Século XIX – Ano de 1888
[Poucos dias após o trágico incêndio]
Ava observa as lágrimas escorrendo pelo rosto da mãe enquanto as duas cuidam de empacotar todos os pertences de Anthony. Ela simplesmente não consegue acreditar que seu amado irmão se foi para sempre, ainda tão jovem.
Assim que elas terminam de separar todas as roupas e objetos pessoais dele, a moça se lembra de algo, então vai até a cômoda e abre a gaveta.
— E quanto a esse anel que encontraram pendurado na corrente de Tony?
Ethan corre pela floresta, aos tropeços. Os galhos das árvores e arbustos batem em seu rosto e seus braços, mas ele não sente o ardor nem o sangue brotando dos cortes. Está ocupado demais tentando encontrar algum barranco ou tronco de árvore largo o suficiente, onde possa se esconder dos homens que o perseguem. Quando enfim estiver seguro e a salvo, poderá se preocupar em curar seus machucados, mas agora precisa apenas correr o mais rápido que consegue. Ele achava que a época da caça às bruxas já havia chegado ao fim, só que pelo jeito estava enganado. Bem, já tinha vivido o suficiente para saber que a humanidade nunca havia parado de perseguir aqueles que eram diferentes. Não interessa que Ethan só use seus poderes para o bem, mas sim que é capaz de fazer coisas que os outros não conseguem explicar nem entender.
Estou sentado em um dos bancos ao fundo do ônibus lotado, tentando controlar o ritmo da minha respiração, como costumo fazer sempre que me exponho a muitas pessoas ao mesmo tempo – minha experiência diz que isso me ajuda a suportar melhor a avalanche de sentimentos. Se minha mãe não tivesse insistido para que eu buscasse um dos ternos do meu pai na lavanderia do outro lado da cidade, jamais teria saído de casa. Agradeci aos céus por finalmente ter me formado no Ensino Médio e ter dois meses de férias antes de começar a faculdade. Adolescentes são cheios de emoções e lidar diariamente com todas elas por quatro anos quase me levou à loucura. Continuo sentado e imóvel, me concentrando em inspirar e expirar tranquilamente enquanto os sentimentos me atingem por todos os lados. O verão é uma época cheia de expectativas, sonhos e desejos, e sou bombardeado com empolgação, ansiedade, raiva, frustração, preocupação, amor, medo, tristeza.
Não lembro quando exatamente isso começou. Sou assim desde que me conheço por gente, por isso assumo que nasci com essa habilidade. Mas o que importa é que eu sou capaz de sentir as pessoas, de compartilhar dos sentimentos delas – medo, coragem, angústia, alívio, ansiedade, tranquilidade, amor, ódio, alegria, tristeza. É claro que é muito difícil lidar com esse talento, se é que se pode chamar assim. Já é complicado ter que administrar nossas próprias emoções, imagina quando ainda se acrescenta as das pessoas à sua volta. Mas, conforme fui amadurecendo, comecei a aprender algumas maneiras de aliviar esse fardo, coisas que me ajudam a enfrentar melhor tudo isso. Como respirar em um ritmo constante e me manter imóvel, por exemplo. O alcance dessa minha habilidade ainda não ficou muito
Entro descalço na cozinha, coçando os olhos, e paro ao lado da mesa. Minha mãe está colocando a louça suja na lava louças, os cabelos – longos, escuros e ondulados como os da minha irmã – presos em uma trança caída sobre as costas, e abre um sorriso para mim. — Bom dia, meu amor. Você acordou bem cedo hoje. Me esforço para conter um bocejo, mas falho – tive um sono muito agitado, repleto daqueles sonhos estranhos que venho tendo nas últimas semanas, e não consegui descansar o suficiente. Minha mãe termina de encher a lava louças e se vira para mim, com uma expressão preocupada. — Você parece tão cansado, filho. — Não consegui dormir muito bem. – explico. Além dos sonhos, passei boa parte da noite acordado, pensando no garoto do ônibus. Ainda não consigo entender o efeito que ele causa em mim, toda essa atração e conexão que parecem existir entre
Assim que chego em casa, vou correndo para o meu quarto e tranco a porta à chave. Sinto meus olhos arderem com as lágrimas, mas não me permito chorar. Desabo na cama, subitamente exausto. Estou extremamente confuso com o que acabou de acontecer naquela loja de artigos esotéricos. Como o garoto do ônibus pode saber que sou capaz de sentir as emoções das pessoas, como se elas me pertencessem? E da atração inexplicável que eu sinto por ele? Além do mais, Ethan – agora sei que esse é o nome dele – também disse que minha habilidade pode ser controlada e que conhece alguém que pode me ensinar a fazer isso. Eu descobri certos truques que me ajudam nesse sentido por conta própria, há bastante tempo, mas talvez essa pessoa sobre a qual ele se referiu saiba de alguns métodos que eu ainda não conheço. Não consigo entender porque Ethan tem tanto medo de mim. Pude sentir o pavor exalando dele, a angús
Na noite de domingo para segunda feira quase não consigo pregar o olho. A ansiedade em finalmente saber o que está acontecendo entre mim e Ethan me mantém acordado e durmo menos de três horas. Acordo bem cedo no dia seguinte, quando toda minha família ainda está dormindo. Me arrumo em silêncio, deixo um bilhete para os meus pais em cima da mesa da cozinha, dizendo que fui me encontrar com Jake, e saio de casa. Estou tão agitado e concentrado nos meus próprios pensamentos enquanto sigo de ônibus até a loja que não consigo prestar atenção nos sentimentos das pessoas à minha volta. Mal posso acreditar que enfim vou entender toda essa situação em que me encontro. Desço na minha parada e caminho apressado pela calçada, tremendo de nervoso. Quando chego à loja vejo que as luzes estão acesas, apesar de a placa na entrada estar virada para o lado que diz Fechado. Antes de entrar tento sentir a presença de E
Mesmo depois de a porta ter se fechado há vários minutos, continuo escondido. Então ouço a voz potente de Elijah vindo da frente da loja: — Ele já foi embora há um bom tempo, Ethan. Você não vai sair daí? Saio do quartinho nos fundos e me aproximo. — Obrigado por ter me emprestado isso. – digo, tirando o colar do meu pescoço e devolvendo a ele. – Tem certeza de que não pode tornar o efeito permanente? Não pode fazer com que o amuleto bloqueie a minha alma por tempo indeterminado e assim Anthony não possa mais me sentir? Elijah balança a cabeça, os dedos acariciando suavemente o pequeno cristal violeta pendurado no cordão. — Tenho. Depois de ativado, o poder da pedra dura no máximo duas horas. Sempre podemos reativa-lo, mas não seria nada prático ter que fazer todo o ritual de ativação, que é um tanto trabalhoso, em intervalos tão curtos de tempo. — Dro
Depois da conversa esclarecedora que tive com Elijah, sigo para casa e tento seguir os seus conselhos – relaxar e procurar não pensar muito no assunto, por mais difícil que seja. Aproveito para estudar um pouco o material que me deram na faculdade, que explica como as aulas vão funcionar na prática, para organizar e faxinar o meu quarto. Como estou me sentindo culpado por usar Jake como desculpa para sair de casa nos últimos dias, o chamo para almoçar fora e passar a tarde dando uma volta na cidade. Eu e Jake somos amigos desde criança. Ele é um cara tranquilo, com sentimentos simples e contidos, então é confortável para mim estar perto dele – acho que foi justamente por isso que eu me interessei em ser seu amigo, para ser bem sincero. Almoçamos em um restaurante árabe no centro, depois circulamos sem rumo pelas redondezas e terminamos nossa perambulação em um pequeno parque nas proximidades, cheio de pessoas deitadas em toalhas