Bem vinda a Lendcity
A estrada estava vazia, com árvores imponentes à margem e um céu cinza pesado acima. Luna olhava pela janela do carro, os olhos marejados, mas já sem lágrimas. A dor da perda da mãe ainda estava cravada em seu peito, mas já fazia parte de seu ser, como uma cicatriz que, por mais que doída, era impossível de ignorar. O luto a engolia, e cada quilômetro que a afastava de sua antiga vida em Nova York parecia mais um peso em seus ombros. Ela nunca havia conhecido seu pai, Eliezer Bolívar. Nunca teve motivo para isso, até agora. A carta, com palavras frias, mas que, de alguma forma, sentiu o peso de uma tentativa de conexão, foi o que a levou até aqui. Ele, um homem desconhecido, que sua mãe sempre evitou mencionar. Ela sequer sabia o que esperar de Lendcity, uma cidade que parecia mais uma lenda do que um lugar real. O que ela sabia era que ali, em algum lugar, estava o homem que deveria ser seu pai. O carro parou em frente a uma casa grande, mas antiquada, com o portão de ferro forjado que parecia resistir ao tempo. O imóvel estava imerso em um ambiente de silêncio, uma estranha sensação de expectativa pairava no ar. Luna se sentiu como uma estranha, uma intrusa. O luto ainda a consumia, mas ela não tinha escolha. Não havia como voltar atrás. Ela suspirou e, sem dizer uma palavra ao motorista, saiu do carro e caminhou até a porta. O som de seus passos ecoava, mas parecia abafado, como se a própria cidade estivesse de luto. Ela ergueu a mão, hesitante, e bateu três vezes, como a carta pedira. Cada batida soava como um tambor, marcado por uma sensação de incerteza. A porta se abriu lentamente, revelando um homem alto, de olhar frio e penetrante, com cabelos escuros e uma presença que parecia controlar o espaço ao seu redor. Seus olhos eram escuros, mas havia algo misterioso neles, algo que Luna não conseguia identificar. — Você é Luna Bolívar? — Sua voz era profunda, mas ao mesmo tempo tinha uma estranha suavidade. Luna sentiu uma pontada no peito ao ouvir seu nome ser pronunciado por aquele homem. Ele era tão diferente de tudo o que ela imaginava. Mas, ao mesmo tempo, sentiu um leve desconforto, como se ele fosse mais do que apenas um estranho. — Sim. — Ela respondeu com a voz embargada. — O...Oi, me chamo Luna. Você deve ser Eliezer Bolívar? Ele assentiu levemente, antes de dar espaço para ela entrar. — Bem-vinda a minha casa. O interior era sombriamente imponente, com móveis antigos e uma decoração que parecia saído de um tempo longínquo. Tudo ali tinha uma aura de mistério, como se os próprios objetos estivessem cheios de segredos que apenas ele conhecia. — Eu... Eu não sabia o que esperar. — Luna murmurou, olhando ao redor. — Tudo isso é tão... diferente. — É, pode ser um pouco estranho no começo. — Respondeu Eliezer, suas palavras repleta de algo que ela não conseguia identificar. Ele se virou, como se quisesse dar a ela espaço para explorar, mas ela o observou atentamente, tentando ler sua expressão. Ele parecia calmo, mas seu olhar estava distante, como se estivesse em um lugar muito além daquelas paredes. — Eu sinto muito pela sua mãe. — ele disse de repente, e Luna sentiu um arrepio percorrer sua espinha. — Ela não queria que você soubesse sobre mim, não queria que você viesse aqui. — Eu... não sabia nada sobre você — Luna respondeu, a dor em sua voz agora misturada com confusão. — A carta foi o único contato que tive. Ela nunca mencionou você. Por que você nunca me procurou? Eliezer a observou por um momento, como se ponderasse a melhor forma de responder. Por fim, ele disse: — Há coisas que não se podem explicar facilmente, um dia você saberá de tudo. Luna sentia que algo mais estava acontecendo, algo que ela ainda não conseguia entender. Seu instinto dizia que havia muito mais nessa história do que ela imaginava, mas ela não sabia por onde começar a questionar. — Eu não sei o que isso significa para mim... viver aqui. — ela sussurrou, a voz embargada pelo medo do desconhecido. — Você vai se acostumar disse Eliezer, com um tom mais suave, como se estivesse tentando dar-lhe conforto. — Vamos dar um passo de cada vez, quero que se sinta a vontade, pois a partir de hoje, esta casa também é sua. Luna apenas assentiu, ainda sem coragem de dizer mais nada. Eliezer observou sua expressão por um instante antes de virar-se e dizer: — Venha, vou lhe mostrar onde você vai dormir. Ela o acompanhou pelos corredores longos da casa, onde os passos ecoavam no piso de madeira impecável. As paredes exibiam quadros antigos, de tons sombrios, com paisagens nebulosas e figuras que pareciam pertencer a outra era. Eliezer abriu uma porta no final do corredor. — Este será seu quarto. Ao entrar, Luna ficou surpresa. O quarto era antiquado, mas luxuoso, como algo saído de um romance antigo. A cama de dossel, com cortinas de tecido aveludado vinho, era o centro da atenção. Os móveis de madeira escura, polidos até brilharem, tinham detalhes esculpidos à mão, que lembravam folhas e galhos entrelaçados. Um espelho oval de moldura dourada estava preso à parede, refletindo a luz suave de um lustre de cristal que pendia do teto. Havia um tapete espesso, de tons quentes, cobrindo parte do chão, enquanto uma poltrona estofada de veludo azul repousava ao lado de uma mesinha com um abajur antigo, cuja luz amarelada iluminava delicadamente o ambiente. A uma das laterais, uma porta dupla de madeira dava acesso a um closet espaçoso, com prateleiras altas e cabideiros cheios de roupas que Luna não reconhecia como suas. Ao lado oposto, havia outra porta que levava à suíte. A suíte era um espetáculo à parte. O piso era de mármore branco, com detalhes em preto, e o banheiro tinha uma banheira clássica de pés dourados, além de um chuveiro moderno cercado por paredes de vidro fosco. Um espelho grande com moldura prata estava acima da pia, e pequenos vasos de flores secas decoravam o espaço, combinando com o aroma suave de lavanda que pairava no ar. — Espero que você se sinta confortável aqui. — Disse Eliezer, enquanto observava a expressão de Luna. Ela ainda estava admirada, mas sua desconfiança e receio eram visíveis. — É... diferente — murmurou, tentando escolher as palavras certas. Eliezer apenas assentiu, como se entendesse o que ela queria dizer, e deu um passo em direção à porta. — Vou deixá-la sozinha para que organize suas coisas. Se precisar de algo, pode me chamar. Luna não respondeu de imediato, apenas o observou sair e fechar a porta atrás de si. O silêncio tomou conta do quarto. Ela olhou ao redor mais uma vez, ainda tentando processar tudo aquilo. Era difícil acreditar que agora estava ali, longe de tudo o que conhecia, com um homem que deveria ser seu pai, mas que era, na verdade, um completo estranho. Sem vontade de arrumar as malas, Luna sentou-se à beira da cama. O toque do tecido macio e a firmeza do colchão eram reconfortantes. Com um suspiro pesado, ela abriu uma das malas e puxou de dentro um pequeno porta-retrato. A foto mostrava ela e sua mãe, sorrindo em um dia ensolarado no parque. Aquela era uma das poucas lembranças felizes que ela tinha. As lágrimas vieram sem aviso, descendo por seu rosto enquanto ela apertava o porta-retrato contra o peito. Ela deitou-se na cama, ainda segurando a foto, e fechou os olhos. O tecido do cobertor acariciava sua pele, e o perfume de lavanda no quarto parecia envolvê-la, como um abraço suave. — Eu queria que tudo isso fosse um pesadelo. — Sussurrou para si mesma, antes de o sono finalmente levá-la.Luna acordou sobressaltada, seu coração batendo forte no peito. Levou alguns segundos para entender onde estava, até que o som de batidas firmes na porta a trouxe completamente de volta à realidade.— Entre! — disse com a voz rouca de sono, acreditando que era seu pai.A porta se abriu lentamente, mas ao invés de Eliezer, uma jovem mulher entrou no quarto. Ela tinha a pele morena que reluzia sob a luz suave do lustre, cabelos negros presos em um coque elegante e vestia um vestido longo, coberto por um avental impecavelmente branco. Sua beleza era esplêndida, e sua postura, graciosa, com um toque de autoridade que parecia natural.— Boa noite. — disse a jovem, sua voz aveludada e formal. — Meu nome é Ravena. Sou empregada da casa e também sua criada. Vim avisá-la que o jantar está pronto, e o senhor Eliezer a aguarda na sala de jantar.Luna piscou, tentando se acostumar à presença de Ravena. Antes que pudesse responder, a jovem olhou ao redor, notando as malas ainda intocadas no chão.
Segredos da floresta A madrugada estava silenciosa, exceto pelo leve farfalhar das árvores ao redor da mansão Bolívar. Luna virou-se na cama pela quarta vez, incapaz de pegar no sono. Algo dentro dela parecia inquieto, pulsando como se buscasse uma saída. Após alguns minutos de luta interna, ela cedeu. Levantou-se, foi até a janela e a abriu.O ar frio da noite tocou sua pele, e ela inspirou profundamente. O céu estava limpo, com uma lua cheia brilhante que parecia maior do que o normal, cercada por estrelas que cintilavam como pequenos cristais. O brilho prateado da lua iluminava o jardim da mansão, revelando o contorno das árvores e os caminhos de pedra.Luna sentiu um arrepio na espinha ao olhar para a lua. Algo sobre sua luz parecia... convidativo. Um calor inexplicável cresceu em seu peito, e ela não conseguiu desviar o olhar. Era como se a lua sussurrasse seu nome, atraindo-a para algo que ela não compreendia.Ela fechou os olhos, tentando entender aquela sensação. Em sua mente
Após a conversa no escritório, Luna desceu as escadas, ainda assimilando a ideia de voltar para a escola. Já havia algumas semanas desde o acidente de sua mãe, e ela não tinha certeza de como se sentiria rodeada por tantas pessoas desconhecidas.Eliezer estava esperando por ela no hall de entrada, segurando uma mochila preta simples e uma pilha de cadernos e livros encapados com cores sóbrias.— Aqui estão seus materiais. Achei que precisaria de algo básico para começar — disse ele, estendendo o conjunto.Luna aceitou os itens com um aceno de cabeça. A mochila parecia pesada, mas a preocupação maior não era o peso físico, e sim o que o dia traria.— Eu achei que talvez... não fosse voltar para a escola — confessou, hesitante.— Educação é essencial — respondeu Eliezer, categórico. — Além disso, será bom para você. Uma oportunidade de começar de novo, se adaptar.Luna não quis prolongar a conversa. Apesar de tudo, sabia que ele estava certo. Então subiu para o quarto, trocou de roupa e
Quando o sinal do intervalo ecoou pelos corredores, Luna se levantou junto aos outros alunos, ainda um pouco desconfortável. Seguiu o fluxo até o refeitório, um amplo salão iluminado por grandes janelas que deixavam a luz do dia entrar e refletir nas mesas de metal polido. O local era decorado com murais coloridos e placas com mensagens motivacionais. O aroma de comida fresca pairava no ar, mas havia algo tenso no ambiente que ela não conseguia ignorar: os olhares.Ela pegou uma bandeja e seguiu pela fila, observando as opções disponíveis. Havia pratos simples, como sanduíches, saladas e sopas, mas também sobremesas que pareciam deliciosas. Escolheu uma salada e um suco de maçã, tentando não chamar atenção.Com a bandeja em mãos, começou a procurar um lugar para sentar. Olhou ao redor, mas percebeu que algumas pessoas cochichavam entre si, lançando olhares furtivos em sua direção. O calor subiu para seu rosto, e ela tentou ignorar.Finalmente, avistou uma mesa com quatro pessoas, apar
Enquanto Luna conhecia o cotidiano de sua nova escola, na diretoria, Eliezer Bolívar conversava com a Diretora Howthorne. Sentado em uma poltrona de couro escuro, ele mantinha a postura impecável e o semblante sério, algo típico de sua personalidade reservada.A diretora Howthorne, uma mulher de cabelos grisalhos e olhos penetrantes, o observava com atenção. Apesar de sua aparência humana, seus modos ainda carregavam traços da loba que fora no passado. Ela havia deixado a matilha há décadas, mas mantinha um vínculo velado com os Lunares, especialmente por ser uma figura de respeito em Lendcity.— Agradeço por me receber, diretora. — Eliezer começou, com sua voz grave e controlada. — Estou aqui para falar sobre minha outra filha, Taynara.Howthorne ergueu uma sobrancelha, interessada. Ela sabia da ligação de Eliezer com os Lunares, mas poucos compreendiam a extensão dos segredos que ele guardava.— Ah, sim, Taynara. — disse ela, entrelaçando as mãos sobre a mesa. — Tenho acompanhado se
Eliezer empurrou a porta pesada da mansão, entrando no vasto hall de entrada. O ambiente estava iluminado por um imenso lustre de cristal que pendia do teto alto, refletindo luzes suaves nas paredes decoradas com quadros antigos e cortinas aveludadas. O som de seus passos ecoava pela sala silenciosa, interrompido apenas por sua voz grave e firme.— Ravena! Quero você no meu escritório agora! — ele bradou, sua voz cortando o ar como uma lâmina.Ravena, que estava na cozinha terminando de secar os pratos do jantar, ergueu a cabeça de imediato. Ela parou por um momento, tentando compreender o tom urgente na voz de Eliezer. Ele raramente a chamava com tanta impaciência. Com um suspiro contido, ela enxugou as mãos em seu avental branco impecável e saiu rapidamente, atravessando os corredores da mansão.Ravena era uma jovem que carregava consigo uma beleza única e impressionante. Sua pele de ébano reluzia sob a luz suave dos lustres, e seus olhos expressivos eram de um castanho quente, semp
O Segredo Revelado por EsmêRavena, ainda sentindo o peso da conversa com Eliezer, dirigiu-se apressadamente até o altar que mantinha escondido em um dos recônditos mais discretos da mansão. O altar era simples, mas carregava uma energia ancestral poderosa. Velas acesas em círculos, ervas aromáticas espalhadas e um espelho antigo repousavam no centro, refletindo a chama trêmula.Ela se ajoelhou diante do altar, com as mãos unidas, e murmurou em voz baixa:- Vovó Esmê... Eu preciso de você. Apareça, por favor.Quase imediatamente, o ambiente ficou pesado, e o ar pareceu vibrar. Uma figura translúcida emergiu no espelho, com olhos sábios e um sorriso acolhedor. Esmê, a avó de Ravena, era uma presença poderosa, mesmo em espírito.- Eu já sei por que me chamou, minha pequena Ravena - disse Esmê, sua voz ecoando como um sussurro entre mundos.Ravena respirou fundo, hesitante, mas sua preocupação logo emergiu em palavras.- Eu temo pelo que Luna pode ser, vó. Temo por ela... e por seu futur