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BRUCKS À ESPREITA

- Eu não cheguei a os seguir, mas vi quando se afastaram rapidamente. Eram uns vinte, aproximadamente. Mas ficaram apenas olhando para cá por uns instantes e foram embora.

Ela ouviu o que parecia ser o final de algo importante que o irmão dizia aos pais.

Julgou ser importante ao ver a feição da mãe e da cunhada. Sáhh tinha a cabeça baixa, preocupada e sua mãe, olhava para o filho com os punhos cerrados ao lado do corpo, lívida. Seu pai, sentado á mesa, tinha os lábios como uma linha. Uma mistura de ira e medo permeavam sua feição.

- Os Brucks? - Lacantra perguntou, já imaginando a resposta. Seu irmão, suavizou a expressão preocupada ao ver a irmã entrando na cozinha, assentiu e se desencostou da mesa para abraçá-la.

- Nada com o que se preocupar, pixotinha. - Chamou-a pelo apelido carinhoso, enquanto apertava-a ao seu encontro.

- Não seja condescendente comigo, Carh. Você sabe como odeio isso. Quando os viu, estavam muito próximos daqui?

- Sim, ontem no começo da noite, estavam bem próximos. Só olhavam para o lado de cá, sustentei o olhar do líder, não falei nada e foram embora, só isso mesmo.

Carh sentou-se ao lado da esposa, que agora parecia mais calma e puseram a tomar o café da manhã, o dia começava a nascer. Ninguém falou nada por alguns minutos, cada um ruminando a visita dos Brucks, quando Tábea perguntou:

- O que faziam ontem a noite que estavam voltando, como disseram, e viram s Brucks?

Pipa ainda dormia e sentados ali, tomavam em cumbucas de madeira, um chá espesso de cheiro forte. Lacantra estava sentada e olhava para o casal. O pai ainda pensava na visita inesperada, quando o silêncio persistiu sem respostas, todos levantaram o olhar para Carh e sua esposa. Ambos sorriam um sorriso de conspiração.

- Estamos esperando! - Gritou o casal em uníssono.

Sáhh fora abençoada logo no início do casamento e esperavam um bebê.

A alegria foi contagiante. O pai pulou da cadeira, esquecido dos Brucks. Tábea, em choque, os olhava e uma lágrima solitária lhe desceu instantaneamente pela face.

Os cinco passaram a se abraçar, a desejar saúde e felicidade aos futuros pais. Pipa foi acordada pelos gritos e todos saíram a gritar aos vizinhos. 

Sempre era um dia de festa quando se esperava um bebê.

A preocupação com os Brucks, fora esquecida. Mais e mais amigos apareciam com oferendas para o novo membro e o dia se transformou em alegria.

Lacantra admirava demais o irmão e não lhe passou despercebido que ele carregava sua espada nas costas, mesmo estando em comemoração. Assim era Carh. Sempre precavido.

Os Brucks eram uma constante preocupação. Não só a eles, mas a todos.

Andavam em bandos, eram covardes e não os atacavam apenas para saquearem, mas muitas vezes por pura crueldade. Eram anômalos. Grotescos com suas garras impiedosas, sua altura descomunal, seus músculos avantajados e, por serem enormes, não precisavam de muitos para um ataque as tribos, mas jamais eram vistos sozinhos.

Andavam de pé, mas corriam de quatro com rapidez e sua pelagem, os ajudavam se camuflar. Pêlos de um dedo de espessura, duros e firmes, mudavam a coloração. Podiam se misturar ao verde, ao mato ressequido, às flores, às cores que quisessem. Isso dificultava a defesa contra eles. Essas bestas estarem os espreitando e não tendo feito um ataque, mas apenas observar, era deveras preocupante.

Inúmeras vezes, Lacantra havia sonhado que havia sido pega por um Bruck e acordava assustada e gritando. Os dentes deles, eram assustadores, bem como os olhos que destacavam em suas caras. Seu pai uma vez conseguira decepar com a espada a cabeça de um. Ela devia ter uns sete anos, mas se lembrava de o pai ter trazido a cabeça e a empalado na entrada de Pua como aviso ao seu bando.

A cabeça da besta era gigantesca se comparada a de humanos. Ela se lembrava que o pai se esforçara para a carregar até a entrada de Pua e ficara cansado ao subir na árvore e a empalar ali.

Os olhos vítreos ainda a assombrava. Baços, não tinham mais aquelas veias que lhes assustavam tanto. Eram desproporcionais ao tamanho da cabeça, pegavam quase a metade da cara e só perdiam em tamanho para os dentes enormes e afiados e que destroçavam a presa em instantes.

Pipa e ela, foram ensinadas ainda pequenas a empunhar uma espada para se defenderem caso se deparassem com um. Foram instruídas a deixarem suas espadas á luz do sol o quanto pudessem e á luz da lua a noite. As espadas, tendo recebido a luz dos sol ou da lua, carregava um poder a mais contra eles. Não que tivessem chance, mesmo agora mais velhas contra um Bruck, mas era melhor do que ser pega sem nada. Lacantra e Pipa já deviam estar treinando para Cândalos, mas ainda não começaram, adiaram, mas agora, com a espreita das bestas, com certeza dariam início.

Haviam tonéis em cada choupana de todas as tribos com água fermentada de frutas ou qualquer alimento de fermentação para se protegerem contra as bestas. Era uma boa arma também, se jogada e em seguida atear fogo. A combustão era instantânea e lhe dava tempo para atacar ou correr.

- Fomos até Magay ontem no final da tarde. - Dizia Carh aos amigos e vizinhos, enquanto cada um segurava sua bebida. A comemoração se estendia ao longo do dia. Bebiam uma bebida que deixava-os bêbados e alegres. Era baca, uma bebida fabricada por eles e que vinha de várias misturas de raízes e frutas fermentadas, exalava um cheiro agridoce e Lacantra não gostava muito, o cheiro era o suficiente para lhe deixar tonta. - Queríamos ter certeza da gestação antes de anunciar. Bastou ela olhar para Sáah para saber que fôra abençoada. 

O casal se olhava com um brilho de devoção no olhar e Sáah já segurava a barriga como se estivesse distendida e não achatada como ainda estava.

Magay era uma anciã bondosa que era procurada por todos quando estavam doentes ou precisavam de um de seus tônicos para mais saúde, vitalidade, virilidade ou quaisquer assuntos relacionados á saúde. Magay trouxera a maioria dos filhos de diversas tribos ao mundo. Fazia partos, curava feridas e era tida como uma sábia mulher que dedicou a vida a cuidar dos outros. Jamais se casara ou tivera filhos mas considerava todos como parente ou filho.

Tábea sempre a visitava levando alimentos ou vestimentas. Magay não se preocupava em procurar nada do que precisava, era só pedir aos amigos, e mesmo sem pedir, nada lhe faltava. Eram gratos aos seus conselhos e sua ajuda. Lacantra e Pipa quando mais novas, morriam de medo da anciã e esperavam a mãe no terreiro da velha, nunca entravam em sua choupana. Sem um dente na boca, a anciã falava alto, o que destoava de sua estatura diminuta que a fazia parecer uma criança. Sempre usava um pano a lhe cobrir os cabelos brancos que escapavam em mechas rebeldes.

Sua voz rascante era assustadora para crianças, sua choupana era um caos de potes, ervas espalhadas por cada palmo, parecia que ela acumulava coisas e nunca jogava nada fora. O caldeirão que ficava no centro da choupana, estava sempre em ebulição com algum preparo de cheiro forte.

Foi na volta da choupana de Magay, que seu irmão e cunhada, detectaram a presença dos Brucks.

Lacantra ainda pensava sobre esse assunto, quando voltou a atenção a comemoração, ao ouvir seu irmão mencionar seu nome:

- … Lacantra, caso seja uma garota e Ceni, caso seja um garoto.

Ele e Sáah a olhavam com olhos que sorriam juntamente com os lábios e só assim ela saiu de seu torpor:

- O que você disse? - Questionou-lhe a irmã, ansiosa.

- Seu irmão disse que se nosso bebê for um menino, se chamará Ceni, como  meu pai, mas se for uma menina, terá o seu nome. - Respondeu-lhe Sáah que já tinha os olhos marejados novamente.

Lacantra a agarrou apertado pelo pescoço e lhe beijava o rosto, agradecida e dizendo que não podia acreditar que fariam isso.

- Sua bobinha, o prazer será nosso. - A cunhada a abraçava com carinho, a lágrima já caía agora a vontade. - Espero que ela seja tão forte quanto você, e que tenha visagens também.

- Mas que não seja rebelde como a tia, por Rafo!. - Gritou um dos amigos, já bêbado e todos deram gargalhadas, concordando.

- Sim, que não precise passar uma lua em Falls.- Gritava mais um, se lembrando que Lacantra já passara mais de uma vez, dias exilada em Falls, um condado distante e inóspito onde os Sivaês mandavam os rebeldes. Sua rebeldia já lhe renderam dias sozinha em Falls, tendo que se virar, sem que ninguém pudesse lhe ajudar, sem poder pedir ajuda ou recorrer da decisão.

- Mas que ela tenha um amigo como eu!. - Gritava Lucca, que já se encontrava ali, festejando e bebendo com os amigos.

Lacantra fingia choque a cada menção de que a nova bebê não se parecesse com ela e o dia se encontrou com a noite, enquanto comemoravam a chegada de um novo membro na família e na tribo.

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