Giovanna
Tentando me reerguer depois de um terremoto que me derrubou. Tentando sair dos escombros que desabaram sobre mim e seguir em frente com minha vida.Meu destino inevitável me trouxe até aqui: casada com Lucas.
Ele, um homem que ainda guarda resquícios de menino, com suas covinhas e lábios carnudos. Ninguém sabe, mas sempre o admirei de longe. Nunca admiti isso em voz alta – nem para mim mesma. Na época, eu era esposa de Vitor, e minha condição não me permitia tais pensamentos.
Agora, tudo mudou.
Mas, ao mesmo tempo, nada mudou. Lucas continua me olhando da mesma forma. Respeitoso, atencioso. Um homem incrivelmente doce, mas sem nunca atravessar a linha do que é permitido.
Seis meses se passaram desde a morte de Vitor. Lucas esteve presente. No início, sua presença me deixou tonta, depois, resignada. Mas, conforme os dias se arrastaram, percebi que comecei a esperar por suas visitas. Elas passaram a me fazer bem.
Na verdade, eu estou vivendo um pequeno caos dentro de mim.
Nem eu mesma entendo o que Lucas desperta em mim.
Mas uma coisa é certa: ele, com todo o seu jeito pacato, conseguiu trazer à tona a romântica incurável que ainda vive dentro de mim. Passei a sonhar em sentir seu abraço, sua pele quente contra a minha.
A verdade?
Se pudesse, estalaria os dedos e o teria de joelhos.
Agora, aqui estou, na minha própria festa de casamento, me servindo de um suco gelado enquanto observo Lucas. Ele está sozinho, relaxado, copo de uísque na mão, aparentemente alheio à comemoração.
Ele não tem nada a ver com Vitor.
Meu primeiro marido gostava de exibir relógios de ouro e camisas impecavelmente engomadas. Lucas, por outro lado, tem um estilo diferente. Despojado, mas não desleixado. Prefere o conforto do esporte fino à rigidez dos ternos bem alinhados. Um bad boy bem-vestido e perfumado.
Se eu tivesse coragem de dizer o que sinto, eu lhe confessaria:
Minha pele anseia pelo toque da sua. Meus lábios desejam os seus. Seu sorriso e seu jeito de menino me fazem esquecer todo o peso que carreguei ao lado de um homem frio, que nunca me amou.Mas eu jamais confessaria isso.
Talvez, quando estivermos a sós, ele leia tudo isso nos meus olhos.
Tento decifrar a profundidade do olhar distraído de Lucas.
O que ele está pensando?
Como ele está encarando tudo isso? Ele será um bom marido? Fiel? Ou será como Vitor, que não podia ver um rabo de saia?Vejo o garçom se aproximar. Lucas entrega o copo vazio e pega outro. O quarto uísque, pelo que contei.
Sua atitude me preocupa.
Por que ele precisa beber tanto?
Precisa de coragem para me encarar?A ideia me entristece. Quero que esse casamento dê certo.
Ouço o choro de uma criança e, imediatamente, procuro minha sogra com os olhos. Ela está com Felipe no colo, ao lado da babá, que segura Marcello. Tudo parece sob controle.
Suspiro aliviada.
Hoje, Lucas e eu partiremos para nossa breve lua de mel. Sem as crianças. Felícia, minha sogra, ficará com eles, auxiliada pela babá.
É a primeira vez que me separo deles, mas sei que é necessário.
Ainda assim, meu coração se aperta.
Decido ir até eles. Marcello, com apenas oito meses, dorme no carrinho. Felipe, de três anos, sorri ao me ver e estende os bracinhos. Meu instinto materno fala mais alto, e eu vou pegá-lo, mas Felícia impede.
— Nada disso. Hoje é o dia do seu casamento. Vá ficar ao lado do seu marido. Já não passou da hora de vocês partirem? — Seu olhar recai sobre Lucas. — E não sei se reparou, mas ele está bebendo demais.
Suspiro e concordo com um aceno.
Quando me afasto, Felipe começa a chorar.
— Mamãe, eu quero minha mãe...
Me dói dar as costas para ele. Mas respiro fundo e sigo até Lucas.
A festa continua. Risadas, conversas altas, música tocando. Eu só quero ir embora. O vestido pesado já foi substituído por algo mais leve, o calor do dia é sufocante.
Lucas vira mais um copo de uísque, engolindo todo o líquido de uma vez. Ele está bebendo demais. Não sou a única a notar. Seu pai também percebe. Ele se aproxima, toma o copo de suas mãos e lhe dá um sermão antes de se afastar.
Lucas parece resignado.
Então, seus olhos encontram os meus.
Consciente do olhar dele, lhe ofereço um sorriso hesitante e continuo minha caminhada até onde está.
— Podemos ir? — pergunto, estudando sua expressão, tentando decifrá-lo.
Ele me olha enigmático.
— Claro. — Sorri e, por um breve momento, seu olhar desliza até meu decote. — Mas antes, preciso ir ao banheiro.
Sua voz soa estranha. Pastosa.
Assinto e o vejo se afastar.
Antes que possa pensar muito sobre isso, uma mulher de cabelos pintados de ruivo se aproxima.
— Olá, Giovanna. Parabéns pelo casamento.
— Obrigada. — Sorrio, tentando me lembrar de onde a conheço, sem sucesso. — Com licença.
Tento me afastar, mas ela insiste.
— Espero que o casamento de vocês dê certo. Você nem o conhece direito, não é mesmo?
Paro e a encaro.
— Conheço o suficiente. Passamos seis meses nos conhecendo.
Ela ri.
— Querida, isso não é nada. Não se engane com essa fachada de bom moço que Lucas passa. Eu o conheço muito bem... Passamos do limite patrão-funcionária. Se é que me entende.
Minha respiração vacila.
Por que ela está me dizendo isso?
Isso é coisa de mulher magoada... Ou será que não?
O medo me envolve. Já senti essa sensação antes. Com Vitor.
— Por que está me dizendo isso?
Ela sorri, como quem sabe de algo que eu não sei.
— Achei por bem te alertar. A queda será menor quando você se decepcionar com ele. — Seus olhos brilham, analisando minha reação. — Você não vai entender isso agora, mas lembre-se: Lucas adora conquistar. Ele adora testar sua masculinidade. Então, estou apenas baixando suas expectativas. Para o seu próprio bem.
Fecho os olhos e conto até dez.
Antes de terminar, uma lembrança me atinge.
Claro! Eu sei quem ela é.
Antes, o cabelo era loiro. Por isso não a reconheci de imediato.
— Eu sei quem você é. Raquel, não é? Você foi o último caso de Vincent.
A expressão dela endurece.
— Sim, saí com Vincent. Mas isso não vem ao caso.
Não?
Sorrio, observando-a.
Ela me parece uma mulher frustrada. Uma malcomida idiota.
— Entendo sua revolta. Se eu tivesse sido deixada duas vezes, como você, pensaria da mesma maneira.
A tensão nos meus ombros se dissipa. Sinto-me melhor.
O silêncio se prolonga.
Seus olhos brilham de raiva.
— Sei que esse casamento é forçado, tanto para ele quanto para você. Mas, diferente do que pensa, fui eu quem chutou Lucas, não o contrário.
Será verdade?
Duvido.
Ela se afasta, e agora estou insegura. Minhas pernas tremem.
Baixo os olhos e respiro fundo.
E se ela estiver certa?
— Tudo bem?Levanto o rosto e encontro os olhos preocupados de Antony. Forço um sorriso.— Acho que sim.— Raquel falou algo para você? O que ela queria?Lhe dou um sorriso, tentando não demonstrar o incômodo que suas palavras me causaram.— Pare de se preocupar, eu estou bem. Lembre-se de que seus conselhos se limitam aos negócios da família. Você não é o nosso terapeuta familiar.Ele sorri com humor.— Tudo bem, mas uma coisa eu tenho a lhe dizer: seja lá o que ela tenha dito, esqueça. Aposte no seu casamento. No começo, vocês passarão por um processo de adaptação, de conhecimento mútuo. Isso fortalecerá o laço entre vocês. Tenho certeza de que dará certo. Você é uma mulher maravilhosa e, cedo ou tarde, ele enxergará isso.As palavras de Antony me confortam mais do que eu gostaria de admitir. Meus olhos se enchem de lágrimas.— Obrigada, Antony.O abraço que lhe dou é espontâneo, uma forma silenciosa de gratidão. Ele me envolve com seus braços firmes, e, por um breve instante, sinto
O carro para suavemente em frente à casa térrea, uma construção branca impecável cercada por imponentes coqueiros que balançam sob a brisa noturna. O céu está límpido, e a lua ilumina a fachada da casa de veraneio com um brilho prateado, projetando sombras elegantes pelo jardim bem cuidado.Os homens de Lucas descem primeiro, assumindo suas posições como sombras treinadas para proteger. Um deles abre minha porta, mas antes que eu possa sair, ouço um ruído desagradável.Viro o rosto e vejo Lucas inclinar o corpo para fora do carro e vomitar.Uma careta involuntária se forma em meu rosto.A cena me causa um desconforto profundo. Não era isso que eu imaginava para a primeira noite do meu casamento. Não era isso que eu queria.A visão dele, vulnerável e descontrolado, traz consigo um pensamento indesejado e cruel: ele precisou beber para encarar nosso casamento. Para me encarar.Meu coração pesa com essa constatação.Lucas ainda está apoiado no carro, a respiração irregular, procurando al
LUCASEu sei que ela está chateada.E, para ser sincero, eu também estou. Não só com ela, mas comigo mesmo.Entro no quarto principal e me jogo na cama, lutando contra o peso do cansaço e do álcool. Meu corpo está exausto, minha mente um turbilhão. Tento me manter acordado, esperando que Giovanna entre a qualquer momento.Mas meu estômago revira.Droga.Corro para o banheiro e me inclino sobre a privada. Mais vômito. Meu corpo parece querer expulsar cada gota de álcool que ingeri. Seguro-me na pia por um instante, sentindo as mãos trêmulas.Será que ainda existe alguma merda para sair?Fecho os olhos com força. A ânsia finalmente cede. Dou descarga e lavo o rosto, passando um pouco de água na nuca, tentando me sentir mais humano.Mas o enjoo não é só físico.É uma ressaca moral.Dio Santo... Eu nunca aprendo.Respiro fundo e olho meu reflexo no espelho.Os olhos inchados, a expressão abatida. Meu corpo carrega o peso do cansaço, não apenas pela bebida, mas pelos últimos dias que me su
GIOVANNAAssim que Lucas sai, tranco a porta atrás dele.O som do trinco ecoa pelo quarto silencioso, e um suspiro pesado escapa dos meus lábios.Não quero pensar nele. Não agora.Vou até a cômoda e pego meu caderno. Não gosto de chamá-lo de diário, porque não escrevo todos os dias nem relato meu cotidiano. Ele é mais que isso. Ele é meu refúgio, minha terapia silenciosa.Abro na página em branco e deixo minha caneta deslizar pelo papel, escrevendo tudo o que pesa em meu peito.Dia do meu casamento...Um dia que poderia ter sido perfeito, como um céu sem nuvens. Um dia que eu quis acreditar que seria feliz, que teria um significado real.Mas a sensação de felicidade passou rápido, como uma tempestade inesperada que destrói tudo em seu caminho.A realidade veio como um golpe cruel.Sonhei demais.Fui uma garota boba e ingênua, idealizando um momento que nunca existiu para ele.A verdade que me atinge agora é amarga: estou muito mais envolvida do que ele.Por seis meses, convivi com um
LUCASAcordo com uma sensação estranha.O quarto ao meu redor é um lugar desconhecido, e por um instante me sinto deslocado. Mas, aos poucos, as lembranças voltam e me situo dentro dessa história que agora é minha vida.Uma opressão incômoda pesa sobre meu peito, como se algo estivesse fora do lugar.Como se tudo estivesse errado.Levanto-me lentamente, massageando as têmporas. Minha cabeça ainda lateja levemente, um eco desagradável da ressaca. Vou até o banheiro e deixo a água correr antes de entrar no chuveiro.Primeiro, a água está morna. Depois, vou reduzindo a temperatura aos poucos, até que o frio intenso percorre minha pele como um choque elétrico.Talvez eu mereça esse castigo.Talvez precise acordar para a realidade de uma vez.Depois de sair do banho, visto uma bermuda escura e uma camisa leve. Vou procurar minha adorável esposa.O quarto de hóspedes está vazio.Na sala, encontro Helena, que me informa que Giovanna foi dar uma volta na praia.Droga.A angústia me atinge ant
LUCASO sol das dez horas reflete sobre o mar, criando uma paisagem de tirar o fôlego. O brilho dourado dos raios solares se mistura ao azul profundo do céu, sem nenhuma nuvem para ofuscá-lo. O branco das ondas se dissolve no verde-turquesa do oceano, formando uma paleta vibrante e ardente, como se a própria natureza celebrasse a grandiosidade do verão.Respiro fundo, absorvendo o ar fresco e salgado, sentindo o calor acolhedor do sol contra minha pele.Estou do lado de fora da propriedade, esperando Giovanna.Uso um calção de banho azul-céu, estou sem camisa, descalço, e pela primeira vez em muito tempo, me sinto tranquilo. A conversa de mais cedo com ela dissipou parte da tensão, e agora posso apenas aproveitar o momento.Que bom que ela abriu os olhos.Ela percebeu que precisa de mim.Que ninguém poderia assumir o lugar que ocupo ao seu lado. Nenhum substituto.Sou eu quem deve estar aqui. Sou eu quem foi designado para esse papel.Sinto um misto de pena e dever.Nos últimos seis m
LUCASEla saiu.E eu me senti impotente.O gosto amargo da rejeição grudou na minha garganta, se espalhando pelo meu corpo como veneno.Maldição.Agora que finalmente a via com outros olhos, agora que queria levá-la para a cama, agora que aquela barreira da estranheza havia se dissolvido... ela me negava.O mundo era injusto.Hoje eu entendo.Nosso arranjo, por mais conturbado que tenha sido no início, será bom para nós.Será prazeroso para mim.Giovanna é linda.E o mais irônico de tudo isso?Só agora, agora que ela é minha, que eu realmente percebo o quanto.Minha?Não.Quase minha.O pensamento me enche de raiva.Sigo até a sala, pego a garrafa de Jack Daniel’s e sirvo um copo. Bebo de uma só vez, o líquido queimando minha garganta.Sirvo outro. Bebo novamente.Espero alguns segundos. Depois, mais uma dose.Mas nada disso dissolve a inquietação dentro de mim.O desejo.A frustração.Então, num impulso, vou até o quarto de Giovanna.Abro a porta sem bater.E sou recebido pela visão
GIOVANNALas Vegas Lucas e eu continuamos na mesma. Já faz um mês que estamos "juntos", mas não estamos. Ele tem viajado muito, e eu me sinto cada vez mais sozinha dentro desse casamento.Na última conversa que tivemos, Lucas me disse que essa era sua última viagem e que, depois, colocaríamos nossas vidas nos eixos. A ideia de tê-lo de volta, retomando de onde paramos, e eu tendo que controlar minhas reações à mera presença dele, me deixa inquieta. Meu corpo ainda reage a ele de formas que me irritam. Minha mente se divide entre o desejo e o medo. Tanto que, quando Antony me ligou, acabei cedendo ao convite para esse encontro.A primeira vez que ele me ligou perguntando como eu estava foi uma semana depois da minha estranha lua de mel. Omiti detalhes e disse que estava tudo bem. Mas ontem, quando ele me ligou novamente, eu já havia bebido um pouco. Passava das oito da noite, as crianças dormiam, e a solidão pesava mais do que eu conseguia suportar. Acabei desabafando ao telefone e cho