DAVINAMinha cabeça latejava como se tivesse sido atingida por um tijolo. Minha boca estava seca, a garganta arranhando a cada respiração. A visão embaçada transformava tudo em um borrão indistinto de sombras e formas.Pisquei várias vezes, tentando focar. O teto era baixo e velho, e o cheiro de mofo misturado com algo metálico impregnava o ar. Tentei me mexer, mas um arrepio subiu pela minha espinha, não era frio, era medo.Outras garotas estavam ali. Algumas sentadas, outras encolhidas contra as paredes. Olhos vermelhos, soluços abafados, rostos marcados pelo pânico. Eu não conhecia nenhuma delas. A garota mais próxima, uma morena de cabelos embaraçados, tremia enquanto olhava para as próprias mãos, respirando de forma descompassada.Minha mente ainda estava nebulosa enquanto tentava me lembrar. Eu estava com Pryia. Lembro que estávamos conversando, então ela foi embora no carro de Gutemberg e voltei para os meninos. Eu pretendia falar com os caras, avisá-los que Pryia havia fugido e
DAVINAO cheiro de ferrugem e sal grudava na minha pele, me lembrando a cada segundo de onde eu estava. O porão do navio era apertado, sufocante, com o balanço constante da embarcação me deixando tonta. Eu vinha contando os dias desde que fui trazida para cá, me baseando nas refeições. Duas por dia, de manhã e à noite. E hoje era o décimo dia. Dez dias longe de casa. Minha mãe deve estar surtando.E o caras? Eu espero que eles estejam atrás de mim.Por favor, venham atrás de mim.Eu puxei as pernas contra o peito e encostei a testa nos joelhos, tentando afastar a sensação de pânico que ameaçava me engolir. Mas então ouvi um sussurro ao meu lado.— Ei... você ainda está acordada?Era Aimee. Seu cabelo cacheado estava emaranhado e sem brilho, a pele pálida, mas seus olhos ainda tinham determinação. Desde o momento em que fomos trancadas nesse inferno flutuante, nos tornamos amigas. É mais fácil sobreviver quando não se está sozinha.— Continuo aqui — murmurei.Aimee soltou um suspiro, c
DAVINAOutro quarto.Esse era outro quarto cheio de garotas, e eu era apenas mais uma.Colchões finos e cobertas surradas espalhavam-se pelo chão de concreto. Algumas meninas choravam baixinho, outras estavam sentadas, imóveis, com os olhos vazios.Eu engoli em seco. Um calafrio subiu pela minha espinha.Minhas mãos tremiam, mas não era só medo. Era raiva. Eu me lembrava do som do meu coração batendo contra o peito, do aperto sufocante em minha garganta antes de tudo escurecer. O ataque de pânico me deixou vulnerável, e foi naquele momento que me pegaram. Cerrei os punhos. Eu me odeio por isso.Olhando ao redor, reconheci algumas garotas do navio, elas soluçavam e se abraçavam, sussurrando que queriam ir para casa. Eu as entendi. Parte de mim queria chorar com elas, mas engoli o impulso.Eu precisava pensar.Foi quando o vi. Um dos capangas. Eu me lembrava dele do navio. O estômago revirou ao perceber que, se ele estava ali, então talvez…Aimee.Me levantei tão rápido que minha visão
MEIA-NOITE (HUXLEY)A chaleira chia baixo, o som irritante arranhando meus nervos. Eu me inclino para cima da bancada, observando a fumaça que sobe em espirais suaves, tentando convencer minha mente de que o chá vai me acalmar. O silêncio sempre me encontrou confortável. Não sou do tipo que precisa de conversas ou distrações. Sou alguém que sabe o que quer e age sem hesitar. Ou pelo menos, era assim até que ela apareceu. Eu coloco a fatia do bolo no prato. Mais uma tentativa de algo que não faz sentido. Eu nunca gostei de bolo.Açúcar demais.A primeira vez que ela me deu uma fatia, me deixou experimentar aquela mistura doce e fofa. Tão doce que fez meu estômago revirar, mas algo mais pesou na balança. Eu tenho certeza de que o problema estava com o bolo dela. Porque desde aquele momento, eu não consigo comer mais nenhum outro. Nada se compara. Este, da padaria, é insuportavelmente doce, a massa é pesada. Não é fofo. Não é dela. Eu me recuso a aceitar que estou reclamando de um mald
MEIA-NOITE (HUXLEY)Eu congelo, a mão ainda na maçaneta. Roubaram?— Quem? — pergunto, a raiva já fervendo dentro de mim.— Homens de KJ — Willow continua, com dificuldades para respirar. — Eles levaram todos os sacos da queen, a nova pílula de Gutemberg. Todos os lotes... sumiram.Viro para ele, sentindo a raiva se intensificar. A queen. A nova droga que Gutemberg inventou. O que deveria ser o nosso trunfo, a nossa vantagem, foi roubado bem debaixo do nosso nariz.— Como é que isso aconteceu? — pergunto, com os dentes cerrados.— Foi rápido. Eles invadiram o laboratório com muitas armas, tentamos reagir, mas éramos poucos e tinha
DAVINA—Você precisa aprender a se comportar.— Lucia disse com um sorriso doce, mas com um tom de desprezo disfarçado. Estávamos todas sentadas no canto do quarto, fazendo o que podíamos para aguentar o tédio e a angústia.—Você se acha melhor do que nós, não é?— respondi, sem conseguir segurar. —Porque eles te tratam como uma princesinha. Você realmente acha que está acima de tudo isso?Ela riu.— Eu com certeza sou melhor do que você.Bufei.Claro que ela acha isso.— Seu cérebro deve ser uma piscina vazia, não é? Da última vez que chequei, você é uma escrava como qualquer uma de nós. Então, não se iluda com o pão fresco, porque você ainda é o animal de estimação deles.Ela me olhou com uma mistura de raiva e desdém, mas não respondeu.Revirei os olhos e voltei a encarar a parede, repassando mentalmente todos os meus últimos momentos felizes com minha mãe.A porta se abriu com um estalo seco, e os guardas entraram, arrastando Ava pelo braço. Ela estava completamente desfigurada. Seus
DAVINAO espelho à minha frente estava embaçado, refletindo uma versão de mim mesma que eu mal reconhecia. O cabelo estava solto e molhado, o rosto pálido, os olhos ardendo de raiva, e o corpo... o corpo ainda não estava preparado para aquilo tudo. As roupas estavam lá, jogadas sobre a cama, roupas que me fizeram sentir como se estivesse me vestindo para um pesadelo, não para um "trabalho" que eu não tinha escolhido, que ninguém escolheria. Eu olhei o vestido na cama, o tecido preto como a escuridão que eu sentia por dentro, reluzindo sob a luz fraca da lâmpada. Um vestido feito para chamar atenção, como se fosse um prêmio que eles quisessem exibir. Me forcei a vestir o vestido, sentindo o tecido se ajustar sobre meu corpo. A parte superior era justa, com um decote ligeiramente profundo, mas o verdadeiro inferno estava nas laterais, onde o corte fazia uma linha quase até minha cintura, deixando parte da pele exposta. As linhas do tecido contornavam meu corpo de maneira vil, apertando
DAVINAVincent entrou sem pressa, mas sua presença preencheu cada canto da sala. O silêncio entre nós foi denso, como fumaça espessa. Meus olhos subiram por sua silhueta escura e bem definida, e então se fixaram no rosto. Ele estava impecavelmente vestido, como sempre, com um terno escuro e uma camisa branca perfeitamente ajustada. Seus cabelos, impecavelmente arrumados, e seus olhos penetrantes e frios me encaravam como se eu fosse um animal exótico.Meu estômago revirou. Eu o conhecia, mas não de verdade. Não éramos próximos. Mas nossas histórias se cruzaram suficiente para eu lembrar.Príncipe sombrio. Era assim que eu o chamava na minha mente. Porque Vincent Mancini tinha o porte de alguém que governava na escuridão. A elegância, o perigo e a frieza de alguém que não pertencia ao mundo c