CillianQuando o sol iluminou o quarto, eu saí da cama. Não havia dormido e não conseguiria. Estava sentido uma enorme pressão dentro de mim. Parecia que eu explodiria a qualquer instante. Precisava sair. Caminhei para o closet e, ao entrar, logo vi ao canto algumas roupas dela, dobradas na prateleira. Tentei ignorar a dor que isso me causou e vesti-me apressadamente. Desci pelo elevador social direto para a recepção. Na calçada, marquei o tempo no relógio do punho, coloquei os fones de ouvido e atravessei a rua para o Central Park. Alonguei-me rapidamente e então comecei a correr. Correria até a exaustão se isso fosse tirar essa pressão de dentro do meu peito. Foram quarenta e três minutos de corrida sem interrupções. Em casa, ao entrar, a minha mãe preparava o café da manhã. — Fiz panquecas! — cantarolou. — Sem fome! — Foi tudo o que disse indo para o quarto. Entrei no banheiro e tranquei a porta. Tirei os tênis, o relógio, os fones e comecei a me despir. Observei as tatuagens
CillianO fim de semana em Pasadena estava sendo mais longo do que eu conseguia suportar. A casa estava cheia de pessoas com olhares críticos, fofoquinhas ao pé do ouvido e sorrisos forçados para mim. Entornei em um só gole uma dose de uísque e entrei na casa, escondendo-me no corredor que levava para o escritório. Caroline apareceu e escorou-se no outro lado do corredor, diante de mim. Ela sorriu e chutou a ponta do meu sapato com o bico do seu. — Como me achou aqui? — perguntei. — Me lembro da gente se esconder aqui quando os nossos pais brigavam. Não tem briga agora. Por que está se escondendo? — Essa gente toda é irritante. — Você parece triste. — É porque estou. — O que aconteceu? — Levei um pé na bunda. — Ah, droga! Outra vez por aquele mesmo motivo? — Não. Dessa vez, porque fui um babaca. — O que você fez? — Menti dizendo estar indo a um congresso, quando, na verdade, estaria bem aqui. — Nossa! — Ela riu. — Você foi mesmo um babaca. — É. E não quero falar disso.
Cillian O táxi estacionou em frente ao prédio. Desci após pagar pela corrida e subi os degraus que levavam até a porta. Estava frio, muito frio. Nevaria a qualquer momento, mas eu só sairia dali após falar com ela. Toquei o botão do seu apartamento e logo alguém atendeu: — Quem é? — A voz se parecia com a da Anna. — É o Cillian. — O que está fazendo aqui? — Quero falar com ela. — Mas ela não quer falar com você! — Por favor. A gente precisa conversar, eu não aguento mais isso! — Fui persistente. — Vá para casa, Cillian. A Cris está mesmo tentando esquecer você. Seria bom se ajudasse com isso. — Diz para ela que eu só saio daqui depois que a gente conversar, mesmo que eu congele aqui fora. O silêncio foi a minha resposta. — Alô?! Anna! — O silêncio perdurou. Apertei novamente o interfone e ninguém atendeu. Apertei de novo, determinado a só retirar o meu dedo dali, quando Cristina falasse comigo. Através do vidro da porta, eu vi uma silhueta feminina se aproximar. Eu me
Cillian Mais alguns dias se foram. E com eles, a esperança de poder me aproximar da Cristina novamente. Quanto mais noites se iam, mais eu começava a crer que de fato estava tudo acabado. Às vezes, me questionava se importaria ou mudaria algo eu conseguir contar a ela sobre mim e explicar a minha mentira. — Não tem mais nada que eu pudesse fazer para que ela fale comigo, para que me ouça — disse para o meu terapeuta. — Meu número está bloqueado, não sei onde ela está trabalhando agora, na sua casa não sou recebido e no campus ela é como fumaça, desaparece fácil. — E como você entende isso? — Que está na hora de desistir? Ela está machucada e eu também estou. Talvez, está na hora apenas de nos curarmos. Mas não sei se sou capaz de me curar sem uma última conversa. — Certo. Digamos que ela não esteja aberta a um último diálogo. Como pretende se curar? — Evitá-la o máximo que puder e deixar Nova Iorque quando acabar o ano letivo. — Por quê, Cillian? — Encarou-me curioso. — Nov
CillianEstacionei em frente ao bar, do outro lado da rua, e descei, parando por um minuto. Então, eu a vi pela vitrine. Um pequeno alívio surgiu em mim, junto a um sorriso. Atravessei a rua a passos largos, sentindo-me pronto para falar, finalmente. Mas antes que eu pudesse nem sequer entrar, a porta foi aberta e Anna apareceu com uma feição zangada. Ela segurou-me pela gola do casaco e me empurrou para trás, afastando-me do bar. — O que você quer aqui? Está perseguindo-a? — perguntou alto, furiosa. — Vim falar com ela. — Não, você não veio. Está aqui para estragar a noite dela! — Sabe que eu não faria isso! — Acho que faria, sim. Afinal, estragou o coração dela! Cristina não quer falar com você. Ela não quer lhe ver. Não percebeu ainda? Supera, já faz mais de dois meses! — disse alto, empurrando-me. Eu a olhei irritado. Anna estava indo longe demais. — Por que ela não vem aqui e diz isso na minha cara? Por que está sempre falando por ela? — Usei do mesmo tom irritada. — Eu n
Cillian — Causei um grande mal a ela. Algo que claramente Cristina não merecia — disse ao terapeuta. — Ela realmente não quer me ver. Entra e sai das aulas sem me olhar no rosto. Acho que… só deveria deixá-la ir. Me esquecer. Saí da sessão de uma hora, decidido que não mais a procuraria. Eu havia entendido que a minha proximidade era desnecessária, somente a machucaria mais. E eu precisava respeitar a sua vontade. Ela não mais queria ter contato comigo. Então deixei que fosse. Peguei as suas roupas que estavam no meu closet, coloquei-as em uma bolsa e entreguei para Anna. Guardei a pulseira ao fundo de uma gaveta e segui os meus dias a amando em silêncio e segredo, e vivendo e engolindo todos os dias o meu arrependimento por não dizer a verdade. Eu quis tanto me proteger, que a feri com todo o meu egoísmo. Tentei guardar o meu coração das mágoas, mas destruí o seu. Fui um grande estúpido. Cristina continuou indo às aulas. Continuei lecionando para a sua turma e segui o seu exemp
CillianChicago me trazia péssimas lembranças. Foi aqui que nasci e vivi verdadeiros pesadelos até os quatorze anos, quando a minha mãe se divorciou e se mudou para Pasadena comigo e Carol. O ar ainda parecia o mesmo de vinte anos atrás: pesado e cheio de ódio. Ao sair do aeroporto, aluguei um carro e segui para o hotel. No quarto, coloquei a mala ao canto e caminhei até a janela. Observei a cidade do décimo nono andar e um pouco de enjoo surgiu. Na mesa de cabeceira, apanhei o telefone e liguei para o quarto da minha mãe que está um andar abaixo do meu. — Alô. — Oi. Eu já cheguei. — Oi, filho. O jantar de ensaio é em duas horas. — Vou tomar banho e desço aí em uma hora. — Como foi a viagem? — Tranquila. — E como é estar aqui após vinte anos? — Gostaria de não estar. Mas faço pela Caroline. — Respire fundo. — Até daqui a pouco. Coloquei o telefone de volta no gancho. Sentado na cama, retirei os sapatos e comecei a me despir. Segui para o banheiro e retirei a calça junt
Cillian— Achou que eu não viria no casamento da minha própria filha? — Achei, sim. Afinal, uma de vocês foi convidado por mera educação da noiva. — Senti o seu olhar queimar em mim. Ele ainda se referia a mim no feminino. — É melhor que nos deixe em paz, psicopata — disse Sheryl, fazendo-o rir de um jeito debochado. — Cuidado para que vocês duas não transformem esse casamento em um verdadeiro circo dos horrores. Cerrei o meu punho com tamanha força, fazendo-o estalar. Ele afastou indo em direção à mesa. — Nós não precisamos ficar — disse Sheryl. — Mas nós vamos. Se sairmos, estaremos fazendo tudo exatamente do jeito que ele quer. Estaremos jogando conforme as regras dele. E eu me recuso a isso. Durante todo o jantar pude senti-lo me encarar. A ira exalava dele, irradiando pela mesa. Era quase tóxico. Por algumas vezes senti vontade de encará-lo de volta, mas não estava seguro com isso e de como ele me afetaria com um contato tão direto. Se eu era resistente o bastante para pa