Segredos da floresta
A madrugada estava silenciosa, exceto pelo leve farfalhar das árvores ao redor da mansão Bolívar. Luna virou-se na cama pela quarta vez, incapaz de pegar no sono. Algo dentro dela parecia inquieto, pulsando como se buscasse uma saída. Após alguns minutos de luta interna, ela cedeu. Levantou-se, foi até a janela e a abriu. O ar frio da noite tocou sua pele, e ela inspirou profundamente. O céu estava limpo, com uma lua cheia brilhante que parecia maior do que o normal, cercada por estrelas que cintilavam como pequenos cristais. O brilho prateado da lua iluminava o jardim da mansão, revelando o contorno das árvores e os caminhos de pedra. Luna sentiu um arrepio na espinha ao olhar para a lua. Algo sobre sua luz parecia... convidativo. Um calor inexplicável cresceu em seu peito, e ela não conseguiu desviar o olhar. Era como se a lua sussurrasse seu nome, atraindo-a para algo que ela não compreendia. Ela fechou os olhos, tentando entender aquela sensação. Em sua mente, imagens começaram a se formar: ela correndo livremente por uma floresta densa, os galhos se partindo sob seus pés descalços, o vento batendo em seu rosto. Ela podia sentir o cheiro da terra, ouvir os sons dos insetos e o farfalhar das folhas. Então, uma nova imagem surgiu — a dela uivando para a lua com uma força primitiva que a assustou e encantou ao mesmo tempo. Abrindo os olhos de repente, Luna deu um passo para trás, o coração disparado. "Que loucura é essa?" sussurrou para si mesma, pressionando uma mão contra o peito. Por um momento, considerou descer e sair para o jardim, mas a ideia de andar sozinha pela escuridão a fez hesitar. Porém, o desejo de estar sob a luz da lua era quase irresistível. Sentia-se mais viva do que nunca, como se algo dormente estivesse começando a despertar. Naquele instante, um ruído leve chamou sua atenção. Parecia um sussurro vindo do corredor. Ela virou-se para a porta, o coração ainda acelerado. "É apenas o vento," tentou se convencer, mas sua mente, já inquieta, parecia querer explorar o desconhecido. Luna esfregou os olhos, tentando afastar a estranha sensação que a dominava. Quando abriu novamente, algo chamou sua atenção. No limite do jardim, entre as sombras das árvores, um par de olhos âmbar com tons amarelados brilhava na escuridão. Ela estremeceu, incapaz de desviar o olhar. Aqueles olhos pareciam perfurá-la, como se buscassem algo dentro dela que ela mesma desconhecia. Era assustador, mas também... intrigante. Luna sentiu uma mistura de medo e fascínio, como se aqueles olhos quisessem lhe dizer algo, mas em uma linguagem que ela não compreendia. — É só minha imaginação... Deve ser isso. — Sussurrou para si mesma, abraçando os braços para afastar o calafrio. Mas então, por entre os arbustos, ela viu a silhueta surgir. Uma figura imponente, de pelos cinzentos e esbranquiçados que brilhavam sob a luz da lua. Um lobo. Um lobo enorme. Seu coração disparou. Ele estava parado, imóvel, observando-a. O que um lobo estaria fazendo ali? Mais ainda, por que parecia tão focado nela? Luna não conseguia entender, mas sentiu que aquele animal sabia mais do que aparentava. Algo naquela presença mexia com algo profundo dentro dela, uma emoção desconhecida, quase familiar. Quase sem perceber, deu um passo para frente e abriu a porta da varanda. O ar frio da noite a envolveu, e ela avançou até o alpendre, como se atraída por aqueles olhos. O lobo permaneceu no mesmo lugar, a observando, como se aguardasse algo. — Isso não pode estar acontecendo...— Murmurou, incapaz de desviar o olhar. Quando Luna se aproximou mais da beirada do alpendre, o lobo deu um pequeno passo para trás, como se respeitasse a distância entre eles. Por um momento, os dois apenas se encararam. Havia algo naqueles olhos âmbar que a fazia esquecer qualquer noção de lógica. Segredos. Era isso. Aqueles olhos carregavam segredos que ela ainda não entendia. De repente, Luna piscou, e o lobo desapareceu. Não houve som de folhas ou galhos quebrando. Ele simplesmente sumiu, como se nunca tivesse estado lá. — Mas... eu vi... — Luna sussurrou, olhando desesperadamente para o mesmo lugar. O jardim estava vazio. Nenhuma silhueta, nenhum par de olhos. Apenas o vento sussurrando por entre as árvores. Ela balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos impossíveis. Talvez fosse o cansaço. Talvez ainda estivesse sonhando. Mas, lá no fundo, sabia que era algo mais. Algo real. Engolindo em seco, Luna deu um passo para trás, fechou a porta da varanda e trancou-a, como se isso pudesse mantê-la segura de qualquer mistério que a noite escondia. Voltou para a cama, mas o sono não veio. Os olhos âmbar continuavam gravados em sua mente. Luna não conseguiu pregar os olhos. Cada vez que fechava as pálpebras, o par de olhos âmbar voltava à sua mente como um eco persistente. Ela se mexia inquieta, tentando ignorar a sensação de que algo estava diferente naquela noite. "Era só um animal," tentou convencer a si mesma, mas o tom de voz em sua mente não tinha convicção. Algo dentro dela sussurrava que aquilo não era apenas um lobo comum. O primeiro raio de sol surgiu, tingindo o quarto com tons dourados e rosados. Luna se levantou devagar, sentindo as pernas pesadas e a cabeça latejando de tanto pensar. Ela se aproximou da janela e espiou o jardim novamente. Nenhum sinal do lobo. Respirou fundo, tentando encontrar conforto na calmaria da manhã. Mas então, uma batida firme na porta interrompeu seus pensamentos. — Entre — disse, ainda um pouco hesitante. Eliezer entrou, sua figura imponente preenchendo o espaço. Ele carregava a mesma postura firme e controlada de sempre, mas havia algo nos olhos dele — uma mistura de preocupação e curiosidade. — Dormiu bem? — perguntou, sua voz grave mas quase calorosa. — Sim... mais ou menos — mentiu Luna, tentando evitar a conversa sobre os eventos da noite passada. Ele assentiu, mas o olhar atento parecia captar mais do que ela gostaria. — Quero que me acompanhe ao escritório depois do café da manhã. Há algumas regras da casa que precisamos discutir. Regras. Claro, sempre haveria regras, pensou Luna, revirando os olhos internamente. Mas assentiu, sem questionar. Quando ele saiu, deixando-a sozinha novamente, Luna suspirou. Decidiu se vestir e descer para o café da manhã, mas a lembrança da noite anterior ainda pairava como uma sombra em sua mente. No escritório, mais tarde, Eliezer sentou-se atrás de uma mesa ornamentada, com detalhes talhados em madeira escura. Havia uma atmosfera pesada no ar, como se cada móvel daquela sala carregasse histórias que ela ainda não conhecia. — Quero que entenda algo, Luna — começou ele, com uma expressão séria. — Esta casa e esta cidade... não são como os lugares que você conhece. Há coisas que precisam ser respeitadas. Ela franziu a testa, sentindo um tom de alerta nas palavras dele. — Que tipo de coisas? — perguntou, tentando parecer despreocupada. Ele hesitou por um momento, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Apenas mantenha-se no perímetro da propriedade, especialmente à noite. E evite interações desnecessárias com os moradores da região... Eles são, digamos, peculiares. O tom vago de Eliezer a deixou desconfortável. Ele parecia estar escondendo algo, mas Luna não queria pressionar. — Certo... Mas por quê? — Apenas confie em mim nisso, Luna — respondeu, sem dar espaço para mais perguntas. Ela concordou, mas o desconforto crescia. Algo naquela cidade parecia mais estranho a cada instante, e agora ela tinha certeza de que seu pai sabia mais do que dizia.Após a conversa no escritório, Luna desceu as escadas, ainda assimilando a ideia de voltar para a escola. Já havia algumas semanas desde o acidente de sua mãe, e ela não tinha certeza de como se sentiria rodeada por tantas pessoas desconhecidas.Eliezer estava esperando por ela no hall de entrada, segurando uma mochila preta simples e uma pilha de cadernos e livros encapados com cores sóbrias.— Aqui estão seus materiais. Achei que precisaria de algo básico para começar — disse ele, estendendo o conjunto.Luna aceitou os itens com um aceno de cabeça. A mochila parecia pesada, mas a preocupação maior não era o peso físico, e sim o que o dia traria.— Eu achei que talvez... não fosse voltar para a escola — confessou, hesitante.— Educação é essencial — respondeu Eliezer, categórico. — Além disso, será bom para você. Uma oportunidade de começar de novo, se adaptar.Luna não quis prolongar a conversa. Apesar de tudo, sabia que ele estava certo. Então subiu para o quarto, trocou de roupa e
Quando o sinal do intervalo ecoou pelos corredores, Luna se levantou junto aos outros alunos, ainda um pouco desconfortável. Seguiu o fluxo até o refeitório, um amplo salão iluminado por grandes janelas que deixavam a luz do dia entrar e refletir nas mesas de metal polido. O local era decorado com murais coloridos e placas com mensagens motivacionais. O aroma de comida fresca pairava no ar, mas havia algo tenso no ambiente que ela não conseguia ignorar: os olhares.Ela pegou uma bandeja e seguiu pela fila, observando as opções disponíveis. Havia pratos simples, como sanduíches, saladas e sopas, mas também sobremesas que pareciam deliciosas. Escolheu uma salada e um suco de maçã, tentando não chamar atenção.Com a bandeja em mãos, começou a procurar um lugar para sentar. Olhou ao redor, mas percebeu que algumas pessoas cochichavam entre si, lançando olhares furtivos em sua direção. O calor subiu para seu rosto, e ela tentou ignorar.Finalmente, avistou uma mesa com quatro pessoas, apar
Enquanto Luna conhecia o cotidiano de sua nova escola, na diretoria, Eliezer Bolívar conversava com a Diretora Howthorne. Sentado em uma poltrona de couro escuro, ele mantinha a postura impecável e o semblante sério, algo típico de sua personalidade reservada. A diretora Howthorne, uma mulher de cabelos grisalhos e olhos penetrantes, o observava com atenção. Apesar de sua aparência humana, seus modos ainda carregavam traços da loba que fora no passado. Ela havia deixado a matilha há décadas, mas mantinha um vínculo velado com os Lunares, especialmente por ser uma figura de respeito em Lendcity. — Agradeço por me receber, diretora. — Eliezer começou, com sua voz grave e controlada. — Estou aqui para falar sobre minha outra filha, Taynara. Howthorne ergueu uma sobrancelha, interessada. Ela sabia da ligação de Eliezer com os Lunares, mas poucos compreendiam a extensão dos segredos que ele guardava. — Ah, sim, Taynara. — disse ela, entrelaçando as mãos sobre a mesa. — Tenho acompan
Eliezer empurrou a porta pesada da mansão, entrando no vasto hall de entrada. O ambiente estava iluminado por um imenso lustre de cristal que pendia do teto alto, refletindo luzes suaves nas paredes decoradas com quadros antigos e cortinas aveludadas. O som de seus passos ecoava pela sala silenciosa, interrompido apenas por sua voz grave e firme.— Ravena! Quero você no meu escritório agora! — ele bradou, sua voz cortando o ar como uma lâmina.Ravena, que estava na cozinha terminando de secar os pratos do jantar, ergueu a cabeça de imediato. Ela parou por um momento, tentando compreender o tom urgente na voz de Eliezer. Ele raramente a chamava com tanta impaciência. Com um suspiro contido, ela enxugou as mãos em seu avental branco impecável e saiu rapidamente, atravessando os corredores da mansão.Ravena era uma jovem que carregava consigo uma beleza única e impressionante. Sua pele de ébano reluzia sob a luz suave dos lustres, e seus olhos expressivos eram de um castanho quente, semp
O Segredo Revelado por EsmêRavena, ainda sentindo o peso da conversa com Eliezer, dirigiu-se apressadamente até o altar que mantinha escondido em um dos recônditos mais discretos da mansão. O altar era simples, mas carregava uma energia ancestral poderosa. Velas acesas em círculos, ervas aromáticas espalhadas e um espelho antigo repousavam no centro, refletindo a chama trêmula.Ela se ajoelhou diante do altar, com as mãos unidas, e murmurou em voz baixa:- Vovó Esmê... Eu preciso de você. Apareça, por favor.Quase imediatamente, o ambiente ficou pesado, e o ar pareceu vibrar. Uma figura translúcida emergiu no espelho, com olhos sábios e um sorriso acolhedor. Esmê, a avó de Ravena, era uma presença poderosa, mesmo em espírito.- Eu já sei por que me chamou, minha pequena Ravena - disse Esmê, sua voz ecoando como um sussurro entre mundos.Ravena respirou fundo, hesitante, mas sua preocupação logo emergiu em palavras.- Eu temo pelo que Luna pode ser, vó. Temo por ela... e por seu futur
Na saída da escola, Luna e Genevieve estavam esperando Âmbar, quando, de repente, Darius esbarrou em Luna sem querer. Os cadernos que ela tentava guardar na bolsa caíram no chão, espalhando-se pela calçada.- Droga! - Luna murmurou, irritada, sem olhar para quem tinha esbarrado nela.Quando ela se abaixou para pegar os cadernos e levantou a cabeça, viu que era Darius. Ele passou direto, sem ao menos olhar para trás, nem se dignando a pedir desculpas.- Olha por onde anda, seu idiota! - Genevieve exclamou, irritada, apontando para ele enquanto se afastava.Darius não deu sequer uma reação, apenas seguiu seu caminho. Luna suspirou, tentando manter a calma.- Deixa pra lá, Genevieve - Luna disse, levantando-se e arrumando os cadernos na bolsa. - Parece que ele quer me evitar desde o dia em que me apresentei. Não respondeu quando falei com ele na sala.Genevieve parecia perplexa e, ainda irritada, balançou a cabeça.- Isso não é normal, Luna. Ele não é assim. Normalmente, ele teria se des
Luna entrou em casa e, ao fechar a porta atrás de si, um silêncio profundo tomou conta do ambiente. A casa estava vazia, a luz suave do entardecer filtrava-se pelas janelas. Ela subiu as escadas com um suspiro profundo, tentando se livrar das memórias inquietantes de seu dia.Ao chegar em seu quarto, jogou sua bolsa no tapete e se deixou cair na cama, sem forças para fazer mais nada. Mas algo dentro dela a impelia a não se deixar sucumbir ao cansaço, e com um suspiro, ela se levantou, foi até sua mesa e pegou seu diário.Era um caderno simples, mas com a capa vibrante em tons de vermelho, cheia de desenhos sutis de flores e corações entrelaçados, um presente de sua mãe. Luna havia ganhado o diário quando era mais jovem, quando pensava que nunca precisaria usar. Sua mãe sempre dizia que aquele caderno seria o lugar onde ela poderia colocar seus maiores sentimentos. Mas até hoje, Luna nunca sentira necessidade de escrever.Agora, no entanto, ela sentia uma necessidade imensa de desabafa
Naquela noite, mais uma vez, Luna não conseguiu dormir. Sentada na cama, encarando o teto escuro de seu quarto, ela se perguntou o que a mantinha acordada. Seus dias na mansão começaram a se ajeitar: Genevieve e Âmbar tornaram-se boas amigas, Ravena era uma companhia constante e acolhedora, e seu pai, mesmo sendo enigmático, demonstrava ser uma boa pessoa. Então, por que aquela inquietação?Depois de um longo suspiro, decidiu que ficar deitada não resolveria nada. Caminhou até a varanda de seu quarto, abraçando o ar fresco da noite. Quando ergueu os olhos, foi imediatamente capturada pela visão hipnotizante da lua cheia. Ela estava em seu ápice, grandiosa e brilhante, dominando o céu com sua majestade.Algo dentro de Luna se agitou ao encará-la. Era uma sensação estranha e inexplicável, como se aquela lua a estivesse chamando. Uma força desconhecida parecia crescer em seu peito, uma vontade impulsiva e primitiva que ela não entendia. Por um momento, sentiu um impulso quase irresistíve