Luke
O verão chegou ao fim e levou com ele a grande maioria dos turistas, fazendo com que eu tivesse que voltar a apenas tocar no metrô — consequentemente diminuindo o valor que conseguíamos tirar das nossas apresentações.
Seria muito ingrato da minha parte se eu dissesse que estava triste em ter de depender quase totalmente da minha renda do café? Porque era como eu me sentia, levemente chateado por ver mais uma vez a oportunidade de passar aquelas horas extras fazendo o que eu amava de verdade sendo usada em um trabalho que me sustentava, porém não me preenchia como a música.
Mas com a temperatura caindo cada vez mais, as pessoas saíam menos de suas casas, consequentemente frequentando menos áreas abertas como os parques e indo direto para cafés e restaurantes.
Eu andava entre as mesas, atendendo os clientes com sorriso nos lábios, porém com a mente longe. O dia seguinte era o aniversário da minha mãe, e eu a visitaria, mas não estava muito animado para isso.
Sim, eu amo a minha mãe com todo meu coração, nos dávamos bem em vários aspectos, porém quando se tratava de minhas escolhas pessoais e profissionais, a coisa mudava um pouco.
E talvez eu estivesse daquele jeito, com a cabeça longe e sem saber exatamente o que fazer, por saber que assim que entrássemos no assunto música e dos frutos que ela estava me trazendo, a situação começaria a ficar feia.
Após terminar de atender um dos últimos clientes a deixar o café, ajudei Erin a fechar as portas e a observei fechar o caixa, ainda com a mente presa nos milhares de caminhos em que a noite seguinte poderia seguir — e nenhum deles era promissor.
— Luke, tá me escutando? — Erin perguntou, balançando uma das mãos em frente ao meu rosto e finalmente chamando minha atenção. — O que foi?
— Aniversário da minha mãe amanhã — disse com simplicidade, e Erin apenas balançou a cabeça em entendimento. Ela me conhecia muito bem e há tempo suficiente para saber exatamente o que estava acontecendo ali, e por esse mesmo motivo, me deixou quieto até o momento em que estávamos indo embora, quando perguntou:
— Você e Zach vão tocar em algum lugar esse fim de semana?
— Não. Com o fim do verão, tocar fora do metrô começou a ficar um pouco desagradável, e por isso vamos diminuir a quantidade de noites — expliquei, dando de ombros e arrumando a jaqueta em meu corpo, já que aos poucos o frio se aproximava mais. — E também, com o aniversário da minha mãe, eu prefiro assim. Pelo menos evito uma briga com ela.
— Entendi — soltou, depois de algum tempo, enquanto andávamos em direção ao metrô.
Continuamos conversando, até que o metrô parou na estação em que Erin descia. Isso me fez voltar para os meus pensamentos desagradáveis novamente. O dia seria puxado, sabendo que teria que manter minha guarda alta o tempo todo, torcendo para que as horas passassem o mais rápido possível.
**
A primeira parte da comemoração do aniversário de minha mãe foi tranquila, um almoço fora, apenas com algumas pessoas da nossa família: duas tias, alguns primos e primas, além de minha irmã mais velha, Jessica, seu marido, Archie, e minha sobrinha. Demos muitas risadas, conversamos sobre questões políticas, enquanto eu observava minha irmã e meu cunhado brincarem com a pequena Poppy, minha sobrinha de dois anos de idade.
Assim que voltamos para casa, ficamos apenas nós cinco, conversando, bebendo e tentando fazer com que minha mãe não ficasse triste sempre que meu pai era citado nas conversas.
— Junior, se lembra o que Luke disse quando ele te comprou aquele primeiro violão, que você estava o pedindo tanto? — mamãe perguntou, e dei um sorriso triste, olhando para Jessica, que também sorria com tristeza e apreensão.
Essa era sempre a deixa para brigas. Falar de meu pai, Luke Thomas sênior, era o que levava às nossas discussões sobre música, principalmente depois de sua morte. Meu pai era o grande incentivador do meu sonho de ser músico. Minha mãe sempre brigou com ele por esse motivo, já que achava que alimentar meus sonhos era besteira e não me deixaria crescer de verdade. Quando ele faleceu devido a um ataque cardíaco no dia de seu aniversário de cinquenta anos, dois anos atrás, as brigas e reclamações foram todas transferidas diretamente para mim.
— Claro que me lembro, mamãe. Ele disse que aquele violão era de velho, de segunda mão, mas que a música que eu tiraria dele seria de primeira linha — respondi, sorrindo um pouco mais e observando a foto de nossa família, acima da televisão.
Aquela foto antiga, de quando eu tinha dezesseis anos e Jessica, dezoito, era a única em que tínhamos de nosso pai, já que ele nunca gostou muito de tirar fotos. Aceitou aquela por ser na ocasião da formatura da minha irmã.
Em seu rosto, tão parecido com o meu, estava um sorriso gigantesco que deixava seus olhos, daquele tom de castanho, apertados, enquanto abraçava minha irmã com um braço e a minha mãe com o outro.
Ri um pouco ao notar a pose que eu fazia — polegares levantados na altura do rosto, olhos quase totalmente fechados, um sorriso mínimo e o corpo meio agachado na frente de todos — e me lembrei que alguns segundos antes de a foto ser tirada, meu pai estava rindo do meu novo cabelo platinado, dizendo que eu não ficava bem de qualquer maneira como ele.
Erros de adolescente, que me rendiam uma certa nostalgia, principalmente por me lembrarem de meu pai.
— Pois é, seu pai sempre alimentou esses sonhos bobos em vocês, por isso brigávamos tanto, sabe? — falou, dando um gole na bebida em seu copo. — Ele te deixou sonhador demais, distante da realidade.
— Mamãe... — Jessica alertou, observando nossa mãe dar de ombros.
— E eu estou falando alguma mentira, Jess? Luke colocou tanta besteira sobre sonhos serem possíveis para pessoas como nós, que seu irmão praticamente me abandonou para isso — continuou a falar, de maneira amarga, me encarando.
— Ah, mas estava demorando muito para a verdadeira dona Abigail Thomas aparecer! — soltei, sem a encarar. — E então, mamãe, qual vai ser o xingamento da vez, hein?
— E eu é que pergunto, Junior! Está conseguindo viver de sonhos, como seu pai te fez acreditar que era possível? Eles andam enchendo a sua barriga e pagando suas contas, ou você continua na mesma, tendo de trabalhar naquele café para ter como se sustentar? Ou já acordou para realidade e resolveu crescer?
— Eu não sou obrigado a ficar aqui ouvindo isso. — Suspirei longamente, me levantando do sofá.
— Isso, fuja novamente da sua mãe, que apenas quer te ajudar! — gritou, enquanto eu andava em direção a saída da casa. — Mas quando você e Zachery não conseguirem mais pagar suas contas apenas com os trocados que tiram com as noites em que tocam, não venha correndo até mim!
— Feliz aniversário, dona Abigail — soltei com simplicidade, deixando a casa, me sentindo emocionalmente arrasado.
— Luke, espera aí! — Jessica gritou, me seguindo para fora da casa.
— Jess, eu não queria que a noite terminasse assim, mas eu já deveria saber que vir aqui daria nisso.
— Um dia ela vai entender, irmãozinho. — Sorriu de maneira triste, beijando minha testa e me abraçando com força.
— Eu espero que sim, Jess. Não tem sido fácil... — sussurrei, apertando minha irmã um pouco mais em meus braços.
— Vai dar tudo certo, você vai ver. Agora vai para casa, depois nos falamos de verdade, ok?
— Ok, depois eu vou à sua casa. Tchau, Jess. — Tentei sorrir, soltando minha irmã e voltando a caminhar em direção ao metrô.
Minha cabeça doía, e minha mente estava presa em meu pai. Às vezes, me pegava imaginando se, caso ele estivesse ali, eu ainda estaria morando naquela mesma casa ou se pelo menos as coisas seriam um pouco diferentes de agora. Talvez ele fosse a única pessoa que conseguiria mudar o pensamento de minha mãe, mostrar para ela que aquilo não era loucura ou infantilidade.
Era tão difícil assim enxergar que eu apenas estava tentando ser feliz, como meu pai sempre me disse que eu merecia ser? Fazendo aquilo que eu gostava e, não sendo muito modesto, que era incrível?
Quando cheguei em casa, não encontrei Zach e agradeci por isso. Não aguentaria ter uma conversa com ele naquele momento e resolvi que precisava de um tempo longe de casa.
E tocar, definitivamente eu precisava tocar um pouco. Decidi ir para um lugar que eu sabia que não estaria muito movimentado naquele horário. Com meu violão em sua case, peguei um metrô em direção a London Eye.
Sabia que a vista da cidade daquele ponto, combinada com a música conseguiria me acalmar um pouco.
E eu torcia verdadeiramente para que aquilo fosse possível.
Molly Comprar um ingresso para a London Eye não foi muito difícil como pensei que seria para um sábado. Mas agradeci internamente por aquilo, não queria ter de enfrentar uma fila gigantesca. Com a cabeça ainda cheia com o que havia ocorrido mais cedo, nem notei por onde estava seguindo. Eu só conseguia pensar no quanto eu queria ter alguém que me amasse e me entendesse bem, como Ashley, minha irmã Haley ou meus pais. Mas acho que não podemos ter tudo o que queremos, não é? Finalmente notei que estava no caminho errado, quando parei do lado oposto ao da entrada das cabines, e a observei começar a se mover. — Droga...! — sussurrei, dando meia-volta e andando em direção contrária. Faltando alguns passos para a fila, enquanto sentia o vento gelado na minha nuca, escutei o som de um violão e parei de andar. Seja lá quem estivesse tocando, sabia muito bem o que estava fazendo, além de ser uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos, o que me fez dar um pequeno sorriso. Fiquei c
Luke Fui para London Eye em busca de um pouco da paz que somente a vista da minha amada cidade poderia me dar, mas quando vi aquela pequena quantidade de pessoas à espera para entrar na roda-gigante também, me desanimei um pouco. Não estava no modo social para aguentar uma cabine cheia de pessoas conversando e se divertindo, por isso resolvi ficar em um canto mais afastado, tocando um pouco e esperando que algumas pessoas fossem embora para que eu pudesse finalmente ir. Depois de iniciar duas músicas diferentes, lembrei do meu pai e de como eu estava sentindo sua falta naquele dia em especial e comecei a tocar So Far Away quase que instantaneamente. O que não estava esperando era que alguém fosse me encontrar ali, muito menos começar a cantar comigo. Em um primeiro momento, me assustei ao abrir os olhos e encontrar aquela garota sentada à minha frente, algumas lágrimas escapando dos olhos fechados, encharcando a pele negra de suas bochechas e com um sorriso enorme nos lábios cheio
MollyUm mês se passou desde aquela noite que começou de maneira terrível, mas que terminou de maneira incrível. A noite em que a minha colega de quarto se mostrou uma idiota completa e que conheci Luke.Muita coisa melhorou depois daquela noite.Eu finalmente estava me sentindo mais à vontade ali, não ligava mais para a presença de Isla, que também parecia fazer o maior esforço do mundo para me ignorar — e eu não poderia estar mais agradecida por aquilo.E o melhor de tudo: eu não me sentia mais tão solitária. Agora eu tinha a companhia de Luke quase todo o tempo, fosse por mensagens trocadas durante meu horário de aula, ou nos fins de semana, quando ele e Zach não tocavam. Quando, durante a semana, conseguia sair mais cedo de seu segundo trabalho, ele cumpria o que havia me prometido na noite em que nos conhecemos: era meu guia turístico pela cidade.Conforme nos aproximávamos mais, eu via que além de ser extremamente talentoso, ele era uma pessoa doce e divertida. Cada momento que
LukeDeus, eu não me sentia tão nervoso assim há muito tempo. Eu andava de um lado para o outro na sala, o celular na mão, me sentindo estranho por usar aquele terno.— Cara, para de andar assim! Está me deixando tonto — Zach reclamou, tirando os olhos do celular e me encarando. — Que foi? Está com medo de Molly te dar um bolo?Senti meus olhos arregalarem, mas neguei com a cabeça; a resposta não era para aquela pergunta, mas sim para a possibilidade de tais palavras se concretizarem.Droga, eu devia estar parecendo um adolescente que nunca tinha saído com alguém antes. Nem parecia que eu já tivera relacionamentos antes de conhecer Molly. Já sabia como as coisas funcionavam muito bem.Mas, então, por que eu me sentia como se aquela fosse a primeira vez em que convidava alguém para sair? Talvez fosse pela maneira que me sentia com ela a cada dia que passava ao seu lado, mesmo não sabendo se para Molly ocorria a mesma sensação.— Estou brincando, Luke — Zach voltou a falar, se arrumando
Molly Ah, se quando cheguei aqui soubesse que viver em Londres seria tão incrível, talvez não tivesse me deixado abalar pelo fato de que minha colega de quarto me odiava. Pensando bem, se eu não tivesse deixado que ela conseguisse me magoar, não teria conhecido Luke há dois meses. Eu deveria agradecê-la por isso? Melhor nem tentar. Isla além de me ignorar — algo que eu não reclamaria nunca —, vivia tentando atrapalhar os poucos momentos em que eu e Luke estávamos juntos no apartamento. Mesmo assim, eu não ligava. Estava feliz demais para deixar que ela me fizesse desmoronar. Após nosso encontro, que acabou se resumindo mais a uma maratona de séries e um incrível beijo, Luke e eu já não estávamos mais tentando disfarçar o que sentíamos. Aquele primeiro beijo se multiplicou rapidamente. Primeiro vieram os beijos disfarçados, trocados na estação de metrô, após mais um de nossos passeios pela cidade; depois surgiram os entre risadas no meio de cafés, na London Eye, mas apareciam prin
Molly Coordenar uma festa surpresa estava sendo até fácil, o mais difícil era tentar esconder de Luke o que estávamos fazendo, ainda mais quando ele passava metade do tempo em que estávamos juntos me perguntando o que eu não estava dizendo. Graças à ajuda de Zach, que sempre arranjava uma maneira de distrair o amigo, eu consegui enviar as coisas relacionadas à festa para Erin no tempo correto. Mas, sinceramente, eu tinha certeza de que ele já sabia, nada passava despercebido por ele. Agora estávamos todos à espera de Luke no café de Erin, totalmente decorado com balões coloridos e faixas de feliz aniversário. Luke era trazido até o café por sua irmã Jessica e Zach, e confesso que eu estava um pouco nervosa. O motivo? Bom, eu ia conhecer a irmã dele, poxa! Tudo bem, Luke já tinha me dito que Jessica era totalmente o oposto de sua mãe, mas mesmo assim eu não conseguia deixar de sentir as mãos geladas sempre que pensava em como seria esse encontro. E se ela não gostasse de mim? E se
Luke — Vamos, Luke. Não seja assim, me ajuda, vai! — Molly reclamou pela segunda vez, sentada em meu colo e me beijando de maneira carinhosa, numa clara tentativa de me convencer em ajudá-la a ensaiar alguns passos para uma de suas aulas. — Molly, você já me viu dançar? Parece que eu estou tentando fugir de alguém com uma máquina de choque! Não é nada bonito — falei, provocando uma risada gostosa em minha namorada, que se levantou e seguiu para a cozinha. Sorri com tal pensamento; se um dia eu havia acreditado que estar em um relacionamento não era para mim, eu e Molly estávamos muito bem. Minhas férias tinham finalmente chegado, e estávamos aproveitando cada segundo do inverno juntos, já que o ritmo das aulas dela diminuíram. Além disso, as festas de fim de ano se aproximavam mais e mais. Falando nelas, eu estava com um convite para fazer a Molly, mas não conseguia: passar o natal comigo e com minha família na casa da minha mãe, daqui a duas semanas. Mamãe havia me pedido descul
Molly Estiquei minha blusa pela terceira vez, ainda parada em frente ao espelho, tentando controlar minha respiração. Eu não sou de ligar muito para o que visto, afinal roupas não eram importantes, mas não conseguia afastar o medo de estar malvestida ou cometer alguma gafe. Fazer o quê? Eu estava apavorada por conhecer Abigail. Luke também não parecia muito tranquilo em reencontrar a mãe, mas não pelo mesmo motivo que eu. Aliás, o dele era um pouco mais complicado, ainda mais se tratando de como ela reagia a certas coisas. — E aí, meninas? — perguntei, girando e voltando a encarar a tela do computador, onde minha amiga e minha irmã me analisavam com expressões dignas de pessoas que entendiam de moda. — Como estou? Eu me aproveitei que nossas famílias estavam juntas para o natal, já que eram bons amigos e estavam dividindo uma casa belíssima na Itália, para obter ajuda das duas ao mesmo tempo. — Pelo amor de Deus, Molly Parker, você tem coragem de sair de casa usando isso? — minh