Estranha

Luke

Fui para London Eye em busca de um pouco da paz que somente a vista da minha amada cidade poderia me dar, mas quando vi aquela pequena quantidade de pessoas à espera para entrar na roda-gigante também, me desanimei um pouco.

Não estava no modo social para aguentar uma cabine cheia de pessoas conversando e se divertindo, por isso resolvi ficar em um canto mais afastado, tocando um pouco e esperando que algumas pessoas fossem embora para que eu pudesse finalmente ir.

Depois de iniciar duas músicas diferentes, lembrei do meu pai e de como eu estava sentindo sua falta naquele dia em especial e comecei a tocar So Far Away quase que instantaneamente.

O que não estava esperando era que alguém fosse me encontrar ali, muito menos começar a cantar comigo. Em um primeiro momento, me assustei ao abrir os olhos e encontrar aquela garota sentada à minha frente, algumas lágrimas escapando dos olhos fechados, encharcando a pele negra de suas bochechas e com um sorriso enorme nos lábios cheios, porém não parei de cantar.

Algo dentro de mim me disse que talvez ela precisasse mais daquela canção do que eu. Porém, quando a música acabou, eu não disse nada — aliás, acho que não conseguiria dizer mesmo que quisesse.

Estava encantado com aquela garota, mesmo sem que ela tivesse dito uma palavra sequer e ainda mantivesse seus olhos fechados. Quando os abriu, tomou um susto ao notar que eu a observava, se afastando e pedindo desculpas por ter ficado ali, me encarando.

Depois de algumas poucas palavras trocadas, estávamos ali, naquela cabine, praticamente sozinhos, conversando sobre amenidades e observando a minha amada cidade do alto.

— Eu fui tão boba por ter demorado tanto para vir aqui... — falou, baixinho, sorrindo largamente. — É tão lindo.

— Concordo com as duas partes — soltei, escutando sua risada e sorrindo. — Ei, eu te prometi uma música também, não foi?

— Sim, e eu estou ansiosa para te ouvir tocar, você é muito bom nisso. — Sorriu, e eu senti meu rosto esquentar. Ser elogiado nunca me deixou muito à vontade, e vindo daquela estranha, que já não me era tão estranha mais, me deixou ainda mais envergonhado.

— E o que você vai querer ouvir? — perguntei, mexendo na case do violão.

— Nossa, não sei. Algo do U2, talvez? — comentou, e eu apenas assenti.

Logo comecei a tocar Where The Streets Have No Name, observando Molly sussurrar a letra junto comigo, sem tirar os olhos de mim. Ela tinha um brilho engraçado em seus olhos, e fiquei curioso para saber do que se tratava.

Sem contar que, mesmo não sabendo se ela se sentia da mesma forma, eu estava me sentindo totalmente confortável ao seu lado, como não me sentia havia muito tempo.

I’ll show you a place, high on a desert plain, where the streets have no name[1]cantei, me levantando e me encostando na parede da cabine, sem deixar de tocar por um segundo sequer.

Assim que a música chegou ao fim, Molly bateu palmas e logo riu quando fiz um agradecimento exagerado, me sentindo levemente bobo por isso. Eu estava agindo de forma estranha perto dela.

O que estava acontecendo comigo?

— Se eu falar pela terceira vez que você é muito bom nisso, vai ser estranho? Porque você realmente é — disse, sorrindo, e eu apenas mexi em meus cabelos.

Eu simplesmente não sabia o que dizer, por isso sorri, e o silêncio que se instalou conforme a cabine começava a alcançar o chão não era nem um pouco incômodo — mesmo que em minha cabeça, uma vozinha insistente dissesse que eu não poderia deixar aquela garota ir embora sem ter certeza que a veria novamente.

Por isso, assim que colocamos os pés para fora da cabine, comecei a falar:

— Ei, eu sei que isso pode parecer meio estranho, já que acabamos de nos conhecer, mas eu gostei muito da sua companhia. Principalmente depois do dia que eu tive.

— Não é nem um pouco estranho, eu me sinto assim também — falou, dando de ombros e sorrindo.

— Então, eu queria saber se você quer sair comigo amanhã. Pelo que você me falou mais cedo, ainda não conhece quase nada da cidade, então eu poderia te levar a um dos meus lugares favoritos daqui — continuei a falar enquanto caminhávamos em direção ao metrô.

— Onde? — perguntou com curiosidade.

— Hyde Park. O que acha?

— Acho uma boa. Me passa seu número, para que possamos combinar direitinho. — pediu, me estendendo seu telefone, e eu lhe entreguei o meu, para que pudesse anotar seu número também. — O meu trem já está chegando. Te vejo amanhã, então. — Continuou, enquanto o trem em direção a Peckham começava a estacionar. — Boa noite, Luke Thomas.

— Boa noite, Molly Parker. — Sorri e acenei, observando o trem se mover.

**

— O que te trouxe a Londres, Molly? — perguntei, a observando se sentar ao meu lado, em um dos únicos bancos vagos do parque, sem deixar de me encarar.

Era uma tarde de domingo de temperatura tão agradável para o outono, que mesmo o vento mais frio que bagunçava meus cabelos não incomodava tanto. A noite passada foi uma das mais agitadas que tive nos últimos meses, tamanha era minha ansiedade para me reencontrar com aquela mulher.

Quando, na manhã seguinte, ela me mandou uma mensagem animada de bom dia, perguntando se poderíamos nos encontrar na parte da tarde, na estação de metrô mais próxima do parque, a adrenalina e animação tomaram conta de mim, e só se acalmaram um pouco, quando a avistei se aproximando com um sorriso animado nos lábios pintados com batom avermelhado.

— Eu estou estudando ballet clássico na RAD, que tem o melhor programa de dança que eu já vi — respondeu com entusiasmo escorrendo por suas palavras.

— RAD?

— Royal Academy of Dance — explicou, acertando a jaqueta em volta dos ombros.

— Ah, sim. Mas com tantas faculdades incríveis perto de você, por que decidiu vir para cá? — indaguei novamente.

Molly voltou a olhar para frente, parecendo pensar em uma resposta enquanto se perdia na vista de grande parte do parque, que estava consideravelmente vazio. O sorriso que surgiu em seus lábios e a maneira com que seus olhos ganharam um leve brilho, pouco antes de voltar a me encarar, mexeram comigo de uma maneira louca.

— Eu me apaixonei pela ideia de estudar aqui, me apaixonei pela cidade. Mas quem não se apaixonaria, não é? Ela é tão... — Novamente desviou o olhar, e eu consegui ver uma pequena lágrima de pura animação escapar de seus olhos. Não pude conter o leve acelerar do meu coração. — Tão maravilhosa... Eu encontrei meu lugar, você entende o que quero dizer?

— Perfeitamente. Eu nasci aqui, mas poderia perfeitamente não me sentir tão ligado à cidade e querer ir embora — disse, também observando o movimento. — Porém aqui é meu lugar também, não me vejo morando em outro local, assim como não me imagino fazendo outra coisa que não seja o que eu amo.

— Música? — perguntou de maneira animada e me fez sorrir.

— Exatamente.

— Te entendo perfeitamente. Eu me sinto assim quanto à dança — falou, voltando a chamar minha atenção para seu rosto, que agora exibia uma expressão levemente triste. — Uma pena que nem todo mundo está contribuindo para isso.

— Sua família também não te apoia? Foi por essa razão o comentário de que a noite passada foi ruim? — questionei, assustado com a possibilidade de termos algo tão ruim quanto isso em comum.

— Não, graças ao bom Deus, eles me apoiam muito. O problema é minha colega de quarto — começou a falar e então me contou sobre a maneira como Isla, sua colega de quarto, a tratava desde o dia em que colocou os pés em Londres. — Ela simplesmente me detesta, e eu não sei por quê. E a pior parte é saber que terei de conviver com ela pelos próximos anos, ou até ter como pagar o aluguel de outro lugar.

— Eu sinto muito, de verdade.

— Tudo bem, uma hora ou outra, eu me acostumo. Ela só me pegou de guarda baixa. — Deu de ombros, forçando um sorriso, e eu apenas assenti de leve. — Mas acho que não é pior do que sua situação, não é?

— Como assim? — soltei, sentindo minhas sobrancelhas levantarem de surpresa e confusão.

— Você me perguntou se minha família também não me apoiava, então...

— Oh... pois é. Minha mãe não acha que ser músico é muito promissor, sabe? — comecei a contar, encarando minhas mãos. — Já meu pai, ele era meu maior fã, me dava seu apoio total. Quando ele faleceu, minha mãe ficou ainda mais dura quanto a isso.

— Deus, isso é terrível. Sinto muito. — murmurou, olhando para frente. — Mas, sabe, um dia ela vai entender que não adianta lutar contra algo que te faz tão bem e feliz. Pode ter certeza.

— Assim eu espero. — Sorri sem muita animação, e o silêncio se instalou entre nós por alguns instantes, até que respirei fundo e me levantei. — Acho que não foi para conversarmos sobre coisas tristes que viemos até aqui, não é? Que tal eu te mostrar tudo o que de melhor tem aqui no parque? — completei, estendendo a mão em sua direção e sorrindo quando ela aceitou de bom grado:

— Vamos.

E assim eu tive uma das melhores tardes dos últimos dois anos, conversando, rindo e me divertindo com Molly, que também parecia estar adorando cada segundo de nosso passeio.

Acho que dá próxima vez que for visitar minha mãe, precisarei agradecer pelo que ela fez comigo no dia de seu aniversário.

[1] Eu te mostrarei um lugar/ Acima das planícies desérticas/ Onde as ruas não têm nome

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