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VISAGENS E DEJAVUS

- Eu estava com Japur no rio Tisda. - Pipa contava-lhes seu sonho - Ele caía na água mas não se molhava. Eu o olhava e não entendia como ele podia não se molhar. Pulei junto com ele, mas a água espadanava toda e eu fiquei encharcada. Fiquei enraivecida por ele rir alto de mim por ter me molhado e ele não.

Pipa contava enquanto retirava as bagas e as colocava em uma tigela. Lacantra e a mãe ficaram vidradas na história do sonho da jovem que desde muito nova, era apaixonada por Japur.

- Que estranho. - Disse a mãe quando a filha terminou sua narração. - Vocês tem visagens estranhas, eu me deito e apago até o dia seguinte, talvez até tenha alguma, mas basta eu colocar os pés no chão ao me levantar de manhã, para se esfumaçarem.

Pipa nunca teve dúvidas de que se casaria um dia com o jovem que retribuía seu amor. Ela tinha quinze anos e Japur era de sua idade. Decidiram que seriam parceiros quando crianças e nunca foram dissuadidos pelos pais que aceitavam e já tinham como certo que realmente o seriam.

- Perguntou à Nony sobre sua visagem? - Questionou a irmã mais velha que ajudava a mãe a separar a gigantesca gema do ovo e colocarem em três vasilhas, armazenando-as em potes diferentes da clara.

- Sim. Fui logo ao acordar contar á ela. Ela me disse que não viu nenhum significado. Disse-me que talvez seja por que o enlace se aproxima, que devo estar ansiosa.

Lacantra teve novamente um Dejavu. Isso sempre acontecia, sem motivo algum. Era como se já tivesse vivenciado aquele momento, como uma lembrança fugidia que aparecia e sumia em segundos.

- O que foi, outra memória?- Perguntou sua mãe que como a irmã, lhe olhavam atentamente. Ela só percebera que ficara uns segundos alheia quando sua mãe a chamou.

- Sim, é tão estranho isso, sabe. Como se já tivéssemos conversado ou talvez com outra pessoa, mas enquanto acontece, é como se realmente houvesse existido o momento… depois se desfaz e não faz mais sentido algum. Ah, mas vamos mudar de assunto pois já passou - Ela sorriu para a mãe e a irmã e as ajudou a terminar de estocar os alimentos que seriam usados por dias.

Naquela noite, enquanto todos faziam a última alimentação, que era como chamavam o jantar, a jovem sentada próxima ao pai na mesa, ria das conversas dos pais e irmão mas sentia-se cansada, o dia havia sido cansativo com a colheita dos ovos e seu sangramento mensal, sempre deixava-a exaurida.

Terminara seu jantar mas continuou ali escutando o pai e o irmão contando suas aventuras do dia, suas risadas e sem perceber, cochilou por alguns instantes.

Novamente ela teve uma visagem.

Suas roupas eram completamente diferentes das que já vira em sua vida.

Não eram rústicas e feitas á mão. Não eram fabricadas com os saquis, que era um processo utilizado de cascas de árvores ou raízes, ou ainda de cipós. Não pareciam tingidos pelo curtume, as cores eram uniformes e o tecido era liso. Eram de duas peças. Ao que pareciam ser semelhantes as dos homens, a parte inferior de sua vestimenta, era dividida, cada perna era envolvida por um tecido lindo, liso e leve. A vestimenta da parte superior, também era delicada, a cor diferia da inferior e ela imaginava como seriam fabricadas, tamanha a perfeição. Como chegaram aquelas cores? Suas vestes eram leves e esvoaçavam a menor brisa.

Ela se olhava, como nos sonhos, de fora. Via a si mesmo como se de longe. Um barulho pontuava seu andar com um toc toc. O lugar onde se encontrava, era muito iluminado, apesar de ser fechado, ela não se encontrava ao ar livre mas a claridade era intensa e um barulho a trouxe de volta.

Com um estremecimento, ela estava ouvindo seu pai gargalhar e estava na choupana. Sua visagem não durou um minuto mas lhe pareceu horas. Ninguém sequer percebeu que ela havia cochilado.

Se despediu e foi se deitar pensando no significado do que via enquanto dormia.

Tendo perdido o sono, acendeu uma pequena tocha e abriu o baú onde guardava suas roupas. Ali ela guardava seus pertences pessoais e encontrou o que procurava.

Seus desenhos. Vários pergaminhos onde ela desenhava as diversas coisas que sonhava e não achava explicações. Haviam dezenas deles. Usando a parca luminosidade, pôs se a desenhar com seu carvão como se viu vestida.

Alguns desenhos que já fizera, eram coloridos mas ela jamais conseguiria cores como as que vira no sonho. Mesmo que usasse as flores mais exóticas que dispunha para fazer cores, não acreditava que conseguiria alcançar fielmente as lindas cores.

A lembrança vívida, já começara a se desvanecer e ela desistiu e foi dormir, deixando sob o baú o desenho tosco rascunhado.

- O que é isso, Lacantra, uma mulher vestida de homem?

Sua irmã lhe perguntara quando acordaram e ela viu o desenho em cima do baú.

- Ah, sei lá, perdi o sono ontem a noite e fiquei desenhando coisas sem nexo. - Respondeu-lhe e logo o assunto foi esquecido.

Ouviu seu irmão e cunhada a falar com seus pais onde faziam o desjejum e se encaminhou para lá.

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