Acabo de abrir a Harris e ainda estou organizando algumas coisas atrás do balcão, quando Elijah entra na loja.
— Bom dia, Barus. – cumprimenta, se aproximando. – Está se sentindo melhor?
Assinto, concentrado na tarefa de separar as notas no caixa de acordo com o valor.
— Sim, muito melhor. Toda aquela tontura e aquele mal estar terrível já passaram completamente.
Fade dá alguns tapinhas no meu ombro, depois se afasta, me olhando com curiosidade.
— Você está parecendo diferente, muito mais relaxado do que de costume. – diz. – Até mesmo feliz, eu diria.
— Eu achei que você não fosse capaz de sintonizar meus sentimentos. – retruco.
— Continuo não sendo, mas lhe conheço de
Já de banho tomado e pronto para sair, apareço na cozinha e encontro meus pais andando para lá e para cá, preparando o jantar juntos. Para variar, minha irmã não está em casa – April disse que iria dormir na casa de uma amiga, mas desconfio que na verdade tenha ido à alguma boate onde a banda de Simon vá se apresentar. Minha mãe me olha da cabeça aos pés, observando minhas roupas. Como não sei aonde Ethan pretende me levar decidi me vestir de um jeito que não fosse descontraído demais, mas também não parecesse tão formal – calça social azul marinho, camisa branca e mocassins. — Nossa, você decidiu caprichar no visual para sair com o Jake hoje, hein? – elogia ela, com a voz cheia de admiração. — Obrigado. – agradeço, um pouco sem graça. Não gosto nem um pouco de ter contado a mesma mentira aos meus pais pela centésima vez e dito que iria sair com Jake, mas também não é como se eu tivesse
Século XIX – Ano de 1888 Ethan está esperando por Anthony na floresta, recostado no tronco de uma das árvores próximas à margem do lago. Ele tira o relógio do bolso para checar as horas mais uma vez, depois torce as mãos e estala os dedos, nervoso. Anthony já está meia hora atrasado para o encontro deles, uma coisa que nunca aconteceu antes. De repente Ethan escuta passos se aproximando e corre os olhos ao seu redor, ansioso. Quando vê Anthony abrindo caminho entre os arbustos, sente uma onda de alívio tão grande lhe atingindo que chega a ficar com as pernas bambas. — Graças a Deus você chegou, eu já estava morrendo de preocupação! – diz, sem conseguir esconder o pavor em sua voz. – Pensei que tivesse lh
Século XIX – Ano de 1888 Anthony caminha devagar pela calçada, de braços dados com a irmã e perdido nos próprios pensamentos. Já se passaram quinze dias desde a última vez em que esteve com Ethan na floresta. Desde então os dois se cruzaram uma única vez, na vila, quando Anthony voltava do correio ao mesmo tempo em que o doutor Fade e seu assistente saíam da casa dos Harpers, aonde foram chamados para socorrer a filha mais velha da família, que havia sofrido uma queda e batido a cabeça. Foi um encontro rápido, casual, e eles apenas trocaram um breve cumprimento antes que cada um seguisse o seu caminho. Anthony sente tanta falta de Ethan que seu peito chega a doer. Ele queria mais do que tudo poder toca-lo e beija-lo novamente, poder passe
Ethan me liga poucos dias depois, para dizer que Elijah tem novidades e quer nos encontrar para contar tudo o que descobriu. Meus pais voltam ao trabalho no começo da semana que vem e decidiram aproveitar seus últimos dias de férias em um spa e minha irmã está na casa do namorado, então simplesmente pego o ônibus e sigo para a Harris. Quando chego lá, encontro os dois já à minha espera. Ao me ver abrindo a porta, Ethan se aproxima e beija minha bochecha com uma naturalidade que ainda me deixa um pouco surpreso. Afinal, até pouco tempo atrás ele costumava fugir de mim como o diabo foge da cruz, portanto vou precisar de um tempinho para me acostumar com a mudança – mesmo que esteja gostando bastante dela. — Sente-se. – diz ele, puxando uma cadeira para mim. Fade também se senta e Ethan volta para atrás do balcão. — Bem, agora vamos ao que interessa. – diz Elijah. – Eu pesquisei a resp
Século XIX – Ano de 1888 [Poucos dias após o trágico incêndio] Ava observa as lágrimas escorrendo pelo rosto da mãe enquanto as duas cuidam de empacotar todos os pertences de Anthony. Ela simplesmente não consegue acreditar que seu amado irmão se foi para sempre, ainda tão jovem. Assim que elas terminam de separar todas as roupas e objetos pessoais dele, a moça se lembra de algo, então vai até a cômoda e abre a gaveta. — E quanto a esse anel que encontraram pendurado na corrente de Tony?
Ethan corre pela floresta, aos tropeços. Os galhos das árvores e arbustos batem em seu rosto e seus braços, mas ele não sente o ardor nem o sangue brotando dos cortes. Está ocupado demais tentando encontrar algum barranco ou tronco de árvore largo o suficiente, onde possa se esconder dos homens que o perseguem. Quando enfim estiver seguro e a salvo, poderá se preocupar em curar seus machucados, mas agora precisa apenas correr o mais rápido que consegue. Ele achava que a época da caça às bruxas já havia chegado ao fim, só que pelo jeito estava enganado. Bem, já tinha vivido o suficiente para saber que a humanidade nunca havia parado de perseguir aqueles que eram diferentes. Não interessa que Ethan só use seus poderes para o bem, mas sim que é capaz de fazer coisas que os outros não conseguem explicar nem entender.
Estou sentado em um dos bancos ao fundo do ônibus lotado, tentando controlar o ritmo da minha respiração, como costumo fazer sempre que me exponho a muitas pessoas ao mesmo tempo – minha experiência diz que isso me ajuda a suportar melhor a avalanche de sentimentos. Se minha mãe não tivesse insistido para que eu buscasse um dos ternos do meu pai na lavanderia do outro lado da cidade, jamais teria saído de casa. Agradeci aos céus por finalmente ter me formado no Ensino Médio e ter dois meses de férias antes de começar a faculdade. Adolescentes são cheios de emoções e lidar diariamente com todas elas por quatro anos quase me levou à loucura. Continuo sentado e imóvel, me concentrando em inspirar e expirar tranquilamente enquanto os sentimentos me atingem por todos os lados. O verão é uma época cheia de expectativas, sonhos e desejos, e sou bombardeado com empolgação, ansiedade, raiva, frustração, preocupação, amor, medo, tristeza.
Não lembro quando exatamente isso começou. Sou assim desde que me conheço por gente, por isso assumo que nasci com essa habilidade. Mas o que importa é que eu sou capaz de sentir as pessoas, de compartilhar dos sentimentos delas – medo, coragem, angústia, alívio, ansiedade, tranquilidade, amor, ódio, alegria, tristeza. É claro que é muito difícil lidar com esse talento, se é que se pode chamar assim. Já é complicado ter que administrar nossas próprias emoções, imagina quando ainda se acrescenta as das pessoas à sua volta. Mas, conforme fui amadurecendo, comecei a aprender algumas maneiras de aliviar esse fardo, coisas que me ajudam a enfrentar melhor tudo isso. Como respirar em um ritmo constante e me manter imóvel, por exemplo. O alcance dessa minha habilidade ainda não ficou muito