DAVINA— Não fique no meu caminho se você não sabe o que quer... essa garota tem asas e quer alcançar o céu... oh cara, fique fora do meu caminho...Canto baixinho, acompanhando a batida no fone de ouvido enquanto caminho sem pressa pela calçada. As ruas estão quase desertas a essa hora, mas eu conheço cada pedaço desse bairro, cada rachadura na calçada, cada sombra que se arrasta quando o sol se despede. Cresci aqui, eu poderia ser a rainha do lugar. Nenhuma outra pessoa conhece melhores os becos e vielas.Meus pensamentos dançam entre a melodia e a ansiedade. Dentro de alguns minutos, verei Pryia novamente e poderemos continuar nossa conversa. Gutemberg disse que me pegaria assim que eu saísse da escola para irmos juntos.Meu coração se aperta. Não pelo encontro, mas porque o nome dele ressoa dentro de mim de uma forma que me incomoda. Gutemberg.E, inevitavelmente, vem a lembrança do beijo.Eu poderia dizer que foi um erro, mas mentir para mim mesma nunca foi meu forte. Eu gostei.
DAVINAO quarto de hotel era espaçoso e bem decorado, mas eu me sentia presa ali dentro. Pryia rodopiava em frente ao espelho, analisando seu reflexo com brilho nos olhos. O vestido vermelho abraçava seu corpo esguio, a transparência nas laterais deixando à mostra sua pele dourada. Ela parecia feliz. Ou fingia muito bem. — O que acha? — perguntou, ajeitando o longo cabelo loiro sobre um dos ombros. Cruzei os braços, sentindo o gosto amargo do cético em minha boca. Pryia havia voltado fazia duas semanas agora, mas continuava sendo uma estranha para mim. Esperava encontrá-la destruída, assombrada, precisando de mim. Mas aqui estava ela, brincando de modelo com as roupas que Vincent lhe comprara, como se tudo estivesse bem. — Parece caro. — É claro que é caro! Vincent tem bom gosto.O nome dele vinha aparecendo muito desde que ela retornara. Eu o conhecia apenas de relance, mas sabia que estava envolvido em algo maior. Aconteceu alguma coisa entre eles? Pryia não precisa de um novo pr
DAVINAO hospital cheirava a produtos de limpeza. As luzes brancas faziam tudo parecer mais frio, mais clínico, como se nada ali pudesse ser real. Mas era. E Aaron estava em uma maldita sala de cirurgia.Meus punhos estavam cerrados ao lado do corpo enquanto eu andava pelos corredores com passos pesados. Meu peito subia e descia em um ritmo descontrolado, e minha cabeça girava com perguntas sem resposta. A dor, a culpa, a raiva, tudo misturado em uma tempestade dentro de mim.E então eu os vi. Os pais dele.Eles chegaram quase ao mesmo tempo que eu e Gutemberg, mas sumiram por um tempo.David Miller e Jonathan Blake estavam em um canto. David parecia aflito, olhando o tempo todo para o corredor, como se esperasse que alguém aparecesse a qualquer momento com uma notícia ruim. Jonathan, por outro lado, mantinha-se fechado, sua expressão impassível como se nada o abalasse. Homens de ternos caros, um preocupado demais e o outro indiferente, como se estivessem lidando com um problema buroc
DAVINAKJ já sabe que Pryia está de volta.Claro que sabe. Provavelmente sempre soube. Alguém está nos vigiando. Alguém próximo o suficiente para antecipar nossos passos antes mesmo de darmos o primeiro. O tiro em Aaron foi a prova definitiva disso. Ele foi delatado. Não havia saída para ele naquela noite, não havia brechas. Tudo foi planejado para que ele não tivesse chance de escapar. Só foi uma sorte ou coincidência? Que Gutemberg tenha chegado a tempo. Mas será mesmo? Se Gutemberg estivesse por trás disso, por que se daria ao trabalho de salvá-lo? Nada faz sentido. Tudo está confuso e qualquer um pode ser um suspeito. Até mesmo ele.Aaron está fora de perigo agora, mas a situação continua um caos. Pryia não fala comigo desde que recebeu a notícia sobre o nosso pai. Ela me culpa. Acha que estou impedindo-a de ver nossa mãe de propósito, como se eu tivesse algum interesse oculto e mesquinho. Enquanto isso, ela se aproxima cada vez mais de Gutemberg. Parece se agarrar a ele como se s
DAVINAMeus dedos se apertam ao redor da minha roupa, enquanto tento processar o que está acontecendo. O que eu poderia fazer? Ele está certo: isso é sobre poder, e no momento, ele tem todo o controle.— Você está louco — solto, minha voz carregada de desprezo.— Mas veja bem, Davina. Agora não se trata só de mim. Tem gente grande nisso, pessoas que você não quer irritar. Pryia virou um risco. — Ele traga novamente, soltando a fumaça pelo nariz. — Mas você pode garantir que ela fique livre. Só precisa assumir o lugar dela.Meu coração dá um salto. A ficha cai de uma vez.— Nós nunca estaremos livres — murmuro, sentindo a bile subir pela garganta. — Se eu for, ela não fala nada para me proteger. Se vocês a pegarem de volta, eu não falo nada.KJ assente, sorrindo como um maníaco.— Agora você está entendendo.Sinto meu estômago revirar.— Mas você quer saber a verdade? Você não tem escolha. — Ele dá mais uma tragada, a ponta do cigarro queimando em vermelho. — Já tem alguém interessado e
DAVINAO sabor de cigarro e raiva invade minha boca enquanto Gutemberg me prende com a força de suas mãos, seus dedos pressionando minha nuca com urgência. Eu tento me afastar, mas ele é implacável.O som de uma respiração forçada e a presença de uma figura feminina me distraem momentaneamente. Pryia está na porta, seus olhos inflamados de raiva e acusação.— Traidora! — ela explode, sua voz cortante e cheia de veneno.Ela avança até mim, apontando um dedo trêmulo, e sua acusação ainda paira no ar. Sua expressão é de dor e fúria, como se a verdade que ela acreditava tivesse sido arrancada dela. Pryia vira para Timmy, que está parado na porta. Seus olhos se fixam nele.— E você? Vai fazer alguma coisa? — ela pergunta, apontando para ele com um dedo acusador. — Não foi você quem confessou que gostava da Davina? Que disse que eu deveria reatar com Gutemberg?Uma tensão palpável preenche o ar.O olhar que Timmy lança para Gutemberg é carregado de desafio, um duelo silencioso que nenhum pa
DAVINAMinha cabeça latejava como se tivesse sido atingida por um tijolo. Minha boca estava seca, a garganta arranhando a cada respiração. A visão embaçada transformava tudo em um borrão indistinto de sombras e formas.Pisquei várias vezes, tentando focar. O teto era baixo e velho, e o cheiro de mofo misturado com algo metálico impregnava o ar. Tentei me mexer, mas um arrepio subiu pela minha espinha, não era frio, era medo.Outras garotas estavam ali. Algumas sentadas, outras encolhidas contra as paredes. Olhos vermelhos, soluços abafados, rostos marcados pelo pânico. Eu não conhecia nenhuma delas. A garota mais próxima, uma morena de cabelos embaraçados, tremia enquanto olhava para as próprias mãos, respirando de forma descompassada.Minha mente ainda estava nebulosa enquanto tentava me lembrar. Eu estava com Pryia. Lembro que estávamos conversando, então ela foi embora no carro de Gutemberg e voltei para os meninos. Eu pretendia falar com os caras, avisá-los que Pryia havia fugido e
DAVINAO cheiro de ferrugem e sal grudava na minha pele, me lembrando a cada segundo de onde eu estava. O porão do navio era apertado, sufocante, com o balanço constante da embarcação me deixando tonta. Eu vinha contando os dias desde que fui trazida para cá, me baseando nas refeições. Duas por dia, de manhã e à noite. E hoje era o décimo dia. Dez dias longe de casa. Minha mãe deve estar surtando.E o caras? Eu espero que eles estejam atrás de mim.Por favor, venham atrás de mim.Eu puxei as pernas contra o peito e encostei a testa nos joelhos, tentando afastar a sensação de pânico que ameaçava me engolir. Mas então ouvi um sussurro ao meu lado.— Ei... você ainda está acordada?Era Aimee. Seu cabelo cacheado estava emaranhado e sem brilho, a pele pálida, mas seus olhos ainda tinham determinação. Desde o momento em que fomos trancadas nesse inferno flutuante, nos tornamos amigas. É mais fácil sobreviver quando não se está sozinha.— Continuo aqui — murmurei.Aimee soltou um suspiro, c