Capitulo 04

Sammy

Eu estava de volta no meu quarto com a porta trancada e meus pais brigavam no andar de baixo. Eu passava a mão na barriga nua e encarava o teto perdida em pensamentos. Eu estava tão preocupada e feliz ao mesmo tempo.

Agora sabia como Branna se sentia quando dizia que estava um pouco maluca com um bebê na barriga. Era tão louco e magnífico ao mesmo tempo. Peguei meu celular ao meu lado na cama e mandei uma mensagem curta para Branna do mesmo jeito que ela havia feito. No caminho de volta pra casa, papai me comprou um novo celular. Nós havíamos voltado sozinhos e quando eu cheguei fui direto pro quarto. Eu não queria ver minha mãe nem por um momento.

Sean já sabia sobre minha gravidez e havia passado meia hora deitado na cama comigo. Ele estava em seu episódio, estava silencioso e melancólico, mas mesmo assim veio ao meu quarto e segurou minha mão com força por meia hora. Ele era tão forte e bom, colocava meus problemas acima dos seus sempre.

Meu celular novo vibrou me avisando de uma ligação e eu atendi. Branna estava confusa e histérica. Falava sem parar “como assim você está grávida também ”, eu ri quando percebi que nós duas estavamos grávidas com diferença apenas de três semanas. É, fazemos tudo juntas mesmo. Branna estava meio tonta com isso. Ela me perguntou se eu falaria pro Marcus, mas ficou sem resposta. Eu estava em Manassas, na Virgínia. E ele em Chicago transando com metade das vadias de lá. Não que eu o culpasse. Nós não éramos nada. Nem namorados. Ficamos só duas vezes e eu engravidei. Quem disse mesmo que eu não ia engravidar? Ha, eu mesma.

Nós conversamos por um bom tempo, até meu pai bater levente na porta e dizer que o jantar estava pronto. Tive que desligar e desci com ele. Sean já estava sentando à mesa e não tinha nenhum sinal da minha mãe. Meu pai percebeu que eu procurava por ela e disse:

— Lauren está trancada no quarto. Ela não vem jantar.

— Fico feliz. — Sean sussurrou e se serviu.

Agradeci mentalmente por isso. Seria muito difícil comer com ela à minha frente. Me olhando como se eu fosse o próprio diabo. Nossa refeição foi feita em paz. Conversamos sobre meu bebê. Papai disse que era uma boa ideia eu sair de casa e não fiquei com raiva dele. Eu também havia pensado nisso. Eu precisava sair e viver minha vida com meu filho o mais longe dela.

Claro que Sean viria comigo. Não  havia como ele continhar ali. Papai disse também que estava farto dela e iria embora de casa. Tinha decidido isso na noite passada quando ela falou sobre Benjamin. Eu gostei de saber sobre isso. Eles deviam ter se separado há anos.

— Essa é a melhor decisão, pai.

Ele concordou e depois segurou minha mão.

— Sammy, vai contar ao Marcus sobre o bebê?

Abaixei a cabeça e dei de ombros.

— Ainda não sei. Eu quero um tempo pra pensar. Não sei se percebeu, mas não tive muito tempo.

Meu pai sorriu de lado e concordou.

— Estou do seu lado, querida.

— Obrigada.

— Então, vamos continuar em Manassas ou vamos nos mudar pra Chicago? — Sean.

— O que sua irmã decidir.

Sorri e minha resposta era óbvia.

— Chicago. Vou amar morar perto da Branna.

— Só da Branna? — meu pai perguntou rindo e eu o segui.

Não, não só dela. 

— Vamos levar Benjamin conosco ou vamos deixar ele apodrecer nessa cidade? — Sean perguntou bebendo todo o suco. 

Meu sorriso foi lavado da cara com água quente e eu suspirei triste. Olhei para papai e ele estava de cabeça baixa enquanto pensava. Ele coçou a barba por fazer e suspirou.

— O Dr. Romeno está tentando nos convencer a trazê-lo pra casa há um ano. Diz que aquele lugar não é pra ele. Ben não é louco. Falarei com ele amanhã e pedirei a papelada de liberação. Vamos levar Benjamin conosco, é óbvio.

Sean sorriu de lado feliz com a decisão de papai e eu também. Finalmente teria meu irmão mais velho em casa. Não essa casa. Afinal, nunca foi dele. Casa é aonde as pessoas que amamos estão e Benjamin tem três pessoas que o amam muito, pensei feliz. Coloquei minha mão sob a barriga. O Titio está vindo pra casa. Era algo bem louco, ter uma vida crescendo dentro de você, algo extraordinário.

Além de feliz, eu estava apavorada. Não gostava de me sentir assim, mas era impossível mudar. Eu não sabia como contar a Marcus, nem se ele gostaria de saber. Na última vez que nos vimos, ele me magoou e eu lhe dei um tapa de volta. Não foi exatamente um clima amistoso.

Também não sabia como seria mãe. Minha mãe era uma maluca que virou as costas pra mim de primeira, não falava com minha avó materna há um ano e meio. Nenhum exemplo materno apresentável na família para me inspirar. Eu não queria falhar com esse pequeno bebê. E se ele me odiar? E se... Parei meus pensamentos antes de irem adiante. Eu não podia pensar assim. Pensamento positivo, Sammy.

Depois do jantar, nós lavamos e enchugamos a louça. Fomos pra varanda e ficamos lá por um tempo até subirmos de volta pros quartos. Meu pai estava dormindo no antigo quarto de Benjamin já que não queria voltar pro quarto que ele e mamãe dividiam. Falei com Branna pelo telefone e lhe contei as novidades. Ela ficou super feliz por saber que eu iria pra Chicago, mas disse que sentia muito pela minha mãe. E eu sabia que sentia. Branna sempre preferiu minha mãe maluca e fanática do que a Rachel. Nos despidimos rapidamente e eu caí no sono logo em seguida.

* * *   * * *

Era quatro e meia da manhã e minhas roupas já estavam todas nas malas. Estava terminado de encaixotar as caixas com os livros quando Sean entrou no quarto carregando uma caixa que dizia Ben em vermelho. Fazia uns seis dias desde que descobri minha gravidez. Papai havia comprado uma casa próxima a escola que Branna estudava. Era o começo do segundo ano e eu já estava fora da escola. Ele iria me matricular na mesma escola de Branna e eu estava mais que radiante. Eu ficaria muito próxima dela.

Meu pai fez uma viagem rápida até Chicago para ajeitar as coisas e quando voltou passou na clínica para assinar os papéis de liberação do Ben. Mamãe não saiu do quarto em nenhum momento e eu estava me sentindo mal. Ela ficaria só. Mas continuei falando pra mim mesma que ela que escolheu isso. Sean começou a levar as caixas pra baixo e eu as malas. Passei pela porta da minha mãe e tentei escutar algo de lá. Os sussurros e as poucas palavras que escutei me disseram que ela estava rezando.

Desci e coloquei tudo na caminhonete que papai havia pegado de um amigo. Nosso carro era pequeno demais para levar nossas coisas, mas a caminhonete servia bem. Afinal, não era tanta coisa e queríamos levar apenas o necessário.

Meu pai e o médico de Benjamin haviam conversado bastante nos últimos dias e o médico achou melhor que fôssemos de carro até Chicago. Benjamin não estava acostumado à aviões e já estava muita coisa mudando na vida dele. Era melhor pegar leve para que ele não ficasse sobrecarregado com as mudanças repentinas.

Papai havia contratado mais dois ajudantes para a clínica veterinária e colocara o gerente, Wren, para tomar conta enquanto ele estava fora. Ele pretendia vir a Manassas três vezes por mês para ver como andavam as coisas e queria abrir mais uma clínica em Chicago. Eu super apoiava ele. Meu pai amava cuidar de animais, era o que ele sabia fazer desde criança. Ele vivera toda sua vida em função de animais e da família.

Terminamos de ajeitar as caixas e malas na caminhotene e entramos pra beber chocolate quente com canela. Ficamos conversando na cozinha até ouvirmos o som de passos na escada e mamãe apareceu. Ela estava com um terço na mão e nos olhava com uma expressão brava.

— Não percebem que o que estão fazendo é errado? — nos perguntou.

Sean suspirou e desviou os olhos dela sem dar atenção.

— Você nos afastou, mãe. Meu filho não é um pecado. Ben, Sean e eu não somos. Papai é um bom homem e ele te amava. Mas você pisou nele como quem pisa em um tapete. Ele cansou, nós cansamos. Você está colhendo o que plantou.

— Você vai se arrepender disso. — ela me disse. — Assim como eu fui punida, você também será...

— Para. — pedi e coloquei minha xícara no balcão. — Palavras de mãe tem poder, então não continua. Eu serei feliz, com meu filho, meus irmãos e meu pai. Seremos felizes bem longe de você.

Ela sorriu de forma cruel e deu de ombros.

— Se é no quer acreditar, tudo bem. Mas não diga que não avisei. — ela se virou e voltou pra cima.

— Eu a odeio. — disse querendo chorar e bufei. — Malditos hormônios!

— Precisamos comprar suas vitaminas. Carina disse que era muito importante que você tomasse todas. — Sean disse mudando de assunto e eu concordei.

— Okay, compramos em Chicago.

Ele concordou e terminei meu chocolate quente. Ouvimos o barulho do carro do papai e segundos depois ele entrou.

— Vamos? — disse e sorriu. — Benjamin já está no carro.

Sorri e pulei fora da cadeira. Corri para fora e lá estava ele. Benjamin estava encostado no carro preto, as mãos nos bolsos da calça jeans, camisa vermelha escuro e um casaco branco de crochê que eu fiz no seu aniversário um ano atrás. Seus cabelos castanhos claros estavam longos até a mandíbula e ele estava com a cabeça abaixada.

Eu não podia abraçá-lo desde que ele não se sentia à vontade com isso, então me aproximei dele e estendi a mão com a palma pra cima. Ele não nos olhava nos olhos nunca, mas olhava para nossa boca, testa ou até o nariz no lugar dos olhos. Ele pousou a mão sob a minha e sorriu de lado.

— Oi bonitão. — sussurrei.

Eu estava certa em chamá-lo assim. Meu irmão era alto e forte, não bombado como os caras que iam à academia regulamente, mas forte o suficiente para fazer as mulheres suspirarem. Seu rosto era bonito e bem esculpido, seu sorriso brilhante e o azul de seus olhos, assim como os meus e de Sean, eram brilhantes.

Ele não tinha uma coordenação motora como a dos outros quando criança, então os médicos ajudaram ele com natação, musculação e outros esportes. Sem falar na música e o desenho. Benjamin amava pintar e desenhar, tocar piano e violão. Ele era muito inteligente e segundo os médicos, diferente de alguns outros que tinham a mesma síndrome que ele.

— Samantha. — ele disse com sua voz grave.

Apenas poucas pessoas me chamavam pelo meu nome. Sean, Benjamin, Meu pai e Marcus. Sean se aproximou de nós e cumprimentou ele com cuidado. Os dois estavam desconfortáveis, mas era algo que sumia com o tempo. Entramos no carro e papai foi para a caminhonete. Sean iria dirigir o Audi preto já que ele tinha habilitação.

Fiquei pensando sobre a doença dos meus irmãos por um tempo e depois em Marcus. Também pensei na minha mãe, mas desviei os pensamentos. Não queria pensar nela.

Olhei pro meu lado e encarei meu irmão enquanto ele dirigia em silêncio. A primeira crise de Sean havia acontecido quase nove anos atrás, quando ele tinha dez anos. O médico havia dito que era normal ter um intervalo entre a primeira crise e as crises seguintes. Com ele foi mais rápido, já que os homens costumavam apresentar os sintomas da bipolaridade perto dos quinze ou mais velho. Mas Sean só foi ter um diagnóstico conclusivo algumas semanas antes do aniversário de Branna, em Outubro do ano passado.

A primeira crise de Sean o havia levado ao hospital. Ele havia se estressado com um amigo na rua e depois com minha mãe. Dias depois, alguns meninos zoaram ele na escola e quando Sean chegou em casa foi direto pra garagem. Ele havia destruído quase tudo e suas mãos estavam ensangüentadas. Ele ainda tinha algumas marcas que os cortes haviam deixado de tão profundos que foram. Eu tinha oito anos na época e lembro de ter me sentado ao lado dele na cama enquanto víamos TV e disse que ele era estúpido. Sean riu e continuou assistindo sem se preocupar com meu insulto.

Ele era legal desde criança. Me irirtava muito na adolescência, mas todos os irmãos do mundo tinham problemas. Nós não éramos diferentes. Era uma guerra do estilo dos gladiadores principalmente pelo último pedaço de pizza. Me sentia mal ao lembrar que Benjamin nunca disputou conosco pelo último pedaço de pizza.

A doença de Benjamin era um pouco mais complexa que a de Sean. Ele não gostava de muitas coisas, como por exemplo: não gostava de nos olhar nos olhos. O Dr. Romeno que era médico de Benjamin desde que ele era criança, tinha uma teoria quaas confirmada. Ele dizia que os olhos eram o espelho da alma. Benjamin via a verdade neles e era muita coisa para assimilar, para se acostumar. Às vezes ele via a maldade e isso o deixava nervoso, o que levava ele à ter crises. Benjamin parou de olhar as pessoas nos olhos aos dez pros onze anos pelo que diziam. A mudança pra ele era algo desgastante, desnecessária e tratava com hostilidade. Mas fiquei contente ao ver que ele estava indo bem. Eu nunca havia visto uma crise de alguém com síndrome de Asperger e nem queria ver. Já era ruim ver as de Sean, as crises de Benjamin deveriam me deixar de cama por semanas se vinhessem à acontecer.

Eu amava meus irmãos com todos os problemas deles e caramba, não eram poucos não. Eles eram bem problemáticos, cheios de nãos e crises, mas eu os amava e isso os deixava mais especiais.

Quase meia hora depois, saímos de Manassas e fizemos nosso caminho para Chicago. Olhei pelo retrovisor e encontrei meu irmão dormindo.

— Temos um bebê dormindo. — falei e olhei pra trás.

Benjamin dormia como um bebê no banco de trás e eu sorri. Ele era adorável.

— Ele mal parece nosso irmão mais velho. — Sean sussurrou olhando para a estrada.

— Ele é, mas não é. — disse revirando os olhos. — É nosso bebê, Sean. Temos que cuidar dele sempre.

— Eu sei. — sorriu de lado. — Vamos cuidar.

Sorri concordando e me acomodei no banco. Vinte minutos depois caí no sono.

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