DAVINAKJ já sabe que Pryia está de volta.Claro que sabe. Provavelmente sempre soube. Alguém está nos vigiando. Alguém próximo o suficiente para antecipar nossos passos antes mesmo de darmos o primeiro. O tiro em Aaron foi a prova definitiva disso. Ele foi delatado. Não havia saída para ele naquela noite, não havia brechas. Tudo foi planejado para que ele não tivesse chance de escapar. Só foi uma sorte ou coincidência? Que Gutemberg tenha chegado a tempo. Mas será mesmo? Se Gutemberg estivesse por trás disso, por que se daria ao trabalho de salvá-lo? Nada faz sentido. Tudo está confuso e qualquer um pode ser um suspeito. Até mesmo ele.Aaron está fora de perigo agora, mas a situação continua um caos. Pryia não fala comigo desde que recebeu a notícia sobre o nosso pai. Ela me culpa. Acha que estou impedindo-a de ver nossa mãe de propósito, como se eu tivesse algum interesse oculto e mesquinho. Enquanto isso, ela se aproxima cada vez mais de Gutemberg. Parece se agarrar a ele como se s
DAVINAMeus dedos se apertam ao redor da minha roupa, enquanto tento processar o que está acontecendo. O que eu poderia fazer? Ele está certo: isso é sobre poder, e no momento, ele tem todo o controle.— Você está louco — solto, minha voz carregada de desprezo.— Mas veja bem, Davina. Agora não se trata só de mim. Tem gente grande nisso, pessoas que você não quer irritar. Pryia virou um risco. — Ele traga novamente, soltando a fumaça pelo nariz. — Mas você pode garantir que ela fique livre. Só precisa assumir o lugar dela.Meu coração dá um salto. A ficha cai de uma vez.— Nós nunca estaremos livres — murmuro, sentindo a bile subir pela garganta. — Se eu for, ela não fala nada para me proteger. Se vocês a pegarem de volta, eu não falo nada.KJ assente, sorrindo como um maníaco.— Agora você está entendendo.Sinto meu estômago revirar.— Mas você quer saber a verdade? Você não tem escolha. — Ele dá mais uma tragada, a ponta do cigarro queimando em vermelho. — Já tem alguém interessado e
DAVINAO sabor de cigarro e raiva invade minha boca enquanto Gutemberg me prende com a força de suas mãos, seus dedos pressionando minha nuca com urgência. Eu tento me afastar, mas ele é implacável.O som de uma respiração forçada e a presença de uma figura feminina me distraem momentaneamente. Pryia está na porta, seus olhos inflamados de raiva e acusação.— Traidora! — ela explode, sua voz cortante e cheia de veneno.Ela avança até mim, apontando um dedo trêmulo, e sua acusação ainda paira no ar. Sua expressão é de dor e fúria, como se a verdade que ela acreditava tivesse sido arrancada dela. Pryia vira para Timmy, que está parado na porta. Seus olhos se fixam nele.— E você? Vai fazer alguma coisa? — ela pergunta, apontando para ele com um dedo acusador. — Não foi você quem confessou que gostava da Davina? Que disse que eu deveria reatar com Gutemberg?Uma tensão palpável preenche o ar.O olhar que Timmy lança para Gutemberg é carregado de desafio, um duelo silencioso que nenhum pa
DAVINAMinha cabeça latejava como se tivesse sido atingida por um tijolo. Minha boca estava seca, a garganta arranhando a cada respiração. A visão embaçada transformava tudo em um borrão indistinto de sombras e formas.Pisquei várias vezes, tentando focar. O teto era baixo e velho, e o cheiro de mofo misturado com algo metálico impregnava o ar. Tentei me mexer, mas um arrepio subiu pela minha espinha, não era frio, era medo.Outras garotas estavam ali. Algumas sentadas, outras encolhidas contra as paredes. Olhos vermelhos, soluços abafados, rostos marcados pelo pânico. Eu não conhecia nenhuma delas. A garota mais próxima, uma morena de cabelos embaraçados, tremia enquanto olhava para as próprias mãos, respirando de forma descompassada.Minha mente ainda estava nebulosa enquanto tentava me lembrar. Eu estava com Pryia. Lembro que estávamos conversando, então ela foi embora no carro de Gutemberg e voltei para os meninos. Eu pretendia falar com os caras, avisá-los que Pryia havia fugido e
DAVINAO cheiro de ferrugem e sal grudava na minha pele, me lembrando a cada segundo de onde eu estava. O porão do navio era apertado, sufocante, com o balanço constante da embarcação me deixando tonta. Eu vinha contando os dias desde que fui trazida para cá, me baseando nas refeições. Duas por dia, de manhã e à noite. E hoje era o décimo dia. Dez dias longe de casa. Minha mãe deve estar surtando.E o caras? Eu espero que eles estejam atrás de mim.Por favor, venham atrás de mim.Eu puxei as pernas contra o peito e encostei a testa nos joelhos, tentando afastar a sensação de pânico que ameaçava me engolir. Mas então ouvi um sussurro ao meu lado.— Ei... você ainda está acordada?Era Aimee. Seu cabelo cacheado estava emaranhado e sem brilho, a pele pálida, mas seus olhos ainda tinham determinação. Desde o momento em que fomos trancadas nesse inferno flutuante, nos tornamos amigas. É mais fácil sobreviver quando não se está sozinha.— Continuo aqui — murmurei.Aimee soltou um suspiro, c
DAVINAOutro quarto.Esse era outro quarto cheio de garotas, e eu era apenas mais uma.Colchões finos e cobertas surradas espalhavam-se pelo chão de concreto. Algumas meninas choravam baixinho, outras estavam sentadas, imóveis, com os olhos vazios.Eu engoli em seco. Um calafrio subiu pela minha espinha.Minhas mãos tremiam, mas não era só medo. Era raiva. Eu me lembrava do som do meu coração batendo contra o peito, do aperto sufocante em minha garganta antes de tudo escurecer. O ataque de pânico me deixou vulnerável, e foi naquele momento que me pegaram. Cerrei os punhos. Eu me odeio por isso.Olhando ao redor, reconheci algumas garotas do navio, elas soluçavam e se abraçavam, sussurrando que queriam ir para casa. Eu as entendi. Parte de mim queria chorar com elas, mas engoli o impulso.Eu precisava pensar.Foi quando o vi. Um dos capangas. Eu me lembrava dele do navio. O estômago revirou ao perceber que, se ele estava ali, então talvez…Aimee.Me levantei tão rápido que minha visão
MEIA-NOITE (HUXLEY)A chaleira chia baixo, o som irritante arranhando meus nervos. Eu me inclino para cima da bancada, observando a fumaça que sobe em espirais suaves, tentando convencer minha mente de que o chá vai me acalmar. O silêncio sempre me encontrou confortável. Não sou do tipo que precisa de conversas ou distrações. Sou alguém que sabe o que quer e age sem hesitar. Ou pelo menos, era assim até que ela apareceu. Eu coloco a fatia do bolo no prato. Mais uma tentativa de algo que não faz sentido. Eu nunca gostei de bolo.Açúcar demais.A primeira vez que ela me deu uma fatia, me deixou experimentar aquela mistura doce e fofa. Tão doce que fez meu estômago revirar, mas algo mais pesou na balança. Eu tenho certeza de que o problema estava com o bolo dela. Porque desde aquele momento, eu não consigo comer mais nenhum outro. Nada se compara. Este, da padaria, é insuportavelmente doce, a massa é pesada. Não é fofo. Não é dela. Eu me recuso a aceitar que estou reclamando de um mald
MEIA-NOITE (HUXLEY)Eu congelo, a mão ainda na maçaneta. Roubaram?— Quem? — pergunto, a raiva já fervendo dentro de mim.— Homens de KJ — Willow continua, com dificuldades para respirar. — Eles levaram todos os sacos da queen, a nova pílula de Gutemberg. Todos os lotes... sumiram.Viro para ele, sentindo a raiva se intensificar. A queen. A nova droga que Gutemberg inventou. O que deveria ser o nosso trunfo, a nossa vantagem, foi roubado bem debaixo do nosso nariz.— Como é que isso aconteceu? — pergunto, com os dentes cerrados.— Foi rápido. Eles invadiram o laboratório com muitas armas, tentamos reagir, mas éramos poucos e tinha