Giovanna
Eu sabia que meu casamento com Lucas seria diferente.
E põe diferente nisso!Assumir a esposa do próprio irmão falecido, com dois filhos, não era uma situação comum. Mas o que mais doía era enxergar a superficialidade nos olhos de Lucas quando ele me olhava. E o pior? Eu me apaixonei por ele.
Não apenas por sua beleza – embora ele fosse irresistivelmente lindo, com aqueles braços tatuados, a covinha charmosa no rosto e os lábios carnudos. Dio! Mas eu enxerguei além. Ou ao menos achei que enxergava. Me apaixonei por qualidades que, hoje, percebo que ele nunca teve.
Eu sorria com nossas conversas, mesmo quando eram vazias. Me sentia especial, vivendo um conto de fadas. Mas Lucas não era o príncipe da minha história – era o sapo que me iludiu com seu sorriso sedutor, apenas para depois despedaçar tudo com sua falta de amor.
Nosso casamento ruiu diante de suas viagens, sempre cercadas de piranhas. E, enquanto ele se afundava em sua vida de solteiro, cercado pelas piores companhias, eu passei a me enxergar de outra forma. Eu era muito mais mulher para aquele menino que nunca se tornou homem.
Ele continuava vivendo superficialmente, sorrindo superficialmente, amando superficialmente. Mas eu não queria mais essa vida para mim.
Por isso, o mantive longe da minha cama. Ele nunca me tocou. Só que, com o tempo, esse Lucas começou a mudar. Até me prometeu fidelidade. Mas eu já tinha passado por tempestades que me ensinaram a ser mais forte. Então, não caí no seu jogo. Apenas fingi que acreditei.
Porque eu já conheço a dor da decepção. E dói. Dói muito. Mesmo quando sabemos que a pessoa não vale o prato que come.
Foi assim no meu casamento com Vitor. Ninguém enxergava minha dor, porque eu a escondi tão bem que ninguém nunca percebeu o brilho apagado nos meus olhos. Ao lado de um homem que sorria para o mundo e fingia ser cuidadoso, eu suportei o pior. Mas aquela dor me moldou, me tornou uma mulher desconfiada.
Agora, meus olhos meigos escondem um brilho diferente. Determinado. Frio.
Armei um plano para testar Lucas.
Será que ele resistirá às tentações? Será que sua promessa de fidelidade era verdadeira?
Se não for... paciência.
Desta vez, eu escolho ser feliz. Como eu mereço.
Lucas
Tenho vinte e cinco anos, mais de 1,80m de altura e uma cabeleira negra, densa, como manda o padrão da família. Minha constituição é forte, herança genética que veio de geração em geração. Modéstia à parte, sou bonito – assim como todos os homens da minha linhagem.
Venho de uma família nada convencional. Meu avô foi um gangster na época da Lei Seca, e isso passou de pai para filho. Sou filho da máfia e me orgulho disso.
Hoje é o dia do meu casamento.
Mas não se enganem, não há romance aqui. Esse é um casamento de conveniência.
Para os de fora, assumir a esposa do meu falecido irmão, junto com seus dois filhos, pode parecer absurdo. Mas na nossa família, as coisas funcionam de outro jeito. Nunca pensamos em nós mesmos, e sim no futuro do nosso clã.
Giovanna, viúva de Vitor, não poderia se unir a qualquer homem. Ela é jovem demais para ficar sozinha, e temos um círculo fechado ao nosso redor. Quem entra, não sai. E ninguém de fora entra sem nossa permissão. Assumir Giovanna foi uma necessidade, um movimento estratégico.
E, no final das contas, ela devia agradecer. Que outro homem aceitaria se casar com uma mulher com dois filhos pequenos? Quem teria coragem de entrar para a minha família e sobreviver a isso? Eu sorrio, deixando meu humor negro transparecer.
Claro, ela tem seus predicados. Vai ser uma esposa doce, meiga… blá, blá, blá.
Meu pai a escolheu a dedo. Vem de uma família tradicional italiana, órfã de pais, criada por tios na Sicília, que viajaram especialmente para o casamento. Tudo perfeitamente planejado.
Com um copo de uísque na mão, observo meu pai conversando com os tios de Giovanna. Ela está mais adiante, falando com Vincent e Renata.
Penso em Vitor. A lealdade é um dos pilares da nossa família. Cultivamos o afeto, a honra, os valores que mantêm a organização funcionando. Mas Vitor… ele escolheu o caminho da traição. E agora, aqui estou eu, assumindo a responsabilidade que ele deixou para trás.
Não estou feliz, mas também não estou em pânico. Estou aceitando o que precisa ser feito – e com isso, algumas regras bem claras se formam na minha mente:
Primeiro: Minha rotina não muda.
Segundo: Não pretendo abrir mão da minha vida de farras.
Terceiro: Me prender a apenas uma mulher? Nem pensar. Por mais doce e meiga que Giovanna seja, ela representa monotonia. Não consigo me imaginar sem minhas escapadas noturnas. Casamento não significa fidelidade. E, de qualquer forma, eu sempre faço sexo seguro.
Conclusão: Não pretendo ser um santo.
Respiro fundo, sentindo o cheiro de churrasco no ar. Dou um gole no meu uísque e deixo meu olhar percorrer o corpo dela.
Giovanna trocou o vestido pesado de noiva por um curto e leve, verde-escuro. Suas curvas se destacam de uma maneira que eu nunca tinha parado para reparar antes. Os seios arredondados, o bumbum arrebitado... Sim, ela é gostosa.
Isso, pelo menos, eu não posso negar.
É estranho vê-la assim. Sempre foi "minha cunhada", e agora é minha esposa. Essa sensação esquisita ainda não passou. Não sei como vai ser daqui pra frente. Talvez, quando estivermos a sós, tudo mude.
Dizem que o amor acontece quando você menos espera.
Eu, no entanto, não acredito nisso.
Essa ideia de amor arrebatador?
Besteira de filme de Hollywood.
Giovanna Tentando me reerguer depois de um terremoto que me derrubou. Tentando sair dos escombros que desabaram sobre mim e seguir em frente com minha vida.Meu destino inevitável me trouxe até aqui: casada com Lucas.Ele, um homem que ainda guarda resquícios de menino, com suas covinhas e lábios carnudos. Ninguém sabe, mas sempre o admirei de longe. Nunca admiti isso em voz alta – nem para mim mesma. Na época, eu era esposa de Vitor, e minha condição não me permitia tais pensamentos.Agora, tudo mudou.Mas, ao mesmo tempo, nada mudou. Lucas continua me olhando da mesma forma. Respeitoso, atencioso. Um homem incrivelmente doce, mas sem nunca atravessar a linha do que é permitido.Seis meses se passaram desde a morte de Vitor. Lucas esteve presente. No início, sua presença me deixou tonta, depois, resignada. Mas, conforme os dias se arrastaram, percebi que comecei a esperar por suas visitas. Elas passaram a me fazer bem.Na verdade, eu estou vivendo um pequeno caos dentro de mim.Nem
— Tudo bem?Levanto o rosto e encontro os olhos preocupados de Antony. Forço um sorriso.— Acho que sim.— Raquel falou algo para você? O que ela queria?Lhe dou um sorriso, tentando não demonstrar o incômodo que suas palavras me causaram.— Pare de se preocupar, eu estou bem. Lembre-se de que seus conselhos se limitam aos negócios da família. Você não é o nosso terapeuta familiar.Ele sorri com humor.— Tudo bem, mas uma coisa eu tenho a lhe dizer: seja lá o que ela tenha dito, esqueça. Aposte no seu casamento. No começo, vocês passarão por um processo de adaptação, de conhecimento mútuo. Isso fortalecerá o laço entre vocês. Tenho certeza de que dará certo. Você é uma mulher maravilhosa e, cedo ou tarde, ele enxergará isso.As palavras de Antony me confortam mais do que eu gostaria de admitir. Meus olhos se enchem de lágrimas.— Obrigada, Antony.O abraço que lhe dou é espontâneo, uma forma silenciosa de gratidão. Ele me envolve com seus braços firmes, e, por um breve instante, sinto
O carro para suavemente em frente à casa térrea, uma construção branca impecável cercada por imponentes coqueiros que balançam sob a brisa noturna. O céu está límpido, e a lua ilumina a fachada da casa de veraneio com um brilho prateado, projetando sombras elegantes pelo jardim bem cuidado.Os homens de Lucas descem primeiro, assumindo suas posições como sombras treinadas para proteger. Um deles abre minha porta, mas antes que eu possa sair, ouço um ruído desagradável.Viro o rosto e vejo Lucas inclinar o corpo para fora do carro e vomitar.Uma careta involuntária se forma em meu rosto.A cena me causa um desconforto profundo. Não era isso que eu imaginava para a primeira noite do meu casamento. Não era isso que eu queria.A visão dele, vulnerável e descontrolado, traz consigo um pensamento indesejado e cruel: ele precisou beber para encarar nosso casamento. Para me encarar.Meu coração pesa com essa constatação.Lucas ainda está apoiado no carro, a respiração irregular, procurando al
LUCASEu sei que ela está chateada.E, para ser sincero, eu também estou. Não só com ela, mas comigo mesmo.Entro no quarto principal e me jogo na cama, lutando contra o peso do cansaço e do álcool. Meu corpo está exausto, minha mente um turbilhão. Tento me manter acordado, esperando que Giovanna entre a qualquer momento.Mas meu estômago revira.Droga.Corro para o banheiro e me inclino sobre a privada. Mais vômito. Meu corpo parece querer expulsar cada gota de álcool que ingeri. Seguro-me na pia por um instante, sentindo as mãos trêmulas.Será que ainda existe alguma merda para sair?Fecho os olhos com força. A ânsia finalmente cede. Dou descarga e lavo o rosto, passando um pouco de água na nuca, tentando me sentir mais humano.Mas o enjoo não é só físico.É uma ressaca moral.Dio Santo... Eu nunca aprendo.Respiro fundo e olho meu reflexo no espelho.Os olhos inchados, a expressão abatida. Meu corpo carrega o peso do cansaço, não apenas pela bebida, mas pelos últimos dias que me su
GIOVANNAAssim que Lucas sai, tranco a porta atrás dele.O som do trinco ecoa pelo quarto silencioso, e um suspiro pesado escapa dos meus lábios.Não quero pensar nele. Não agora.Vou até a cômoda e pego meu caderno. Não gosto de chamá-lo de diário, porque não escrevo todos os dias nem relato meu cotidiano. Ele é mais que isso. Ele é meu refúgio, minha terapia silenciosa.Abro na página em branco e deixo minha caneta deslizar pelo papel, escrevendo tudo o que pesa em meu peito.Dia do meu casamento...Um dia que poderia ter sido perfeito, como um céu sem nuvens. Um dia que eu quis acreditar que seria feliz, que teria um significado real.Mas a sensação de felicidade passou rápido, como uma tempestade inesperada que destrói tudo em seu caminho.A realidade veio como um golpe cruel.Sonhei demais.Fui uma garota boba e ingênua, idealizando um momento que nunca existiu para ele.A verdade que me atinge agora é amarga: estou muito mais envolvida do que ele.Por seis meses, convivi com um
LUCASAcordo com uma sensação estranha.O quarto ao meu redor é um lugar desconhecido, e por um instante me sinto deslocado. Mas, aos poucos, as lembranças voltam e me situo dentro dessa história que agora é minha vida.Uma opressão incômoda pesa sobre meu peito, como se algo estivesse fora do lugar.Como se tudo estivesse errado.Levanto-me lentamente, massageando as têmporas. Minha cabeça ainda lateja levemente, um eco desagradável da ressaca. Vou até o banheiro e deixo a água correr antes de entrar no chuveiro.Primeiro, a água está morna. Depois, vou reduzindo a temperatura aos poucos, até que o frio intenso percorre minha pele como um choque elétrico.Talvez eu mereça esse castigo.Talvez precise acordar para a realidade de uma vez.Depois de sair do banho, visto uma bermuda escura e uma camisa leve. Vou procurar minha adorável esposa.O quarto de hóspedes está vazio.Na sala, encontro Helena, que me informa que Giovanna foi dar uma volta na praia.Droga.A angústia me atinge ant
LUCASO sol das dez horas reflete sobre o mar, criando uma paisagem de tirar o fôlego. O brilho dourado dos raios solares se mistura ao azul profundo do céu, sem nenhuma nuvem para ofuscá-lo. O branco das ondas se dissolve no verde-turquesa do oceano, formando uma paleta vibrante e ardente, como se a própria natureza celebrasse a grandiosidade do verão.Respiro fundo, absorvendo o ar fresco e salgado, sentindo o calor acolhedor do sol contra minha pele.Estou do lado de fora da propriedade, esperando Giovanna.Uso um calção de banho azul-céu, estou sem camisa, descalço, e pela primeira vez em muito tempo, me sinto tranquilo. A conversa de mais cedo com ela dissipou parte da tensão, e agora posso apenas aproveitar o momento.Que bom que ela abriu os olhos.Ela percebeu que precisa de mim.Que ninguém poderia assumir o lugar que ocupo ao seu lado. Nenhum substituto.Sou eu quem deve estar aqui. Sou eu quem foi designado para esse papel.Sinto um misto de pena e dever.Nos últimos seis m
LUCASEla saiu.E eu me senti impotente.O gosto amargo da rejeição grudou na minha garganta, se espalhando pelo meu corpo como veneno.Maldição.Agora que finalmente a via com outros olhos, agora que queria levá-la para a cama, agora que aquela barreira da estranheza havia se dissolvido... ela me negava.O mundo era injusto.Hoje eu entendo.Nosso arranjo, por mais conturbado que tenha sido no início, será bom para nós.Será prazeroso para mim.Giovanna é linda.E o mais irônico de tudo isso?Só agora, agora que ela é minha, que eu realmente percebo o quanto.Minha?Não.Quase minha.O pensamento me enche de raiva.Sigo até a sala, pego a garrafa de Jack Daniel’s e sirvo um copo. Bebo de uma só vez, o líquido queimando minha garganta.Sirvo outro. Bebo novamente.Espero alguns segundos. Depois, mais uma dose.Mas nada disso dissolve a inquietação dentro de mim.O desejo.A frustração.Então, num impulso, vou até o quarto de Giovanna.Abro a porta sem bater.E sou recebido pela visão