VINCENTEu estava recostado no banco de trás da SUV blindada, os dedos tamborilando no couro enquanto observava o movimento da rua pelo vidro escurecido. A Espanha tinha um ritmo próprio, diferente do que eu estava acostumado, mas negócios de família me trouxeram até aqui. E, claro, Pryia.Gutemberg tinha feito um alvoroço insuportável sobre ela, a ponto de abrir a carteira e gastar uma pequena fortuna. Eu nunca o vi agindo de forma tão sentimental. Ele realmente a ama? Isso explicaria seu comportamento aflito e desesperado. Ele foi tão descuidado em me mostrar sua fraqueza que me irrita.Eu não era um santo, longe disso, mas tráfico de gente era o ato mais baixo que existia. Quem faz isso é escória.O pior? Foi fácil. Fácil demais. Perguntar para as pessoas certas, demonstrar interesse. Meu nome abriu portas. Em pouco tempo, eu já era um comprador VIP. Gutemberg não sabia, mas fui convidado para a festa de avaliação que acontecia um dia antes do leilão. Lá, elas eram exibidas, forçad
VINCENTA fumaça dos charutos se misturava ao ar pesado do salão, impregnando o ambiente com um cheiro espesso de tabaco e desconfiança. Eu estava cercado por homens que se consideravam intocáveis, figuras que operavam nos bastidores da política e do crime, com sorrisos afiados como lâminas e palavras tão traiçoeiras quanto facas nas costas. Cobras peçonhentas, cada uma esperando o momento certo para atacar.Na cabeceira da mesa, meu pai, mantinha-se impassível, sua presença dominando o cômodo como sempre. Os olhos astutos passavam por cada rosto, avaliando as expressões enquanto a discussão esquentava. O tópico da noite? O aumento do policiamento nas fronteiras. E, mais especificamente, por que a força policial parecia estar um passo à frente de nossos movimentos.— É curioso, não acham? — A voz de Salvatore ressoou na sala, firme e controlada. Ele era o consigliere do meu pai, filho mais velho de uma das famílias mais tradicionais da Itália. — O policiamento sempre aparece nos dias
DAVINAA rua estava silenciosa, envolta pela luz fria do sol da manhã. O vento passava por nós como um sussurro espectral, mas eu não sentia nada além do calor do corpo de Pryia contra o meu. Meus braços a apertavam com força, como se quisessem fundi-la a mim, como se eu pudesse mantê-la segura apenas com o toque. Meu peito subia e descia em soluços descontrolados, e cada lágrima quente que escorria pelo meu rosto era um agradecimento mudo a Deus por tê-la de volta.— Eu achei que nunca mais ia te ver — murmurei entre os soluços, afundando meu rosto no ombro dela.— Desculpa, Davina. Me desculpa — a voz dela veio engasgada, trêmula, carregada de arrependimento. — Eu fui burra. Eu fui tão burra…Seu corpo também tremia, mas não apenas pelo frio. As palavras dela me perfuravam o peito, e eu queria dizer que não importava, que tudo estava bem agora, mas as palavras se perderam no nó da minha garganta. Eu só podia continuar segurando-a com todas as minhas forças.Foi quando ergui os olhos
DAVINAO silêncio dentro do carro de Gutemberg era tão espesso que eu podia sentir seu peso sobre mim. O motor roncava suave, um ruído baixo que se misturava ao brilho pálido dos postes passando pela janela. Minha mente, no entanto, estava longe dali. Pryia disse que não conhecia nenhum KJ. Talvez fosse verdade, mas não era impossível que ele tivesse usado outro nome. Foi por isso que pedi a Aaron que conseguisse uma foto dele. Uma prova concreta, algo que minha irmã não pudesse negar.Meu peito apertou ao lembrar que não contei sobre nosso pai. Ela não precisava saber agora. Contar seria apenas um peso desnecessário, um fio a mais de culpa para enredá-la. O relacionamento deles nunca foi bom, ma eu sei que Pryia sempre buscou aprovação. Gutemberg não disse nada desde que entramos no carro. Suas mãos estavam tensas no volante, os olhos grudados no espelho retrovisor, como se esperasse alguém.— Você acha que estamos sendo seguidos? — minha voz cortou o silêncio, seca.Ele não responde
DAVINA— Não fique no meu caminho se você não sabe o que quer... essa garota tem asas e quer alcançar o céu... oh cara, fique fora do meu caminho...Canto baixinho, acompanhando a batida no fone de ouvido enquanto caminho sem pressa pela calçada. As ruas estão quase desertas a essa hora, mas eu conheço cada pedaço desse bairro, cada rachadura na calçada, cada sombra que se arrasta quando o sol se despede. Cresci aqui, eu poderia ser a rainha do lugar. Nenhuma outra pessoa conhece melhores os becos e vielas.Meus pensamentos dançam entre a melodia e a ansiedade. Dentro de alguns minutos, verei Pryia novamente e poderemos continuar nossa conversa. Gutemberg disse que me pegaria assim que eu saísse da escola para irmos juntos.Meu coração se aperta. Não pelo encontro, mas porque o nome dele ressoa dentro de mim de uma forma que me incomoda. Gutemberg.E, inevitavelmente, vem a lembrança do beijo.Eu poderia dizer que foi um erro, mas mentir para mim mesma nunca foi meu forte. Eu gostei.
DAVINAO quarto de hotel era espaçoso e bem decorado, mas eu me sentia presa ali dentro. Pryia rodopiava em frente ao espelho, analisando seu reflexo com brilho nos olhos. O vestido vermelho abraçava seu corpo esguio, a transparência nas laterais deixando à mostra sua pele dourada. Ela parecia feliz. Ou fingia muito bem. — O que acha? — perguntou, ajeitando o longo cabelo loiro sobre um dos ombros. Cruzei os braços, sentindo o gosto amargo do cético em minha boca. Pryia havia voltado fazia duas semanas agora, mas continuava sendo uma estranha para mim. Esperava encontrá-la destruída, assombrada, precisando de mim. Mas aqui estava ela, brincando de modelo com as roupas que Vincent lhe comprara, como se tudo estivesse bem. — Parece caro. — É claro que é caro! Vincent tem bom gosto.O nome dele vinha aparecendo muito desde que ela retornara. Eu o conhecia apenas de relance, mas sabia que estava envolvido em algo maior. Aconteceu alguma coisa entre eles? Pryia não precisa de um novo pr
DAVINAO hospital cheirava a produtos de limpeza. As luzes brancas faziam tudo parecer mais frio, mais clínico, como se nada ali pudesse ser real. Mas era. E Aaron estava em uma maldita sala de cirurgia.Meus punhos estavam cerrados ao lado do corpo enquanto eu andava pelos corredores com passos pesados. Meu peito subia e descia em um ritmo descontrolado, e minha cabeça girava com perguntas sem resposta. A dor, a culpa, a raiva, tudo misturado em uma tempestade dentro de mim.E então eu os vi. Os pais dele.Eles chegaram quase ao mesmo tempo que eu e Gutemberg, mas sumiram por um tempo.David Miller e Jonathan Blake estavam em um canto. David parecia aflito, olhando o tempo todo para o corredor, como se esperasse que alguém aparecesse a qualquer momento com uma notícia ruim. Jonathan, por outro lado, mantinha-se fechado, sua expressão impassível como se nada o abalasse. Homens de ternos caros, um preocupado demais e o outro indiferente, como se estivessem lidando com um problema buroc
DAVINAKJ já sabe que Pryia está de volta.Claro que sabe. Provavelmente sempre soube. Alguém está nos vigiando. Alguém próximo o suficiente para antecipar nossos passos antes mesmo de darmos o primeiro. O tiro em Aaron foi a prova definitiva disso. Ele foi delatado. Não havia saída para ele naquela noite, não havia brechas. Tudo foi planejado para que ele não tivesse chance de escapar. Só foi uma sorte ou coincidência? Que Gutemberg tenha chegado a tempo. Mas será mesmo? Se Gutemberg estivesse por trás disso, por que se daria ao trabalho de salvá-lo? Nada faz sentido. Tudo está confuso e qualquer um pode ser um suspeito. Até mesmo ele.Aaron está fora de perigo agora, mas a situação continua um caos. Pryia não fala comigo desde que recebeu a notícia sobre o nosso pai. Ela me culpa. Acha que estou impedindo-a de ver nossa mãe de propósito, como se eu tivesse algum interesse oculto e mesquinho. Enquanto isso, ela se aproxima cada vez mais de Gutemberg. Parece se agarrar a ele como se s