— Tudo bem?
Levanto o rosto e encontro os olhos preocupados de Antony. Forço um sorriso.
— Acho que sim.
— Raquel falou algo para você? O que ela queria?
Lhe dou um sorriso, tentando não demonstrar o incômodo que suas palavras me causaram.
— Pare de se preocupar, eu estou bem. Lembre-se de que seus conselhos se limitam aos negócios da família. Você não é o nosso terapeuta familiar.
Ele sorri com humor.
— Tudo bem, mas uma coisa eu tenho a lhe dizer: seja lá o que ela tenha dito, esqueça. Aposte no seu casamento. No começo, vocês passarão por um processo de adaptação, de conhecimento mútuo. Isso fortalecerá o laço entre vocês. Tenho certeza de que dará certo. Você é uma mulher maravilhosa e, cedo ou tarde, ele enxergará isso.
As palavras de Antony me confortam mais do que eu gostaria de admitir. Meus olhos se enchem de lágrimas.
— Obrigada, Antony.
O abraço que lhe dou é espontâneo, uma forma silenciosa de gratidão. Ele me envolve com seus braços firmes, e, por um breve instante, sinto um calor reconfortante.
Quando nos afastamos, Lucas está parado ao nosso lado, nos observando.
— Podemos ir? — Sua voz é fria, mas seus olhos denunciam algo mais. Desagrado? Ciúme?
Isso me faz bem.
— Sim, claro. — Respondo com um meio-sorriso.
À medida que caminhamos para a saída, Lucas lança sua pergunta no ar, sem pressa, mas carregada de algo que me faz prender a respiração.
— Não sabia que você e Antony eram tão íntimos.
Sua fala arrastada, somada ao cheiro forte de álcool, me dá a resposta que já suspeitava: ele bebeu muito mais do que deveria.
Respiro fundo.
— Íntimos? Somos bons amigos.
Seus olhos castanhos estão avermelhados nos cantos, reflexo da bebida que consumiu durante a festa.
— Tudo bem. Vamos?
Ele segura minha mão e me puxa para fora da festa. O simples toque faz um arrepio percorrer meu corpo.
Nos despedimos brevemente de alguns convidados no caminho até a saída. Muitos deles são completos desconhecidos para mim, mas, de alguma forma, fazem parte do círculo fechado da família. Lucas sorri para todos, mantendo a postura impecável, mesmo que seu corpo traia o cansaço e o álcool.
Assim que saímos, percebo que ele não está bem. Seu andar vacilante ao meu lado, a forma como mantém o olhar levemente desfocado… ele realmente exagerou na dose hoje.
E isso me faz pensar.
Desde o primeiro momento em que o vi bebendo, antes mesmo da aparição de Raquel, algo dentro de mim se inquietou.
Por que ele precisa disso?
Precisa de coragem para me encarar? Para encarar o que nos espera?
Lucas abre a porta do Mercedes prata para mim. Deslizo para dentro do carro sem dizer nada. Logo depois, ele entra, ocupando o assento ao meu lado.
O perfume amadeirado que é sua marca registrada preenche o ambiente. É um cheiro que sempre gostei, que sempre associo a ele.
Agora, iremos para uma casa de veraneio, aqui mesmo em Miami. Um lugar com uma vista incrível para a praia. Dois dias sozinhos.
O carro começa a se mover. Lucas fecha os olhos e massageia a ponte do nariz antes de repousar a mão ao meu lado.
Observo suas feições. Tão forte e, ao mesmo tempo, tão inacessível.
Aperto minhas mãos no colo, lutando contra o impulso de tocar a dele.
Estudo-o por um instante, me recusando a perder a esperança de que esse tempo juntos possa nos aproximar.
Eu quero que ele seja minha alma gêmea.
Quero enxergar nele tudo o que Vitor não foi: lealdade, inteligência, humor. E, acima de tudo, um homem que coloque a família em primeiro lugar.
Seguro a vontade de chorar ao me lembrar do meu casamento com Vitor.
Não.
Não posso me entregar à autopiedade.
Estou cansada de sentir pena de mim mesma.
Eu não deveria ter bebido.
É sempre assim: quando percebo, já estou afogando tudo em um copo de uísque.
O Lucas sem álcool é irritado, impaciente, explode por qualquer coisa. Já o Lucas bêbado… ele é mais leve, ousado, extrovertido.
Mas hoje?
Nem a bebida conseguiu me soltar. Mesmo com cada gole queimando minha garganta, o nó no meu peito continuava lá.
Bebi sem perceber. Um drinque, depois outro. E outro. Agora, meu estômago revira, meus olhos pesam, e o mundo ao meu redor parece girar devagar demais.
Dio Santo!
Eu nunca aprendo.
O carro para suavemente em frente à casa térrea, uma construção branca impecável cercada por imponentes coqueiros que balançam sob a brisa noturna. O céu está límpido, e a lua ilumina a fachada da casa de veraneio com um brilho prateado, projetando sombras elegantes pelo jardim bem cuidado.Os homens de Lucas descem primeiro, assumindo suas posições como sombras treinadas para proteger. Um deles abre minha porta, mas antes que eu possa sair, ouço um ruído desagradável.Viro o rosto e vejo Lucas inclinar o corpo para fora do carro e vomitar.Uma careta involuntária se forma em meu rosto.A cena me causa um desconforto profundo. Não era isso que eu imaginava para a primeira noite do meu casamento. Não era isso que eu queria.A visão dele, vulnerável e descontrolado, traz consigo um pensamento indesejado e cruel: ele precisou beber para encarar nosso casamento. Para me encarar.Meu coração pesa com essa constatação.Lucas ainda está apoiado no carro, a respiração irregular, procurando al
LUCASEu sei que ela está chateada.E, para ser sincero, eu também estou. Não só com ela, mas comigo mesmo.Entro no quarto principal e me jogo na cama, lutando contra o peso do cansaço e do álcool. Meu corpo está exausto, minha mente um turbilhão. Tento me manter acordado, esperando que Giovanna entre a qualquer momento.Mas meu estômago revira.Droga.Corro para o banheiro e me inclino sobre a privada. Mais vômito. Meu corpo parece querer expulsar cada gota de álcool que ingeri. Seguro-me na pia por um instante, sentindo as mãos trêmulas.Será que ainda existe alguma merda para sair?Fecho os olhos com força. A ânsia finalmente cede. Dou descarga e lavo o rosto, passando um pouco de água na nuca, tentando me sentir mais humano.Mas o enjoo não é só físico.É uma ressaca moral.Dio Santo... Eu nunca aprendo.Respiro fundo e olho meu reflexo no espelho.Os olhos inchados, a expressão abatida. Meu corpo carrega o peso do cansaço, não apenas pela bebida, mas pelos últimos dias que me su
GIOVANNAAssim que Lucas sai, tranco a porta atrás dele.O som do trinco ecoa pelo quarto silencioso, e um suspiro pesado escapa dos meus lábios.Não quero pensar nele. Não agora.Vou até a cômoda e pego meu caderno. Não gosto de chamá-lo de diário, porque não escrevo todos os dias nem relato meu cotidiano. Ele é mais que isso. Ele é meu refúgio, minha terapia silenciosa.Abro na página em branco e deixo minha caneta deslizar pelo papel, escrevendo tudo o que pesa em meu peito.Dia do meu casamento...Um dia que poderia ter sido perfeito, como um céu sem nuvens. Um dia que eu quis acreditar que seria feliz, que teria um significado real.Mas a sensação de felicidade passou rápido, como uma tempestade inesperada que destrói tudo em seu caminho.A realidade veio como um golpe cruel.Sonhei demais.Fui uma garota boba e ingênua, idealizando um momento que nunca existiu para ele.A verdade que me atinge agora é amarga: estou muito mais envolvida do que ele.Por seis meses, convivi com um
LUCASAcordo com uma sensação estranha.O quarto ao meu redor é um lugar desconhecido, e por um instante me sinto deslocado. Mas, aos poucos, as lembranças voltam e me situo dentro dessa história que agora é minha vida.Uma opressão incômoda pesa sobre meu peito, como se algo estivesse fora do lugar.Como se tudo estivesse errado.Levanto-me lentamente, massageando as têmporas. Minha cabeça ainda lateja levemente, um eco desagradável da ressaca. Vou até o banheiro e deixo a água correr antes de entrar no chuveiro.Primeiro, a água está morna. Depois, vou reduzindo a temperatura aos poucos, até que o frio intenso percorre minha pele como um choque elétrico.Talvez eu mereça esse castigo.Talvez precise acordar para a realidade de uma vez.Depois de sair do banho, visto uma bermuda escura e uma camisa leve. Vou procurar minha adorável esposa.O quarto de hóspedes está vazio.Na sala, encontro Helena, que me informa que Giovanna foi dar uma volta na praia.Droga.A angústia me atinge ant
LUCASO sol das dez horas reflete sobre o mar, criando uma paisagem de tirar o fôlego. O brilho dourado dos raios solares se mistura ao azul profundo do céu, sem nenhuma nuvem para ofuscá-lo. O branco das ondas se dissolve no verde-turquesa do oceano, formando uma paleta vibrante e ardente, como se a própria natureza celebrasse a grandiosidade do verão.Respiro fundo, absorvendo o ar fresco e salgado, sentindo o calor acolhedor do sol contra minha pele.Estou do lado de fora da propriedade, esperando Giovanna.Uso um calção de banho azul-céu, estou sem camisa, descalço, e pela primeira vez em muito tempo, me sinto tranquilo. A conversa de mais cedo com ela dissipou parte da tensão, e agora posso apenas aproveitar o momento.Que bom que ela abriu os olhos.Ela percebeu que precisa de mim.Que ninguém poderia assumir o lugar que ocupo ao seu lado. Nenhum substituto.Sou eu quem deve estar aqui. Sou eu quem foi designado para esse papel.Sinto um misto de pena e dever.Nos últimos seis m
LUCASEla saiu.E eu me senti impotente.O gosto amargo da rejeição grudou na minha garganta, se espalhando pelo meu corpo como veneno.Maldição.Agora que finalmente a via com outros olhos, agora que queria levá-la para a cama, agora que aquela barreira da estranheza havia se dissolvido... ela me negava.O mundo era injusto.Hoje eu entendo.Nosso arranjo, por mais conturbado que tenha sido no início, será bom para nós.Será prazeroso para mim.Giovanna é linda.E o mais irônico de tudo isso?Só agora, agora que ela é minha, que eu realmente percebo o quanto.Minha?Não.Quase minha.O pensamento me enche de raiva.Sigo até a sala, pego a garrafa de Jack Daniel’s e sirvo um copo. Bebo de uma só vez, o líquido queimando minha garganta.Sirvo outro. Bebo novamente.Espero alguns segundos. Depois, mais uma dose.Mas nada disso dissolve a inquietação dentro de mim.O desejo.A frustração.Então, num impulso, vou até o quarto de Giovanna.Abro a porta sem bater.E sou recebido pela visão
GIOVANNALas Vegas Lucas e eu continuamos na mesma. Já faz um mês que estamos "juntos", mas não estamos. Ele tem viajado muito, e eu me sinto cada vez mais sozinha dentro desse casamento.Na última conversa que tivemos, Lucas me disse que essa era sua última viagem e que, depois, colocaríamos nossas vidas nos eixos. A ideia de tê-lo de volta, retomando de onde paramos, e eu tendo que controlar minhas reações à mera presença dele, me deixa inquieta. Meu corpo ainda reage a ele de formas que me irritam. Minha mente se divide entre o desejo e o medo. Tanto que, quando Antony me ligou, acabei cedendo ao convite para esse encontro.A primeira vez que ele me ligou perguntando como eu estava foi uma semana depois da minha estranha lua de mel. Omiti detalhes e disse que estava tudo bem. Mas ontem, quando ele me ligou novamente, eu já havia bebido um pouco. Passava das oito da noite, as crianças dormiam, e a solidão pesava mais do que eu conseguia suportar. Acabei desabafando ao telefone e cho
Será que teríamos mais mortes na família? Sim, pois a vontade que eu tinha era de matar esse desgraçado que saía com minha mulher enquanto eu me matava de trabalhar! Fecho a torneira do chuveiro e me enrolo numa toalha, enxugando-me automaticamente. Visto uma calça preta e uma camiseta branca. Vou até o quarto de Giovanna e acendo as luzes. O cheiro do seu perfume domina o ambiente. Passo os olhos por tudo, reparando no seu bom gosto. No chão um tapete branco fofo e macio, a colcha e cortinas eram delicadas e tinham nuances de rosa. Seu quarto é tão feminino que chega a ser uma agressão. Como se ela não tivesse intenção nenhuma de se mudar desse quarto para que finalmente dividíssemos a cama. Reparei num robe branco jogado numa poltrona perto da janela.Aperto os lábios com raiva e fecho imediatamente a porta.Desci a escada com a cabeça quente. A ira novamente me domina.Giovanna está passando dos limites!Com quem ela pensa que está lidando?Dio Santo!Entro na sala de jantar. A