DAVINA
Eu estava em frente ao espelho grande no quarto de Meia-noite, os olhos vagando pelas pilhas de roupas espalhadas sobre a cama. As novas roupas que Vincent comprou para mim eram lindas, muito mais do que eu jamais teria imaginado. Ele exagerou, no entanto. Mas, apesar disso, minha mente estava distante. Pensava em Pryia, e no que Lucia dissera sobre ela quando eu ainda estava presa naquele lugar. Ela falou como se conhecesse um segredo da minha irmã. Ela sempre me dava indiretas, sugerindo que eu não sabia realmente quem minha irmã era, que talvez Pryia não fosse uma vítima como eu pensava. Mas o que isso significava?
A saudade apertava meu peito. Eu precisava ir vê-las, precisava falar com a minha mãe, e com Pryia também. Agora que as coisas com os caras estavam um pouco mais resolvidas, a sensação de que algo faltava em mim se tornava cada vez mais forte. Não queria ma
DAVINAOs olhos de Aaron, sempre atentos, deslizaram por mim e por Timmy, aquele sorriso indecifrável brincando em seus lábios.— Espero que eu não esteja interrompendo — ele disse, mas o tom sugeria exatamente o contrário.— O que vocês estão tramando?— retruquei, esticando o pescoço para olhar para ele e tentando parecer no controle da situação.Timmy, soltou uma risada baixa e balançou a cabeça. Ele ainda estava relaxado contra a aparede perto da porta, um braço apoiado atrás da cabeça, mas havia algo a mais na forma como ele olhava para Aaron. Uma troca silenciosa, cheia de entendimento.— Então… você chamou ele aqui por quê? — perguntei a Timmy, arqueando a sobrancelha. Ainda desconfiada.Aaron apenas sorriu, aquele tipo de sorriso que eu já devia ter aprendido a temer.— Sério que ainda adivinhou? — ele disse, rindo feito uma hiena engasgada.— Eu disse que ia te provar que estou dentro. — Timmy deu de ombros. — Então achei que você merecia um presente.Meu cérebro patinou por
DAVINAO tédio era um bicho que roía meu cérebro. Ele mastigava cada pedacinho da minha paciência enquanto eu girava o anel no meu dedo, sentada no sofá da casa de Meia-noite. A luz fraca da lâmpada piscava de vez em quando, como se até ela estivesse cansada desse lugar.A cidade ainda estava fervendo desde a morte de KJ e do líder dos Ceifadores, e Meia-noite vinha sofrendo ataques de todos os lados. Cada gangue queria um pedaço do território, e isso significava que ele estava mais paranoico do que nunca. Gutemberg também andava tenso, sempre com o celular na mão, falando baixo ou digitando mensagens sem parar. Mas agora que KJ estava fora da jogada, eu não deveria mais ter que me esconder.E então decidi: eu ia ver minha mãe.Não pretendia falar com ela, só queria olhar de longe, ter certeza de que estava bem. Timmy insistia que sim, mas confiar não era meu forte. Eu precisava ver com meus próprios olhos.Levantei do sofá e fui até o quarto de Meia-noite, pegando um de seus moletons
DAVINAEu fiquei de pé, os olhos fixos em Timmy, Aaron e Meia-noite, sem deixar escapar um movimento sequer. Cada um deles parecia tentar evitar o meu olhar, mas eu podia sentir a tensão crescente no ar. Eles me trouxeram de volta ali, como se estivessem me jogando de volta numa prisão da qual eu tentava escapar. Não conseguia engolir a história que eles estavam tentando me vender. Algo estava errado, e eu não descansaria até entender o quê.— Quem eram aqueles homens? — perguntei, minha voz mais fria que a própria noite ao redor de nós.Timmy evitou me olhar, franzindo a testa, uma mistura de desconforto e culpa estampada no rosto. Aaron, por sua vez, trocou um olhar rápido com Meia-noite, ambos parecendo ainda mais inquietos. O silêncio que se seguiu foi pesado demais, como se estivessem escondendo algo.Meia-noite foi o primeiro a falar, mas suas palavras foram vazias, evasivas, como se ele estivesse tentando ganhar tempo.— Não sabemos quem eram. — Ele disse, a voz carregada de u
DAVINAO motor do carro de Aaron roncava baixinho na escuridão da rua deserta. A luz fraca do poste piscava, projetando sombras irregulares no asfalto. Daí de dentro, podíamos ver a casa da minha mãe, suas janelas fechadas e a silhueta de uma cortina se movendo levemente com o vento.Eu estava no colo de Timmy, sentindo o calor do seu corpo contra o meu. Ele tamborilava os dedos na minha coxa, inquieto, enquanto olhava pela janela. Gutemberg estava no banco ao meu lado, calado como sempre, mas com o maxilar travado. Aaron e Meia-noite dividiam o banco da frente, conversando em sussurros sobre alguma coisa que eu não fazia questão de ouvir. Meia-noite acendeu um cigarro, e o cheiro amargo de nicotina preencheu o carro.— Então, você está dizendo que Pryia sabia mais do que contou? — Aaron finalmente quebrou o silêncio, se virando levemente para me encarar.— Eu não acho. Eu tenho certeza. — Minha voz saiu firme, mas meu estômago se contorcia com as lembranças. — Lucia não gostava de mi
DAVINA— Quanto tempo mais vamos ficar esperando a Pryia sair de casa? — Aaron perguntou, olhando para a casa da minha mãe. — Estou morrendo de fome.Meia-noite bufou com impaciência e virou a cabeça para Aaron, seu olhar carregado de sarcasmo.— Se você quiser ir vigiar os ceifadores junto com Mart e Silver, pode ir. — A voz dele foi carregada de comando, mas, em algum lugar ali, havia também um toque de brincadeira.Aaron riu, sem perder a compostura, e puxou uma barra de cereal de sua jaqueta jeans, exibindo-a como uma conquista. Ele olhou para Meia-noite com um sorriso de canto, claramente desinteressado na oferta.— Prefiro ficar aqui no carro com a nossa garota. — disse Aaron, e, então, se virou para mim, com um sorriso ainda mais largo. — Quer um pedaço da minha barra? É de morango com chocolate.Ele segurou a barra de cereal entre os dedos, estendendo-a em minha direção, mas antes que eu pudesse responder, percebi que meu rosto estava quente, queimando de vergonha. Eu podia sen
DAVINAO caminho de volta da casa de Pryia foi feito em silêncio, apenas o ronco baixo do motor e o som distante da cidade preenchendo o vazio dentro do carro. Eu estava no banco da frente, ao lado de Meia-noite, enquanto Aaron, Timmy e Gutemberg dividiam o banco de trás.Quando paramos na lanchonete para pegar algo rápido, todos compraram seus lanches e voltaram para o carro. O cheiro de batatas fritas e hambúrgueres tomou conta do ambiente enquanto cada um se ocupava com sua comida. O rádio tocava uma música qualquer, abafada pelos mastigares e pelo silêncio carregado de tensão.Foi então que Gutemberg limpou a boca com o dorso da mão, largou o sanduíche no colo e limpou a garganta.— Parece que Aaron e Timmy estavam certos. Sua irmã ainda sente algo por mim.O barulho de papel amassado parou. Meus dedos apertaram o copo de refrigerante. Ninguém disse nada.— Ela tentou me beijar.— ele explicou.— Eu sabia! — Aaron gritou, alheio a minha expressão.Timmy fez um som de desgosto.Meia
DAVINAO quarto era silencioso, exceto pelo som suave da chuva lá fora. Meia-noite tinha me conduzido até lá, e agora estávamos apenas nós dois, a tensão pairando no ar como algo quase palpável. Eu estava parada, perto da cama, hesitando. O cheiro familiar dele ainda estava no ar, mas não era o suficiente para me fazer esquecer a insegurança que me tomava.Essa era a segunda vez que eu ia dormir com Meia-noite, e a sensação era estranhamente diferente. Não pela proximidade, porque, na verdade, estávamos mais próximos do que nunca. Mas porque, dessa vez, havia algo mais profundo em jogo que parecia pairar entre nós.— Você não precisa de nada, né? — Meia-noite perguntou, a voz suave, mas com aquela firmeza típica. Eu olhei para ele, e pela primeira vez naquela noite, vi uma rachadura na máscara dele. Talvez ele não soubesse, mas seus olhos estavam diferentes, mais suaves, como se estivessem buscando algo em mim.Eu balancei a cabeça, sem saber o que responder. A verdade é que eu não tin
DAVINAEu nem tive tempo de pensar. Meia-noite me puxou para trás de seu corpo. Eu nem vi quando ele sacou a pistola, mas lá estava ela, fria e mortal em sua mão, apontada para o vazio.— Não se mexa — ele ordenou, a voz baixa, mas carregada de comando.Por reflexo, prendi a respiração. Ele era puro controle e precisão, os ombros largos e tensos, pronto para disparar a qualquer momento. O olhar dele varreu o ambiente e, em seguida, focou nos outros dois que surgiram da escuridão.Timmy e Aaron.Ambos armados.Os dois vestiam apenas calças de moletom, descalços, e ainda assim pareciam perigosos demais para serem apenas garotos acordando no meio da noite. Timmy tinha o cenho franzido, o cabelo bagunçado e a pistola firme na mão. Aaron, ao lado dele, exibia um brilho alerta nos olhos, como se a adrenalina tivesse varrido qualquer resquício de sono. E então, no topo da escada, apareceu Fantasma.Diferente dos outros, ele usava uma camisa preta que parecia ter sido feita sob medida para a