquela imagem fosse desaparecer. Como se, de alguma forma, eu pudesse acordar desse pesadelo.Mas a foto continuava ali. Ele continuava ali.Enzo.O homem que eu amava. O homem em quem confiei sem hesitar. O homem que, agora, estava estampado na tela do meu celular... com outra mulher.Ela sorria para a câmera, uma expressão de pura satisfação, e ele estava ao lado dela. Perto o suficiente para que qualquer desculpa fosse inútil. Seus braços envolviam sua cintura de um jeito íntimo demais para ser um mal-entendido.Meu coração batia forte, não por amor, mas por raiva, por incred
(Seis Anos Depois)Os corredores de vidro refletiam minha imagem conforme eu avançava, os saltos ecoando em um ritmo preciso, como um lembrete do caminho que trilhei até ali. O passado já não pesava mais sobre meus ombros, e a menina insegura, que uma vez trabalhou como auxiliar de serviços gerais para ajudar a família, agora não existia mais. No lugar dela, havia uma mulher confiante, determinada e, acima de tudo, implacável. Os funcionários desviavam o olhar quando eu passava, alguns cumprimentavam com um aceno respeitoso, outros cochichavam entre si, admirados ou intimidados. Eu sabia o que diziam,sabia o que pensavam. Ana Luíza Martinelli não era apenas a nova diretora-executiva, mas também a mulher que nunca aceitava um "não" como resposta. Meu nome já não estava vinculado à humildade do passado, mas à força que conquistei no presente. Ao entrar na sala de reunião, senti os olhares recaindo sobre mim. Alguns eram de respeito, outros, de inveja. Os diretores masculinos foram r