Capítulo 01 - 02

Violleta

Sua expressão fica sombria e fechada. Minha vontade foi de vomitar, confesso. Não deu para negar o nojo que senti com suas segundas intenções comigo. Começo a tremer, recordando de minha infância abandonada. Como queria alguém para me proteger e cuidar. Todavia recordo de que estou sozinha, que não tenho ninguém além de mim mesma. Se quero ser ouvida e respeitada, terei que lutar por meus direitos, demonstrando ser forte, mesmo que no fundo esteja repleta de pavor.

Com minha mão livre, retiro seus dedos sujos de cima de mim e advirto:

— Escute bem. Não sou qualquer mulher para você propor essa depravação. Comprei seu jornal como propôs em troca de uma simples indicação de moradia barata, mas se você não pode me ajudar, vou buscar alguém que possa. Ah, e quem sabe não veja um policial na rua para contar o quão “bem” o senhor trata as mulheres que passam por sua banca. — Na hora seus olhos se arregalam, percebendo que não estou brincando com minha ameaça de denunciá-lo.

— Calma, moça. Não é para tanto! — Franzo a testa em desaprovação. — Está vendo a rua que cruza de trás de você? Pois bem, lá tem uma pensão humilde onde poderão te ajudar.

— Obrigada — digo firmemente e começo a andar. Por dentro, minhas pernas parecem gelatinas e a vontade de chorar é enorme. 

Afasto-me indo para o tal albergue. Porventura no caminho vejo uma loja de eletrônicos, compro o celular mais simples e fácil que achei, somente para receber ligações e mensagens, para futuras propostas de emprego. Surpreendo-me com a cortesia da moça que administrava essa casa. Ela hospeda famílias com quartos individuais, tendo que compartilhar os banheiros — que eram poucos — e a cozinha. Com um pequeno acréscimo, teria direito as três refeições diárias.

Não pensando duas vezes, aceitei na mesma hora, pois minhas habilidades culinárias se estendiam apenas até a canja de galinha do orfanato. Ainda que meu dinheiro fosse pouco, contava com minha própria predisposição a encontrar logo um emprego em algum lugar daquele caos urbano. Se todo o tempo livre que eu tiver, puder focar em buscar um trabalho com uma boa remuneração, assim ficará melhor em alcançar meu objetivo.

Escolhi o menor quarto disponível, contendo uma cama de solteiro e uma pequena cômoda. Respiro fundo ao entrar e fecho a porta. Aqui começa minha nova vida, com cortinas furadas e um leve cheiro de poeira.

Sento-me na cama colocando a pequena mala ao meu lado. Abrindo-a, retiro cuidadosamente minha manta e minhas poucas vestimentas, guardando tudo nas gavetas estreitas. Lembro que preciso adquirir pelo menos uns três conjuntos de roupas sociais para entrevistas e início de trabalho, se tiver sorte. Tenho que me misturar com as pessoas que vi mais cedo.

Encaixo a bolsa já vazia debaixo da cama e saboreio meu lanche, feito com tanto carinho pela cozinheira do orfanato. Ele será minha última lembrança daquele lugar. Gostaria de tomar um banho, entretanto nem sabonete tinha comigo, ou produtos de higiene.

— Bom, Violleta, está na hora de fazer umas compras e conhecer a vizinhança — digo em voz alta para mim mesma, me animando com a ideia.

Procurei caminhar nas ruas cautelosamente. Algumas horas apenas na cidade grande e já percebi como as pessoas daqui são imprevisíveis, hora podem ser gentis e prestativas, hora extremamente aproveitadoras e cheias de más intenções. A ruindade não vem estampada na face do ser humano, por isso, todo cuidado é pouco.

Gasto com moderação com coisas que necessitava, passando em algumas lojas de roupas, sapatos, e coisas para o lar. Não resisti e comprei alguns objetos para deixar meu humilde quarto, com cara de meu. Voltando ao albergue, a primeira coisa que faço é tomar um banho demorado, lavando minha pele e alma daquele orfanato. Dei atenção ao meu longo cabelo, lavando-o três vezes, me depilando por completo também.

No meu quarto me distraio decorando-o com os poucos objetos que adquiri. Coloquei um vaso de lírios em cima da cômoda e um tapete de crochê bonito no piso frio. Vi algo na loja que me encantou na mesma hora. Sempre tive medo do escuro, porque no orfanato não deixavam dormir de luz acesa, então vi um pequeno abajur de tomada colorido, com formato de borboleta. Sabia que me ajudaria a ter bons sonhos estando próximo de minha cabeceira. 

Com pouco, tudo ficou perfeito para mim, deixando agradável e aconchegante esse pequeno retângulo que chamarei de lar pelo tempo que for necessário.

DUAS SEMANAS DEPOIS...

Os dias vão passando e meu nervosismo de achar um emprego também. 

Aquele jornal que comprei do homem da banca não me trouxe sorte, e todos os outros dias igualmente. Estava gastando um dinheiro que não podia e isso estava começando a me preocupar. Folheava os classificados quase com agressividade, e curiosamente me interessei na coluna de pessoas desaparecidas. Imaginei minha própria foto estampando um daqueles jornais amarelados e baratos, e cheguei a cogitar em procurar meus pais biológicos, mas refleti melhor e desisti. Eles não me quiseram quando eu era apenas um bebê, não iriam me querer agora.

De volta ao que importava, tinha feito um bom currículo, com informações objetivas e minha foto no canto superior esquerdo, como padrão. Porém, o destino não queria sorrir para mim. Custei em entender o que estava fazendo de errado. Compreendi que no mundo tecnológico, os empregos e até currículos eram feitos todos virtualmente, presencial seria somente na entrevista. Aquele mundo era muito diferente da isolada cidadezinha do orfanato onde tudo o que existia era a igreja e as quitandas.

Dessa forma, descobri a Lan House. Pagava alguns centavos por hora, enviando não somente meu currículo como também buscando mais empregos pela internet. Sempre tinha vagas interessantes e a maioria pedia experiência na área. Mesmo assim, eu encaminhava esperançosa por alguma resposta positiva.

Meu celular não recebeu uma única ligação nessas duas semanas. Minha distração para não surtar ou entrar em depressão, foi ler novos livros que comprei num sebo perto de casa, e outras horas, um único joguinho eletrônico que tinha no celular. Estava realmente planejando buscar um emprego como balconista ou empregada doméstica, por não pedir prática ou graduação maior que a minha.

Deitada na cama, com meu livro em mãos, me marca uma citação que não sai do meu pensamento.

“No fundo é como te quero.

No fundo é onde você vive.

Me envolva em suas pernas,

Me afogue no seu beijo.

Me guarde dentro de você.

Me deixe ver sua alma.

Eu sou um monstro sem você,

Quando estou no fundo, você me torna inteiro.”

— Leisa Rayven.

Que palavras lindas, fortes e contraditórias.

De repente me assusto com o toque do aparelho telefônico. Ele vibra em cima da cômoda. Meu coração quase sai pela boca de emoção e euforia. Por favor, Deus, que seja uma ótima notícia… Levanto-me apressada da cama, mas acabo escorregando no tapete, caindo de bunda no chão.

— Ai! — reclamo, apalpando meu bumbum dolorido. Mesmo com o desconforto, agarro o celular e atendo confiante. — Alô?

— Senhorita Violleta Santi? — Escuto uma voz feminina suave do outro lado da linha.

— Sim, sou eu — confirmo.

— Sou Carlota. Trabalho nos Recursos Humanos, na empresa Ferrari. — Nossa, eu lembro dessa candidatura, prédio bonito no centro e mulheres de salto alto. — Você nos encaminhou seu currículo para a vaga de secretária e o nosso presidente está precisando urgente de uma moça com suas qualificações. Você está disponível para esse cargo?

Como não estaria? Estou desesperada para trabalhar e ter uma renda! Espera, será que minhas qualificações seria meu curso simples ou minha foto ilustrada?

— Com toda certeza, estou — digo animada, com um sorriso entre os lábios. Eu precisava focar no que era importante: ter o que comer na próxima semana.

— Pode comparecer amanhã na empresa pelas oito da manhã? Falaremos sobre sua carga horária, benefícios e documentações.

— Estarei sem falta.

— Ótimo. Enviarei o endereço por mensagem de texto ao seu celular.

— Tudo bem.

— Perfeito.

— Obrigada. — Desligo dando pulinhos de felicidade.

Não acredito! Estou tão feliz. Antes tarde do que nunca. Valeu a pena esperar.

Contente, separo minha roupa e sapatos para amanhã, o mais próximo do que vi quando visitei a sede da empresa mesmo sem grandes sucessos. Desço para jantar, contando a novidade para quem estava na mesa de refeições me acompanhando. Todos se alegraram com a notícia.

Conto os minutos para logo amanhecer, ansiosa para saber o que me aguarda.


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