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Lock and Key
Lock and Key
Por: Bane Stan
Prólogo - A Trágica Caça ao Feiticeiro

   Ethan corre pela floresta, aos tropeços. Os galhos das árvores e arbustos batem em seu rosto e seus braços, mas ele não sente o ardor nem o sangue brotando dos cortes. Está ocupado demais tentando encontrar algum barranco ou tronco de árvore largo o suficiente, onde possa se esconder dos homens que o perseguem. Quando enfim estiver seguro e a salvo, poderá se preocupar em curar seus machucados, mas agora precisa apenas correr o mais rápido que consegue.

   Ele achava que a época da caça às bruxas já havia chegado ao fim, só que pelo jeito estava enganado. Bem, já tinha vivido o suficiente para saber que a humanidade nunca havia parado de perseguir aqueles que eram diferentes. Não interessa que Ethan só use seus poderes para o bem, mas sim que é capaz de fazer coisas que os outros não conseguem explicar nem entender.

   De repente ele sente alguém segurando seu braço com firmeza. Ethan se vira em um movimento brusco, tentando se desvencilhar ao mesmo tempo em que se prepara para a luta, até que percebe a quem pertence aquele braço.

   — Anthony? O que você está fazendo aqui? – pergunta, surpreso.

   — Vi os homens se organizando na vila e vim te ajudar. – responde o rapaz, antes de segurar sua mão e começar a guia-lo entre as árvores. – Rápido, venha comigo! Eu sei que tem um velho celeiro abandonado aqui perto, onde podemos nos esconder com segurança.

   Ethan apenas o segue, sem questionar como Anthony pode saber disso. Ele havia lhe contado que nasceu e cresceu naquela vila, que passou a infância inteira brincando no meio da floresta, rodeado pelas árvores, portanto a conhece tão bem quanto à palma da própria mão.

   Logo os dois chegam a um galpão caindo aos pedaços. A tranca da porta ainda está surpreendentemente conservada, então eles entram rapidamente e descem a trava de madeira, enquanto escutam os gritos e passos apressados dos homens, cada vez mais próximos. O celeiro está cheio de pilhas de fardos velhos e mofados de feno, espalhados por todos os cantos. Os dois se agacham atrás de uma delas, absolutamente quietos.

   Ethan não é do tipo de homem que costuma sentir medo e sempre enfrentou as dificuldades da vida de cabeça erguida, mas nesse momento sente seus músculos tremendo e as palmas das mãos encharcadas de suor. Só que não é por si mesmo que Ethan teme, e sim por Anthony. Se o descobrirem aqui, o ajudando a se esconder, ele também estará em maus lençóis.

   — Tony. – chama, apenas em um sussurro, com medo de ser ouvido do lado de fora. – Se esses homens conseguirem invadir o celeiro, você precisa dar um jeito de escapar daqui sem ser visto. Já há boatos correndo na vila, dizendo que eu seduzi um rapaz de boa família. Se descobrirem sobre nós dois, sua vida estará correndo tanto risco quanto a minha e...

   Ele se interrompe quando Anthony segura seu braço, erguendo o dedo indicador da outra mão até os lábios.

   — Sssshhhh! Fique em silêncio. – sussurra, tão baixo que quase não é possível ouvi-lo. – E nem pense em me pedir para fazer algo tão absurdo. Não vou deixa-lo sozinho aqui, a mercê desses homens, de jeito nenhum.

   De repente gritos explodem do lado de fora e Ethan não consegue evitar um sobressalto. Anthony envolve seu corpo com os braços e o puxa para perto. Com a cabeça encostada no peito do rapaz, ele pode ouvir o coração dele batendo tão depressa quanto o seu. Os dois ficam ali, abraçados e imóveis, ouvindo as vozes dos homens que tentam arrombar a porta do galpão.

   — Essa tranca não vai ceder de jeito nenhum!

   — Será que nós não conseguiríamos entrar por uma das janelas?

   — Não, elas são muito altas. Precisaríamos de uma escada.

   — Nós nem sequer sabemos se ele está mesmo aí dentro!

   — Para onde mais o feiticeiro poderia ter ido? Não há mais nenhum outro lugar onde possa ter se escondido por aqui.

   — Talvez ele tenha usado sua magia negra para se tornar invisível aos nossos olhos.

   Ethan balança a cabeça. Esses homens não fazem ideia de que não ele possui esse tipo de poder. Se possuísse, não precisaria ter fugido pela floresta e se escondido ali.

   Não, fora o fato de manter a mesma aparência desde os vinte e poucos anos e já ter vivido por mais de dois séculos, o único poder que possuía era o de curar as pessoas. Cicatrizar cortes e feridas de imediato, soldar ossos quebrados, fazer a temperatura de uma pessoa febril se normalizar. Também sabia quais ingredientes misturar para fazer poções capazes de combater infecções ou amenizar dores. Por isso trabalhava como assistente do doutor Harris, que conhecia suas habilidades e acreditava no seu caráter na bondade do seu coração, ainda que tivesse poderes que a humanidade não era capaz de compreender.  

   E foi durante um dos atendimentos feitos ao lado de Jason que conheceu Anthony – os Millers chamaram o médico à sua residência para cuidar do filho mais velho, que havia se machucado ao cair da escadaria que levava ao segundo andar da casa. O doutor Harris disse à família que o rapaz tinha sofrido apenas uma torção e recomendou um breve repouso de dois dias, mas na verdade o tornozelo de Anthony estava quebrado e em segredo Ethan usou sua magia para soldar a fratura.

   Ele não costumava se envolver com mortais. Sabia que isso era muito arriscado e raramente acabava bem, então preferia se relacionar com aqueles que também haviam ultrapassado os séculos e entendiam as dores e delícias da mortalidade e da magia. Com os seus, como costumava dizer.

   Só que não conseguiu evitar cair de amores por aquele rapaz tão doce, puro, inocente – e ao mesmo tempo tão astuto, determinado e corajoso. Menos de um mês depois de conhece-lo, Ethan já estava completamente apaixonado e frequentemente se encontrando às escondidas com Anthony na floresta.

   — E se nós incendiássemos o celeiro, só para garantir? – uma das vozes vindas de fora do galpão sugere. – Afinal, não é assim que se elimina um feiticeiro para sempre?

   Gritos de concordância irrompem entre os homens da vila. Ethan sente seu coração acelerando ainda mais e um nó lhe apertando tanto o peito a ponto de lhe tirar o fôlego.

   — Eles vão botar fogo no celeiro! – diz, sem conseguir esconder o terror em sua voz.

   Dá para ouvir os homens se organizando, andando ao redor do lugar e gritando ordens uns aos outros. Anthony se vira para Ethan, o medo transparecendo em seus olhos pela primeira vez desde que entraram ali.

   — Vamos ter que dar um jeito de sair daqui, ainda que nos vejam. – diz. – Teremos alguma chance tentando fugir deles pela floresta, mas não vamos ter nenhuma se ficarmos trancados aqui dentro em meio ao fogo.

   Anthony se levanta e ergue um dos fardos de feno do chão.

   — Me ajude a empilhar esses fardos, para formar uma escada até a altura da janela. – pede, caminhando em direção aos fundos do galpão. – Assim nós podemos escapar por ela.

   Ethan concorda com a cabeça, depois reúne as poucas forças que lhe restam e fica de pé, pronto para ajudá-lo.

   Enquanto eles trabalham do lado de dentro, os homens da vila trabalham do lado de fora. Os dois tentam ser rápidos, mas a escada improvisada ainda não alcançou nem metade da altura necessária quando uma das laterais do celeiro começa a pegar fogo.

   — Temos que nos apressar! – grita Anthony, vendo as chamas consumirem a madeira em uma velocidade cada vez maior.

   Ambos se revezam, indo e voltando com os fardos pesados de feno, enquanto o calor e a fumaça dentro do galpão só fazem aumentar. Ethan está no alto dos degraus que construíram quando escuta um barulho terrível vindo do seu lado esquerdo. Ele se vira e olha para cima, bem a tempo de ver algumas vigas do teto do celeiro cederem ao calor do fogo e despencarem, caindo exatamente no ponto onde Anthony está, segurando mais um dos fardos nos braços.

   Ethan entra em desespero e simplesmente se atira para o chão. É uma queda de mais de dois metros e o tornozelo dele se torce assim que toca o chão, mas ele ignora a dor dilacerante e engatinha até Anthony, arrastando o pé machucado atrás de si.

   Ao alcança-lo, seu cérebro quase não consegue processar a cena diante dos seus olhos – Anthony estirado no chão, erguendo a cabeça levemente para olhar para o próprio abdômen, onde uma das vigas que caiu do teto está cravada, bem ao lado do umbigo, uma crescente mancha de sangue se formando ao redor dela e ensopando o tecido da sua camisa.

   Ele tenta dizer alguma coisa, mas Ethan leva os dedos aos seus lábios para impedi-lo.

   — Não, não tente falar. Guarde suas energias, eu vou cura-lo e tudo vai ficar bem. – diz, sentindo os olhos arderem com as lágrimas que se acumulam sob os seus cílios.

   — Ethan. – começa Anthony, a voz soando terrivelmente engasgada e molhada. – Você sabe que existem certos tipos... – ele faz uma pausa para respirar e seus pulmões emitem um ruído úmido semelhante ao que se ouve em sua voz. – De ferimentos que nem sua magia é capaz de curar.

   Ethan balança a cabeça com força, se recusando a acreditar naquilo, ainda que saiba que é a verdade. Era ele quem havia o colocado naquela situação e agora deveria ser capaz de tira-lo dela.

   — Não, não, não. Você vai ficar bem, eu prometo. Eu vou cuidar de você, meu Tony.

  Uma sombra de sorriso se forma nos lábios de Anthony.

   — Está tudo bem, eu não lhe culpo. – afirma, como se pudesse ler seus pensamentos. – Se preocupe apenas em sair logo daqui. Você precisa escapar.

   Ethan balança a cabeça mais uma vez. O fogo e a fumaça estão se alastrando cada vez mais rápido e ele tosse antes de começar a falar.

   — Não, eu não vou te deixar sozinho.

   Anthony também tosse e uma golfada de sangue vermelho vivo jorra de sua boca.

   — Você precisa voltar para a sua vida, para o mundo.

   — Você é a minha vida, você é o meu mundo. – responde Ethan, com as lágrimas agora escorrendo livremente pelas bochechas.

   Anthony segura uma de suas mãos com um aperto quase sem forças.

   — Eu te amo, Ethan. Por favor, não se esqueça de mim.

   Ethan segura a cabeça dele, a erguendo do chão, então se inclina e cola seus lábios nos de Anthony, sentindo o gosto de sangue na própria língua.

   — Eu não vou te esquecer, Tony. – promete. – Você foi o único que realmente enxergou além da minha imortalidade e dos meus poderes, que viu a minha alma como ela é. Se existem mesmo outras vidas após a morte, não importa quantas vezes eu venha para esse mundo, juro que minha alma vai sempre pertencer a você. Quer eu seja mortal ou imortal, sempre que pisar meus pés nesse mundo físico, só vou abrir minha alma para você. Eu sempre serei o seu Ethan e você será o meu Anthony. Está me escutando, Tony? Está ouvindo a minha promessa?

   Mas Anthony não responde, apenas deixa a cabeça tombar para o lado e fecha os olhos.

   — Não, não, não, não, não... – balbucia Ethan, tomado pelo desespero e pela dor.

   Ele se inclina sobre Anthony, ignorando a fumaça e o calor das chamas cada vez mais perto, e chora contra o peito dele, soluçando como uma criança. Depois ergue o corpo e grita alto, como um animal ferido, sem se importar se podem ouvi-lo do lado de fora.

   Bem nesse momento, o restante da estrutura do teto do celeiro cai por cima do rapaz já sem vida e do imortal com a alma morta. O impacto faz Ethan ficar imediatamente inconsciente e quando as chamas devoram seu corpo ele felizmente não sente nada.

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