Molly
Quando meus pais me perguntaram se deixar os Estados Unidos e consequentemente todo o conforto de nossa casa para vir a Londres, longe de toda a minha família e amigos, era realmente o que eu queria, eu não pensei nem duas vezes antes de dizer que sim.
Mas agora que já estava morando na cidade dos meus sonhos há quase dois meses, eu via que a coisa era um pouco mais difícil do que parecia quando sonhava em me mudar para cá. Apesar de muito educados, os londrinos nem sempre eram muito amigáveis e estavam sempre em uma correria com a qual eu ainda estava tentando me acostumar.
Sem contar que de todas as colegas de quarto que eu poderia ter, tinha de dividir o quarto justamente com a que aparentemente não gostava de ninguém. Desde que cheguei ali, no fim de maio, Isla nunca havia me olhado com uma cara boa ou me dito algo legal. Parecia estar irritada com o fato de que sua colega de quarto não era exatamente quem ela desejava que fosse, mas eu estava começando a me acostumar com isso. Não podia deixar que esse pequeno detalhe me desanimasse.
Eu estava ali para finalmente começar meus estudos em ballet clássico na Royal Academy of Dance, a faculdade com a qual eu sonhava desde quando tinha pouco mais de quinze anos e uma amiga que era estudante de intercambio em minha escola me contou sobre essa faculdade e como ela era bem vista.
No início, eu pensei que seria querer demais conseguir uma vaga em um lugar tão concorrido como aquele, mas não poderia desistir de fazer algo que era meu sonho. Eu me inscrevi para os testes, e meus pais pagaram pela viagem, demonstrando todo seu apoio pelo que eu queria.
Tentei por três anos seguidos, desde que me formei no ensino médio, e infelizmente não havia sido aceita em nenhuma delas. Eu pensei até em desistir e tentar em alguma faculdade em meu país mesmo, mas decidi me dar uma última chance de tentar realizar esse sonho.
E foi assim que me aceitaram.
Sempre que pensava em quando a carta de aceitação chegou à minha casa e eu quase desmaiei de tanta emoção, um sorriso gigantesco se formava em meus lábios de maneira instantânea.
E mesmo não querendo que eu me mudasse para outro país, meus pais me apoiaram em minha decisão e disseram que me ajudariam com tudo o que eu precisasse, além dos custos da faculdade, até que conseguisse um emprego.
Não que eu precisasse de um emprego para me manter ali, já que minha família tinha condição o suficiente para me sustentar sem que eu precisasse me preocupar, mas eu queria trabalhar e não precisar depender deles.
— Ei, América, quando terminar de lavar seus collants, vê se não os deixa para secar em qualquer lugar, ok? — Isla pediu, aparecendo na porta do meu quarto com os cabelos enrolados em uma toalha e sua expressão de desprezo estampada em seu rosto.
— Me desculpa, Isla — respondi, seguindo Isla para fora do quarto, terminando de colocar meu celular dentro da bolsa. — Eu nem vi onde eu estava colocando, tenho um curso extra que começa hoje, e estava totalmente distraída — completei, tentando manter as tranças em um coque.
— Que bom para você. — Sorriu de maneira debochada, tirando a toalha da cabeça e revelando os cachos caramelos do cabelo enquanto voltava a prestar atenção na televisão.
Realmente, aquela garota não gostava nem um pouco de mim. Todas as minhas tentativas de me aproximar foram frustradas, porque ela parecia estar puta comigo sempre, por motivos que eu não entendia.
Suspirando, deixei o apartamento que dividíamos e segui em direção ao metro para ir ao campus onde o curso de ballet contemporâneo seria ministrado. Eu estava me deixando animar com a possibilidade de fazer amizade com alguém por lá, já que minha colega de quarto parecia me odiar.
Em momentos como aquele eu sentia um pouco de saudades de casa e principalmente de minha melhor amiga de toda a vida, Ashley. Era terrível ter de ir para a aula naquele silêncio, e isso me fazia sentir falta de algo que eu sempre reclamava: sua ausência de controle com as palavras.
Mais nervosa do que já estava por ir a uma aula em que não conhecia ninguém, dei de ombros e, colocando meus fones de ouvido, continuei o caminho em direção ao estúdio em que o curso seria ministrado.
— Boa tarde, estou aqui para o curso. — Falei, tirando os fones e sorrindo para a recepcionista.
A mulher sorriu e assentiu, perguntando:
— Qual o seu nome, senhorita?
— Molly Parker.
Procurou meu nome por alguns segundos e, quando o achou, me pediu que assinasse meu nome na lista de presentes, logo em seguida liberando minha entrada. Várias pessoas já estavam se alongando ao som de uma música ambiente maravilhosa, outras conversando e rindo em grupinhos, enquanto eu dava passos tímidos em direção ao trocador.
Era estranho não estar ainda em algum grupo, sendo que eu sempre fui do tipo de pessoa que fazia amizade com muita facilidade. Porém não conseguia mais ser eu mesma perto de novas pessoas, provavelmente por estar extasiada em finalmente poder viver o que sonhava havia tantos anos.
Assim que terminei de me trocar, guardei minha bolsa e me juntei aos outros presentes, fazendo alongamentos e pensando no que minha amiga estaria fazendo uma hora dessas em nossa cidade natal, Seattle. Provavelmente enfiada em um dos livros que precisava ler, por conta de sua faculdade, que também estava prestes a iniciar outro ano letivo. Ashley é quatro anos mais velha do que eu, estava no segundo ano do curso de Direito e era uma das queridinhas dos professores por conta de suas notas incríveis.
Enquanto terminava mais um dos alongamentos, uma das garotas que estava conversando ao meu lado se aproximou. Ela era alguns centímetros mais alta do que eu, tinha os cabelos claros presos em coque e um sorriso estampado nos lábios finos que me pareceu genuíno.
— Ei, você é nova aqui, não é? — ela perguntou, com aquele sotaque incrível que a grande maioria possuía, me encarando com entusiasmo.
— Sim, cheguei há pouco tempo. — Fiquei levemente nervosa por finalmente iniciar uma conversa normal com alguém que não me odiava desde o primeiro segundo. — Muito prazer, meu nome é Molly.
— Elena. — Sorriu enquanto apertava minhas mãos de leve. — É um prazer conhecê-la, Molly. Bom, como eu já fui novata por aqui também, me senti no dever de te avisar que a professora não pega leve — continuou, fazendo uma careta no mesmo instante em que a responsável pelo curso aparecia. — Prepare seus remédios para dor, bonitinha. Amanhã, você mal vai aguentar ficar de pé.
Elena deu mais um sorriso e se afastou, enquanto eu ainda sentia meus olhos arregalados de pavor, só de imaginar o que aquela senhora de quase setenta anos poderia fazer conosco para remédios serem necessários.
**
Eu não deveria ter subestimado aquela senhora.
Meu corpo todo doía, como se alguém tivesse passado por cima de mim com diversos cortadores de grama ao mesmo tempo. Eu mal conseguia mexer meus dedos e estava agradecendo por não ter nada para fazer pelo resto do fim de semana.
Enquanto me movia como uma lesma em direção à cozinha, Isla saiu de seu quarto e, rindo, perguntou:
— Dia difícil, América?
— Pois é, a professora pegou pesado conosco ontem — respondi, tomando outro remédio e a observando. Ela terminava de passar protetor solar em sua pele alguns tons mais escuros que a minha. — Vai passear?
— Sim, eu minhas amigas vamos dar uma volta por aí — disse sem entrar em muitos detalhes. — Só não te convido porque eu não quero. Tchauzinho.
Dei um suspiro enquanto escutava a porta fechar e começando a andar de volta para o quarto.
É, os próximos anos seriam incríveis tendo aquela garota como colega de quarto.
Luke Reli a letra pela terceira vez e acabei por apagar metade do que havia escrito — pela segunda vez em dez minutos. Nada parecia certo naquilo, e eu já estava cansado de reescrever aquela música, ainda sem um tema certo. Não era fácil ter de preparar uma música nova sem a ajuda de Zach, meu melhor amigo e a pessoa com quem eu tocava nas noites londrinas. Principalmente quando a única hora que eu tinha disponível para isso era durante meu horário de descanso no meu trabalho, um café badalado no centro da cidade. Aquele não era o trabalho com o qual eu sonhava, mas era o que eu precisava para me manter. O trabalho que, mesmo não me sustentando, eu realmente amava fazer era quando finalmente saía dali e, junto com meu amigo, ia tocar nas estações do metro. — Luke, seu horário de almoço ainda não acabou? — Lila, uma das minhas colegas de trabalho, perguntou, se aproximando. — Ainda não. — Sorri, tentando voltar a prestar a atenção no meu processo de criação. Apesar de fazermos v
Molly Eu consegui sobreviver ao primeiro mês de aula, e não poderia estar mais orgulhosa de mim. Tudo bem que quase não possuía tempo para nada, nem mesmo conseguia ligar para minha família, mas estava adorando tudo. Quando o último fim de semana do mês finalmente chegou, eu sabia que desejava aproveitar ao máximo, por isso fiz todos os trabalhos extras durante a sexta à noite e deixei meu sábado livre, para que eu pudesse fazer o que quisesse. E foi assim que consegui ficar o dia quase todo deitada no sofá, colocando minhas séries em dia, comendo besteira e conversando com Ashley por chamada de vídeo. — Como assim você não saiu ainda, Molly? Parece até que eu não te ensinei a aproveitar a vida direito! — brigou comigo, me fazendo dar uma risada. — Ash, não tem graça sair sem você comigo. É sério. — Ué, mas você já está morando aí tem quatro meses, tenho certeza que já fez amizade com várias pessoas! — começou a falar, se movendo pelo seu quarto tão rapidamente, que me deixou to
Luke O verão chegou ao fim e levou com ele a grande maioria dos turistas, fazendo com que eu tivesse que voltar a apenas tocar no metrô — consequentemente diminuindo o valor que conseguíamos tirar das nossas apresentações. Seria muito ingrato da minha parte se eu dissesse que estava triste em ter de depender quase totalmente da minha renda do café? Porque era como eu me sentia, levemente chateado por ver mais uma vez a oportunidade de passar aquelas horas extras fazendo o que eu amava de verdade sendo usada em um trabalho que me sustentava, porém não me preenchia como a música. Mas com a temperatura caindo cada vez mais, as pessoas saíam menos de suas casas, consequentemente frequentando menos áreas abertas como os parques e indo direto para cafés e restaurantes. Eu andava entre as mesas, atendendo os clientes com sorriso nos lábios, porém com a mente longe. O dia seguinte era o aniversário da minha mãe, e eu a visitaria, mas não estava muito animado para isso. Sim, eu amo a minh
Molly Comprar um ingresso para a London Eye não foi muito difícil como pensei que seria para um sábado. Mas agradeci internamente por aquilo, não queria ter de enfrentar uma fila gigantesca. Com a cabeça ainda cheia com o que havia ocorrido mais cedo, nem notei por onde estava seguindo. Eu só conseguia pensar no quanto eu queria ter alguém que me amasse e me entendesse bem, como Ashley, minha irmã Haley ou meus pais. Mas acho que não podemos ter tudo o que queremos, não é? Finalmente notei que estava no caminho errado, quando parei do lado oposto ao da entrada das cabines, e a observei começar a se mover. — Droga...! — sussurrei, dando meia-volta e andando em direção contrária. Faltando alguns passos para a fila, enquanto sentia o vento gelado na minha nuca, escutei o som de um violão e parei de andar. Seja lá quem estivesse tocando, sabia muito bem o que estava fazendo, além de ser uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos, o que me fez dar um pequeno sorriso. Fiquei c
Luke Fui para London Eye em busca de um pouco da paz que somente a vista da minha amada cidade poderia me dar, mas quando vi aquela pequena quantidade de pessoas à espera para entrar na roda-gigante também, me desanimei um pouco. Não estava no modo social para aguentar uma cabine cheia de pessoas conversando e se divertindo, por isso resolvi ficar em um canto mais afastado, tocando um pouco e esperando que algumas pessoas fossem embora para que eu pudesse finalmente ir. Depois de iniciar duas músicas diferentes, lembrei do meu pai e de como eu estava sentindo sua falta naquele dia em especial e comecei a tocar So Far Away quase que instantaneamente. O que não estava esperando era que alguém fosse me encontrar ali, muito menos começar a cantar comigo. Em um primeiro momento, me assustei ao abrir os olhos e encontrar aquela garota sentada à minha frente, algumas lágrimas escapando dos olhos fechados, encharcando a pele negra de suas bochechas e com um sorriso enorme nos lábios cheio
MollyUm mês se passou desde aquela noite que começou de maneira terrível, mas que terminou de maneira incrível. A noite em que a minha colega de quarto se mostrou uma idiota completa e que conheci Luke.Muita coisa melhorou depois daquela noite.Eu finalmente estava me sentindo mais à vontade ali, não ligava mais para a presença de Isla, que também parecia fazer o maior esforço do mundo para me ignorar — e eu não poderia estar mais agradecida por aquilo.E o melhor de tudo: eu não me sentia mais tão solitária. Agora eu tinha a companhia de Luke quase todo o tempo, fosse por mensagens trocadas durante meu horário de aula, ou nos fins de semana, quando ele e Zach não tocavam. Quando, durante a semana, conseguia sair mais cedo de seu segundo trabalho, ele cumpria o que havia me prometido na noite em que nos conhecemos: era meu guia turístico pela cidade.Conforme nos aproximávamos mais, eu via que além de ser extremamente talentoso, ele era uma pessoa doce e divertida. Cada momento que
LukeDeus, eu não me sentia tão nervoso assim há muito tempo. Eu andava de um lado para o outro na sala, o celular na mão, me sentindo estranho por usar aquele terno.— Cara, para de andar assim! Está me deixando tonto — Zach reclamou, tirando os olhos do celular e me encarando. — Que foi? Está com medo de Molly te dar um bolo?Senti meus olhos arregalarem, mas neguei com a cabeça; a resposta não era para aquela pergunta, mas sim para a possibilidade de tais palavras se concretizarem.Droga, eu devia estar parecendo um adolescente que nunca tinha saído com alguém antes. Nem parecia que eu já tivera relacionamentos antes de conhecer Molly. Já sabia como as coisas funcionavam muito bem.Mas, então, por que eu me sentia como se aquela fosse a primeira vez em que convidava alguém para sair? Talvez fosse pela maneira que me sentia com ela a cada dia que passava ao seu lado, mesmo não sabendo se para Molly ocorria a mesma sensação.— Estou brincando, Luke — Zach voltou a falar, se arrumando
Molly Ah, se quando cheguei aqui soubesse que viver em Londres seria tão incrível, talvez não tivesse me deixado abalar pelo fato de que minha colega de quarto me odiava. Pensando bem, se eu não tivesse deixado que ela conseguisse me magoar, não teria conhecido Luke há dois meses. Eu deveria agradecê-la por isso? Melhor nem tentar. Isla além de me ignorar — algo que eu não reclamaria nunca —, vivia tentando atrapalhar os poucos momentos em que eu e Luke estávamos juntos no apartamento. Mesmo assim, eu não ligava. Estava feliz demais para deixar que ela me fizesse desmoronar. Após nosso encontro, que acabou se resumindo mais a uma maratona de séries e um incrível beijo, Luke e eu já não estávamos mais tentando disfarçar o que sentíamos. Aquele primeiro beijo se multiplicou rapidamente. Primeiro vieram os beijos disfarçados, trocados na estação de metrô, após mais um de nossos passeios pela cidade; depois surgiram os entre risadas no meio de cafés, na London Eye, mas apareciam prin