DAVINAA noite estava tão escura que parecia conspirar contra nós. A Albânia já não nos queria por perto, e sinceramente, o sentimento era mútuo. O esconderijo era lindo,a mãe de Vincent tinha bom gosto, mas eu estava com saudade da minha mãe e precisava de um sanduíche gorduroso com batatas fritas direto da minha cidade natal.Eu tamborilava os dedos no braço do sofá, observando Vincent do outro lado do cômodo. Ele fingia ler um livro, mas não enganava ninguém. Coçava a testa como se quisesse arrancar a própria pele e encarava a mesma página há uns bons minutos.— Se você continuar esfregando essa testa assim, vai acabar fazendo um buraco no cérebro.Vincent me olhou por cima do livro, os olhos cinzentos carregados de uma exasperação tão profunda que eu quase senti um calafrio.— E se você continuasse calada por cinco minutos? Só para testar algo novo.Eu rolei os olhos.— E perder a chance de te irritar? Nem morta.Do outro lado da sala, Gutemberg gargalhou.— Eu amo o som da sua voz
MEIA-NOITE (HUXLEY)O ar está pesado dentro do velho galpão. O cheiro de óleo e ferrugem se mistura com o de cigarro barato, e a única iluminação são as lâmpadas fluorescentes piscando no teto. Meus homens estão reunidos ao redor da mesa, discutindo as táticas para o ataque aos Ceifadores de Derbim. Enquanto falam, minha mente vaga para outro lugar.Eu nunca deveria estar aqui. Eu sei disso. Minha infância foi cercada por luxos, boas escolas, possibilidades. Um futuro brilhante, diziam. Eu acreditava nisso até o dia em que meu irmão apareceu na minha porta.Um irmão que eu nunca sobia que existia até aquele momento.Ele chegou sem aviso, sem preparação, carregando a verdade que mudaria minha vida para sempre. Ele foi assassinado dias depois, nos meus braços, sem que eu tivesse tempo de entender o que significava sua existência. Sua morte me empurrou para um caminho sem volta. Eu herdei seu lugar. A Colina tornou-se minha responsabilidade, e a vingança, meu alimento.Agora, ao observar
HUXLEY (MEIA-NOITE)Eu sempre fui um admirador do fogo, como as chamas dançam, as cores.O fogo consome a boate como uma fera faminta, rugindo alto contra o céu escuro. Apoiado na minha moto, observo o espetáculo, sentindo o calor no rosto e o cheiro de gasolina se misturando com madeira queimada. KJ está lá dentro, reduzido a cinzas. Inalo fundo, deixando a satisfação se espalhar em meu peito. Os Ceifadores de Derbim estão sem líder, mas ainda há uma pergunta sem resposta: quem bancava KJ? Esse figurão nas sombras precisa ser encontrado. E quando for, não terá uma morte tão rápida quanto KJ.Escuto passos atrás de mim, ma não preciso olhar para saber quem é. Timmy e Aaron param ao meu lado, os rostos iluminados pelas chamas, observando comigo.— M2 já levou o líder dos Derbim para interrogar — comenta Aaron, estalando o pescoço. — Não deve demorar pra ele abrir o bico.— Melhor que não demore — murmuro, girando o anel no dedo. — Quero saber quem estava financiando o KJ.— Isso pode
DAVINAEu acordei lentamente, os olhos se abrindo com relutância, como se a realidade fosse algo a ser evitado. A sensação de calor ao meu redor me fez perceber onde estava. Meu corpo estava colado ao de alguém, um calor denso e quase constrangedor me envolvia. Eu estava deitada de lado, e seus braços me envolviam com força.Ergui a cabeça, limpando os olhos com o dorso da mão. Era Meia-noite!Puta, merda.Como isso aconteceu?Eu fui dormir sozinha. Inexplicavelmente, eu estava nos braços dele agora? Eu, Davina, estava deitada com um dos homens mais perigosos de Nova Jersey de conchinha. Oh, minha nossa senhora das virgens confusas. O que eu me tornei? Primeiro, Vincent e agora Meia-noite? O choque me atingiu como um raio. Meu coração disparou e, por um instante, me senti completamente fora de controle. Ele era um dos homens mais perigosos que eu conhecia, mas agora, seu corpo estava tão perto que eu podia sentir a respiração quente em meu pescoço.A sensação de proximidade foi... des
DAVINADesci as escadas devagar, sentindo o frio do corrimão sob meus dedos. Cada passo ecoava dentro de mim como um tambor acelerado, impulsionado pela ansiedade e pelo receio. Meia-noite ainda estava no banho, e Aaron finalmente desistira de esmurrar a porta para descobrir o que estava acontecendo. Agora, tudo o que restava era encarar os meus homens.Eles ainda eram meus? Esperaram por mim? Sentiram minha falta?Gutemberg garantiu que sim, mas não confiava plenamente nele. O tempo que passei longe pareceu uma eternidade. E o pior? Eu e Timmy havíamos brigado antes do meu desaparecimento. O motivo? Nem me lembrava mais, porque deixou de ser importante quando me vi sozinha sem nenhum deles. Parecia algo insignificante diante do que vivi, da saudade que me consumia.Tudo o que eu queria agora era um abraço.A cada degrau que descia, mais calto ficava o burburinho de vozes. Uma em especial se destacou, grave e inconfundível. Gutemberg. Outra, carregada de sarcasmo e irritação, confirmo
DAVINAEu estava em frente ao espelho grande no quarto de Meia-noite, os olhos vagando pelas pilhas de roupas espalhadas sobre a cama. As novas roupas que Vincent comprou para mim eram lindas, muito mais do que eu jamais teria imaginado. Ele exagerou, no entanto. Mas, apesar disso, minha mente estava distante. Pensava em Pryia, e no que Lucia dissera sobre ela quando eu ainda estava presa naquele lugar. Ela falou como se conhecesse um segredo da minha irmã. Ela sempre me dava indiretas, sugerindo que eu não sabia realmente quem minha irmã era, que talvez Pryia não fosse uma vítima como eu pensava. Mas o que isso significava?A saudade apertava meu peito. Eu precisava ir vê-las, precisava falar com a minha mãe, e com Pryia também. Agora que as coisas com os caras estavam um pouco mais resolvidas, a sensação de que algo faltava em mim se tornava cada vez mais forte. Não queria ma
DAVINAOs olhos de Aaron, sempre atentos, deslizaram por mim e por Timmy, aquele sorriso indecifrável brincando em seus lábios.— Espero que eu não esteja interrompendo — ele disse, mas o tom sugeria exatamente o contrário.— O que vocês estão tramando?— retruquei, esticando o pescoço para olhar para ele e tentando parecer no controle da situação.Timmy, soltou uma risada baixa e balançou a cabeça. Ele ainda estava relaxado contra a aparede perto da porta, um braço apoiado atrás da cabeça, mas havia algo a mais na forma como ele olhava para Aaron. Uma troca silenciosa, cheia de entendimento.— Então… você chamou ele aqui por quê? — perguntei a Timmy, arqueando a sobrancelha. Ainda desconfiada.Aaron apenas sorriu, aquele tipo de sorriso que eu já devia ter aprendido a temer.— Sério que ainda adivinhou? — ele disse, rindo feito uma hiena engasgada.— Eu disse que ia te provar que estou dentro. — Timmy deu de ombros. — Então achei que você merecia um presente.Meu cérebro patinou por
DAVINAO tédio era um bicho que roía meu cérebro. Ele mastigava cada pedacinho da minha paciência enquanto eu girava o anel no meu dedo, sentada no sofá da casa de Meia-noite. A luz fraca da lâmpada piscava de vez em quando, como se até ela estivesse cansada desse lugar.A cidade ainda estava fervendo desde a morte de KJ e do líder dos Ceifadores, e Meia-noite vinha sofrendo ataques de todos os lados. Cada gangue queria um pedaço do território, e isso significava que ele estava mais paranoico do que nunca. Gutemberg também andava tenso, sempre com o celular na mão, falando baixo ou digitando mensagens sem parar. Mas agora que KJ estava fora da jogada, eu não deveria mais ter que me esconder.E então decidi: eu ia ver minha mãe.Não pretendia falar com ela, só queria olhar de longe, ter certeza de que estava bem. Timmy insistia que sim, mas confiar não era meu forte. Eu precisava ver com meus próprios olhos.Levantei do sofá e fui até o quarto de Meia-noite, pegando um de seus moletons