O carro para suavemente em frente à casa térrea, uma construção branca impecável cercada por imponentes coqueiros que balançam sob a brisa noturna. O céu está límpido, e a lua ilumina a fachada da casa de veraneio com um brilho prateado, projetando sombras elegantes pelo jardim bem cuidado.
Os homens de Lucas descem primeiro, assumindo suas posições como sombras treinadas para proteger. Um deles abre minha porta, mas antes que eu possa sair, ouço um ruído desagradável.
Viro o rosto e vejo Lucas inclinar o corpo para fora do carro e vomitar.
Uma careta involuntária se forma em meu rosto.
A cena me causa um desconforto profundo. Não era isso que eu imaginava para a primeira noite do meu casamento. Não era isso que eu queria.
A visão dele, vulnerável e descontrolado, traz consigo um pensamento indesejado e cruel: ele precisou beber para encarar nosso casamento. Para me encarar.
Meu coração pesa com essa constatação.
Lucas ainda está apoiado no carro, a respiração irregular, procurando algo no bolso com dedos trêmulos. Encontra um lenço e o passa pela testa, como se pudesse apagar o estrago feito pela bebedeira. Quando seus olhos encontram os meus, há algo de vago neles, uma mistura de embriaguez e hesitação.
Ele está pálido, abatido, parecendo frágil pela primeira vez desde que o conheci.
Dói vê-lo assim.
Não por ele.
Por mim.
Porque essa cena me faz sentir um peso que eu não queria carregar, uma sensação de fracasso antes mesmo de começar.
— Perdoe-me. — Sua voz sai pastosa, arrastada, e um sorriso vacilante surge em seus lábios, um sorriso que ele jamais daria se estivesse sóbrio. — Exagerei na bebida.
Cruzo os braços, apertando os dedos contra minha pele.
— Lucas, você precisou beber para encarar nossa vida juntos? É isso?
Minha voz sai firme, mas dentro de mim há um abismo se abrindo, um medo que cresce a cada segundo de silêncio.
Ele me olha, mas não responde. O tempo se arrasta, e vejo em seu rosto o momento exato em que minhas palavras fazem sentido para ele.
— Giovanna... — Ele balança a cabeça devagar, como se quisesse afastar a névoa do álcool. — Não é nada disso. Vamos sair do carro, está ficando quente aqui.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ele se inclina para frente e vomita novamente.
A repulsa me atravessa como um golpe.
Respiro fundo, lutando para manter a calma, mas é impossível. Sinto um nó na garganta, uma mistura de revolta e exaustão.
Para isso eu deixei meus filhos? Para essa cena lamentável?
Saio do carro, ignorando a confusão dentro de mim, ignorando o nojo, a decepção, a irritação que ferve sob minha pele.
Meu coração aperta ao pensar nos meus filhos. Eles ficaram para trás para que Lucas e eu tivéssemos tempo juntos, para que pudéssemos nos conectar como marido e mulher.
Mas como criar laços com alguém que nem ao menos consegue me encarar sem antes se embebedar?
— Giovanna, espere!
Sinto sua mão envolver meu braço. Sua pele está quente, seus dedos firmes, mas seu corpo vacila, traído pelo álcool.
Paro no mesmo instante. Meu sangue ferve. Meu peito sobe e desce com a respiração acelerada.
Viro-me devagar para encará-lo.
Seus olhos estão desfocados, confusos. Ele abre a boca para falar, mas parece perder o fio do pensamento no meio do caminho.
Ele está completamente chapado.
E eu não tenho paciência para bêbados.
— Gio...
Levanto a mão, interrompendo-o antes que consiga continuar.
— Lucas, você não está em condições de conversar. Vamos entrar. Tome um banho, durma. Depois falamos.
Ele pisca, processando minhas palavras com um segundo de atraso.
— Não fica chateada comigo. Lamento... — Ele se encosta na parede, sua voz é quase um sussurro arrastado.
Cruzo os braços, segurando minha vontade de explodir.
— Tudo bem.
Faço um gesto para os homens ao nosso redor.
— Levem-no para o quarto.
Lucas se esquiva deles como um garoto teimoso, cambaleando no processo.
— Não. — Ele ergue a mão, tentando parecer mais firme do que realmente está. — Não preciso de ajuda. Estou bem!
Irritada, giro nos calcanhares e caminho para dentro da casa sem olhar para trás.
No topo dos degraus da entrada, Helena, a governanta, já nos aguarda. Ela me observa por um breve instante e depois desliza o olhar para Lucas, estudando-o.
Pela expressão discreta, sei que ela entendeu a situação.
— Por favor, poderia me mostrar onde fica o quarto de hóspedes?
Helena franze a testa.
— Quarto de hóspedes?
— Sim.
Ela hesita por uma fração de segundo, mas então assente.
— Sim, senhora.
Lucas, ainda no fundo das escadas, solta um riso rouco.
— Olá, Helena.
A governanta sorri polidamente, mas não responde.
Irrito-me ainda mais.
Como se não bastasse tudo, agora sou forçada a testemunhar seu charme inconsequente, mesmo em meio ao vexame.
Aperto os lábios e entro.
O hall é espaçoso e imponente. O carpete marrom macio absorve o som dos meus passos. As paredes são forradas com painéis de madeira escura, conferindo um ar sofisticado ao ambiente. Um lustre de cristal brilha no alto, suas luzes refletindo como pequenos diamantes no teto abobadado.
Mas não reparo na beleza do lugar.
Minha mente está mergulhada na frustração.
Cruzo a sala rapidamente, ignorando a decoração refinada e os móveis de luxo. O que importa agora é me afastar dele.
Assim que chego ao quarto, viro-me para Helena.
— Obrigada. Peça para trazer a mala rosa para cá.
— Sim, senhora.
Assim que a porta se fecha, solto o ar que nem percebi que estava segurando.
Meus olhos ardem.
Minha lua de mel.
Minha primeira noite como esposa de Lucas.
E aqui estou, sozinha, enquanto ele afunda na própria bebida.
Sento-me na beirada da cama, pressionando os dedos contra as têmporas.
Por que ainda me surpreendo?
Eu deveria estar acostumada com decepções.
Mas, de alguma forma, sempre insisto em esperar mais.
LUCASEu sei que ela está chateada.E, para ser sincero, eu também estou. Não só com ela, mas comigo mesmo.Entro no quarto principal e me jogo na cama, lutando contra o peso do cansaço e do álcool. Meu corpo está exausto, minha mente um turbilhão. Tento me manter acordado, esperando que Giovanna entre a qualquer momento.Mas meu estômago revira.Droga.Corro para o banheiro e me inclino sobre a privada. Mais vômito. Meu corpo parece querer expulsar cada gota de álcool que ingeri. Seguro-me na pia por um instante, sentindo as mãos trêmulas.Será que ainda existe alguma merda para sair?Fecho os olhos com força. A ânsia finalmente cede. Dou descarga e lavo o rosto, passando um pouco de água na nuca, tentando me sentir mais humano.Mas o enjoo não é só físico.É uma ressaca moral.Dio Santo... Eu nunca aprendo.Respiro fundo e olho meu reflexo no espelho.Os olhos inchados, a expressão abatida. Meu corpo carrega o peso do cansaço, não apenas pela bebida, mas pelos últimos dias que me su
GIOVANNAAssim que Lucas sai, tranco a porta atrás dele.O som do trinco ecoa pelo quarto silencioso, e um suspiro pesado escapa dos meus lábios.Não quero pensar nele. Não agora.Vou até a cômoda e pego meu caderno. Não gosto de chamá-lo de diário, porque não escrevo todos os dias nem relato meu cotidiano. Ele é mais que isso. Ele é meu refúgio, minha terapia silenciosa.Abro na página em branco e deixo minha caneta deslizar pelo papel, escrevendo tudo o que pesa em meu peito.Dia do meu casamento...Um dia que poderia ter sido perfeito, como um céu sem nuvens. Um dia que eu quis acreditar que seria feliz, que teria um significado real.Mas a sensação de felicidade passou rápido, como uma tempestade inesperada que destrói tudo em seu caminho.A realidade veio como um golpe cruel.Sonhei demais.Fui uma garota boba e ingênua, idealizando um momento que nunca existiu para ele.A verdade que me atinge agora é amarga: estou muito mais envolvida do que ele.Por seis meses, convivi com um
LUCASAcordo com uma sensação estranha.O quarto ao meu redor é um lugar desconhecido, e por um instante me sinto deslocado. Mas, aos poucos, as lembranças voltam e me situo dentro dessa história que agora é minha vida.Uma opressão incômoda pesa sobre meu peito, como se algo estivesse fora do lugar.Como se tudo estivesse errado.Levanto-me lentamente, massageando as têmporas. Minha cabeça ainda lateja levemente, um eco desagradável da ressaca. Vou até o banheiro e deixo a água correr antes de entrar no chuveiro.Primeiro, a água está morna. Depois, vou reduzindo a temperatura aos poucos, até que o frio intenso percorre minha pele como um choque elétrico.Talvez eu mereça esse castigo.Talvez precise acordar para a realidade de uma vez.Depois de sair do banho, visto uma bermuda escura e uma camisa leve. Vou procurar minha adorável esposa.O quarto de hóspedes está vazio.Na sala, encontro Helena, que me informa que Giovanna foi dar uma volta na praia.Droga.A angústia me atinge ant
LUCASO sol das dez horas reflete sobre o mar, criando uma paisagem de tirar o fôlego. O brilho dourado dos raios solares se mistura ao azul profundo do céu, sem nenhuma nuvem para ofuscá-lo. O branco das ondas se dissolve no verde-turquesa do oceano, formando uma paleta vibrante e ardente, como se a própria natureza celebrasse a grandiosidade do verão.Respiro fundo, absorvendo o ar fresco e salgado, sentindo o calor acolhedor do sol contra minha pele.Estou do lado de fora da propriedade, esperando Giovanna.Uso um calção de banho azul-céu, estou sem camisa, descalço, e pela primeira vez em muito tempo, me sinto tranquilo. A conversa de mais cedo com ela dissipou parte da tensão, e agora posso apenas aproveitar o momento.Que bom que ela abriu os olhos.Ela percebeu que precisa de mim.Que ninguém poderia assumir o lugar que ocupo ao seu lado. Nenhum substituto.Sou eu quem deve estar aqui. Sou eu quem foi designado para esse papel.Sinto um misto de pena e dever.Nos últimos seis m
LUCASEla saiu.E eu me senti impotente.O gosto amargo da rejeição grudou na minha garganta, se espalhando pelo meu corpo como veneno.Maldição.Agora que finalmente a via com outros olhos, agora que queria levá-la para a cama, agora que aquela barreira da estranheza havia se dissolvido... ela me negava.O mundo era injusto.Hoje eu entendo.Nosso arranjo, por mais conturbado que tenha sido no início, será bom para nós.Será prazeroso para mim.Giovanna é linda.E o mais irônico de tudo isso?Só agora, agora que ela é minha, que eu realmente percebo o quanto.Minha?Não.Quase minha.O pensamento me enche de raiva.Sigo até a sala, pego a garrafa de Jack Daniel’s e sirvo um copo. Bebo de uma só vez, o líquido queimando minha garganta.Sirvo outro. Bebo novamente.Espero alguns segundos. Depois, mais uma dose.Mas nada disso dissolve a inquietação dentro de mim.O desejo.A frustração.Então, num impulso, vou até o quarto de Giovanna.Abro a porta sem bater.E sou recebido pela visão
GIOVANNALas Vegas Lucas e eu continuamos na mesma. Já faz um mês que estamos "juntos", mas não estamos. Ele tem viajado muito, e eu me sinto cada vez mais sozinha dentro desse casamento.Na última conversa que tivemos, Lucas me disse que essa era sua última viagem e que, depois, colocaríamos nossas vidas nos eixos. A ideia de tê-lo de volta, retomando de onde paramos, e eu tendo que controlar minhas reações à mera presença dele, me deixa inquieta. Meu corpo ainda reage a ele de formas que me irritam. Minha mente se divide entre o desejo e o medo. Tanto que, quando Antony me ligou, acabei cedendo ao convite para esse encontro.A primeira vez que ele me ligou perguntando como eu estava foi uma semana depois da minha estranha lua de mel. Omiti detalhes e disse que estava tudo bem. Mas ontem, quando ele me ligou novamente, eu já havia bebido um pouco. Passava das oito da noite, as crianças dormiam, e a solidão pesava mais do que eu conseguia suportar. Acabei desabafando ao telefone e cho
Será que teríamos mais mortes na família? Sim, pois a vontade que eu tinha era de matar esse desgraçado que saía com minha mulher enquanto eu me matava de trabalhar! Fecho a torneira do chuveiro e me enrolo numa toalha, enxugando-me automaticamente. Visto uma calça preta e uma camiseta branca. Vou até o quarto de Giovanna e acendo as luzes. O cheiro do seu perfume domina o ambiente. Passo os olhos por tudo, reparando no seu bom gosto. No chão um tapete branco fofo e macio, a colcha e cortinas eram delicadas e tinham nuances de rosa. Seu quarto é tão feminino que chega a ser uma agressão. Como se ela não tivesse intenção nenhuma de se mudar desse quarto para que finalmente dividíssemos a cama. Reparei num robe branco jogado numa poltrona perto da janela.Aperto os lábios com raiva e fecho imediatamente a porta.Desci a escada com a cabeça quente. A ira novamente me domina.Giovanna está passando dos limites!Com quem ela pensa que está lidando?Dio Santo!Entro na sala de jantar. A
—Não preciso de sua caridade Lucas. —Olhei tudo ao redor. —Tenho tudo que preciso e estou bem assim. Não é porque não transamos que irei procurar outro homem.—Nunca imaginei que fosse assim, quando me casei com você, Giovanna.—Então, estamos empatados. Eu também me decepcionei com você.—Mas que diabo está querendo dizer?Eu meneio a cabeça e dou um sorriso sem humor.—Eu preciso ainda explicar?—Por favor, eu quero ouvir. Dizem que os casamentos não dão certo por falta de diálogo.Eu respiro fundo. Eu não quero falar sobre isso. Tocar nesse assunto é como se me despojasse de minha armadura.—Você se enxerga como meu salvador e me vê como uma coitadinha. E eu não quero suas migalhas Lucas. Lembre-se que disso eu entendo. Vitor era exatamente como você. Se achava o máximo. Me dava migalhas e achava que me dava muito.Lucas continua me olhando como se tivesse perdido em um dilema pessoal. Meus olhos se enchem de lágrimas.Droga!Eu me odeio por chorar na frente dele. Não entendo porqu