CillianEstacionei em frente ao bar, do outro lado da rua, e descei, parando por um minuto. Então, eu a vi pela vitrine. Um pequeno alívio surgiu em mim, junto a um sorriso. Atravessei a rua a passos largos, sentindo-me pronto para falar, finalmente. Mas antes que eu pudesse nem sequer entrar, a porta foi aberta e Anna apareceu com uma feição zangada. Ela segurou-me pela gola do casaco e me empurrou para trás, afastando-me do bar. — O que você quer aqui? Está perseguindo-a? — perguntou alto, furiosa. — Vim falar com ela. — Não, você não veio. Está aqui para estragar a noite dela! — Sabe que eu não faria isso! — Acho que faria, sim. Afinal, estragou o coração dela! Cristina não quer falar com você. Ela não quer lhe ver. Não percebeu ainda? Supera, já faz mais de dois meses! — disse alto, empurrando-me. Eu a olhei irritado. Anna estava indo longe demais. — Por que ela não vem aqui e diz isso na minha cara? Por que está sempre falando por ela? — Usei do mesmo tom irritada. — Eu n
Cillian — Causei um grande mal a ela. Algo que claramente Cristina não merecia — disse ao terapeuta. — Ela realmente não quer me ver. Entra e sai das aulas sem me olhar no rosto. Acho que… só deveria deixá-la ir. Me esquecer. Saí da sessão de uma hora, decidido que não mais a procuraria. Eu havia entendido que a minha proximidade era desnecessária, somente a machucaria mais. E eu precisava respeitar a sua vontade. Ela não mais queria ter contato comigo. Então deixei que fosse. Peguei as suas roupas que estavam no meu closet, coloquei-as em uma bolsa e entreguei para Anna. Guardei a pulseira ao fundo de uma gaveta e segui os meus dias a amando em silêncio e segredo, e vivendo e engolindo todos os dias o meu arrependimento por não dizer a verdade. Eu quis tanto me proteger, que a feri com todo o meu egoísmo. Tentei guardar o meu coração das mágoas, mas destruí o seu. Fui um grande estúpido. Cristina continuou indo às aulas. Continuei lecionando para a sua turma e segui o seu exemp
CillianChicago me trazia péssimas lembranças. Foi aqui que nasci e vivi verdadeiros pesadelos até os quatorze anos, quando a minha mãe se divorciou e se mudou para Pasadena comigo e Carol. O ar ainda parecia o mesmo de vinte anos atrás: pesado e cheio de ódio. Ao sair do aeroporto, aluguei um carro e segui para o hotel. No quarto, coloquei a mala ao canto e caminhei até a janela. Observei a cidade do décimo nono andar e um pouco de enjoo surgiu. Na mesa de cabeceira, apanhei o telefone e liguei para o quarto da minha mãe que está um andar abaixo do meu. — Alô. — Oi. Eu já cheguei. — Oi, filho. O jantar de ensaio é em duas horas. — Vou tomar banho e desço aí em uma hora. — Como foi a viagem? — Tranquila. — E como é estar aqui após vinte anos? — Gostaria de não estar. Mas faço pela Caroline. — Respire fundo. — Até daqui a pouco. Coloquei o telefone de volta no gancho. Sentado na cama, retirei os sapatos e comecei a me despir. Segui para o banheiro e retirei a calça junt
Cillian— Achou que eu não viria no casamento da minha própria filha? — Achei, sim. Afinal, uma de vocês foi convidado por mera educação da noiva. — Senti o seu olhar queimar em mim. Ele ainda se referia a mim no feminino. — É melhor que nos deixe em paz, psicopata — disse Sheryl, fazendo-o rir de um jeito debochado. — Cuidado para que vocês duas não transformem esse casamento em um verdadeiro circo dos horrores. Cerrei o meu punho com tamanha força, fazendo-o estalar. Ele afastou indo em direção à mesa. — Nós não precisamos ficar — disse Sheryl. — Mas nós vamos. Se sairmos, estaremos fazendo tudo exatamente do jeito que ele quer. Estaremos jogando conforme as regras dele. E eu me recuso a isso. Durante todo o jantar pude senti-lo me encarar. A ira exalava dele, irradiando pela mesa. Era quase tóxico. Por algumas vezes senti vontade de encará-lo de volta, mas não estava seguro com isso e de como ele me afetaria com um contato tão direto. Se eu era resistente o bastante para pa
O dia se foi e a noite chegou. Alfred não mais apareceu ali. Eu estava com fome, sede e vontade de fazer xixi. Caminhei até a porta e bati contra a madeira, chamando por alguém. Mas ninguém veio. Sentei-me no chão escorado a ela e novamente chorei um pouco mais, desesperado. Mais horas se passaram e pela janela vi quando as luzes do jardim foram desligadas, o que me dizia ser dez horas da noite. Ao fundo da sala, diante da mesa dele, havia um sofá de dois lugares revestido em couro. Eu me deitei ali, encolhido, sentindo a bexiga doer. Eu precisava ir ao banheiro. Depois de um tempo, o cansaço ocupou o meu corpo e acabou vencendo-me. Quando acordei pela manhã com a tamanha claridade do sol, senti algo entranho na calça, parecia úmida. Olhei para baixo e vi que estava todo molhado. Entrei em desespero. Se Alfred entrasse ali e visse aquilo, seria capaz de me bater novamente. Levantei-me do sofá e olhei ao meu arredor procurando por algo que pudesse usar para limpar o couro. A port
Quando a noite chegou, a porta foi aberta e eu olhei sobre o ombro. Alfred entrou com um DVD nas mãos. Em silêncio, caminhou até a TV que ficava na estante, à minha frente. Ele agachou-se e ligou-a, inserindo o CD no aparelho. Então, apanhou o controle remoto e se levantou, virando-se para mim. — Acho que você precisa entender como é o corpo de um homem para saber que você não pode ser um. Também vou lhe mostrar para que serve o seu corpo, um corpo feminino. — O seu tom era assustadoramente brando. Ele sorriu e ligou a TV. Então imagens de filme pornográfico começaram a rolar na tela. Os meus olhos se arregalaram e eu fiquei tenso e assustado. Era nojento e esquisito. Alfred parou logo atrás de mim e segurou o encosto da cadeira, curvando-se para frente. — Veja o que ele tem entre as pernas — falou baixo no meu ouvido. — Isso é o que torna um ser humano em homem. Não tem um pênis… Kate — pronunciou o meu nome lentamente. Os meus olhos se encheram de lágrimas. Um doloroso nó se fo
Parecia um sonho estranho. Estava tudo escuro e sons de estalo viajam ao meu ouvido, se aproximando um tanto rápido demais. Os meus olhos então se abriram e uma claridade imensa os invadiu, segando momentaneamente. Pisquei algumas vezes, rápido, tentando me acostumar com a luz. — Beba isso! — A voz rude de Alfred invadiu os meus ouvidos, despertando-me de vez. Olhei-o com olhos arregalados de medo. O meu corpo estremeceu com o pavor. A respiração ofegou e o coração bateu muito forte. Um copo foi coloca na minha boca, ao mesmo que a sua mão agarrou o meu queixo, apertando-o. Um líquido de gosto péssimo, nem doce ou salgado, foi derramado na minha língua. Eu engoli um pouco daquilo, apressado. Estava com muito sede. A bebida desceu embolada pela minha garganta, causando um certo desconforto. Mas, ao mesmo tempo que aquilo chegou ao meu estômago, o enjoo que senti foi terrível. Sem que eu pudesse evitar, vomitei, sujando-me todo. — Os meus sapatos! — falou ele irritado, afastando-se
Acordei com barulhos ritmados ecoando dentro do meu cérebro. Abri os meus olhos e a primeira coisa que vi foi um imenso teto branco. Lentamente, virei o rosto para o lado. Persianas cobriam uma janela. Nenhuma luz escapava à sua volta. Talvez já fosse noite. Ergui um pouco a cabeça e lá estava um monte fios e aparelhos. Olhei para o outro lado e então vi a minha mãe, adormecendo sentada em uma poltrona. — Mamãe… — chamei por ela e a minha voz saiu mais forte. Eu já não me sentia tão mal como antes, ou à beira da morte. — Mãe! — chamei-a novamente, um pouco mais alto. Ela sobressaltou assustada e olhou para os lados, procurando por quem a chamava, até que os seus olhos em encontraram. — Cillian. Levantou-se depressa e veio até mim. — Você acordou. — A voz soou embargada. — E você veio me salvar. Ela segurou a minha mão e beijou o dorso, chorando. — Sim, meu amor. — Tentou sorrir. — Onde ele está? Sheryl desviou o seu olhar do meu. — Ele foi à polícia e disse que a casa