Cillian— Achou que eu não viria no casamento da minha própria filha? — Achei, sim. Afinal, uma de vocês foi convidado por mera educação da noiva. — Senti o seu olhar queimar em mim. Ele ainda se referia a mim no feminino. — É melhor que nos deixe em paz, psicopata — disse Sheryl, fazendo-o rir de um jeito debochado. — Cuidado para que vocês duas não transformem esse casamento em um verdadeiro circo dos horrores. Cerrei o meu punho com tamanha força, fazendo-o estalar. Ele afastou indo em direção à mesa. — Nós não precisamos ficar — disse Sheryl. — Mas nós vamos. Se sairmos, estaremos fazendo tudo exatamente do jeito que ele quer. Estaremos jogando conforme as regras dele. E eu me recuso a isso. Durante todo o jantar pude senti-lo me encarar. A ira exalava dele, irradiando pela mesa. Era quase tóxico. Por algumas vezes senti vontade de encará-lo de volta, mas não estava seguro com isso e de como ele me afetaria com um contato tão direto. Se eu era resistente o bastante para pa
O dia se foi e a noite chegou. Alfred não mais apareceu ali. Eu estava com fome, sede e vontade de fazer xixi. Caminhei até a porta e bati contra a madeira, chamando por alguém. Mas ninguém veio. Sentei-me no chão escorado a ela e novamente chorei um pouco mais, desesperado. Mais horas se passaram e pela janela vi quando as luzes do jardim foram desligadas, o que me dizia ser dez horas da noite. Ao fundo da sala, diante da mesa dele, havia um sofá de dois lugares revestido em couro. Eu me deitei ali, encolhido, sentindo a bexiga doer. Eu precisava ir ao banheiro. Depois de um tempo, o cansaço ocupou o meu corpo e acabou vencendo-me. Quando acordei pela manhã com a tamanha claridade do sol, senti algo entranho na calça, parecia úmida. Olhei para baixo e vi que estava todo molhado. Entrei em desespero. Se Alfred entrasse ali e visse aquilo, seria capaz de me bater novamente. Levantei-me do sofá e olhei ao meu arredor procurando por algo que pudesse usar para limpar o couro. A port
Quando a noite chegou, a porta foi aberta e eu olhei sobre o ombro. Alfred entrou com um DVD nas mãos. Em silêncio, caminhou até a TV que ficava na estante, à minha frente. Ele agachou-se e ligou-a, inserindo o CD no aparelho. Então, apanhou o controle remoto e se levantou, virando-se para mim. — Acho que você precisa entender como é o corpo de um homem para saber que você não pode ser um. Também vou lhe mostrar para que serve o seu corpo, um corpo feminino. — O seu tom era assustadoramente brando. Ele sorriu e ligou a TV. Então imagens de filme pornográfico começaram a rolar na tela. Os meus olhos se arregalaram e eu fiquei tenso e assustado. Era nojento e esquisito. Alfred parou logo atrás de mim e segurou o encosto da cadeira, curvando-se para frente. — Veja o que ele tem entre as pernas — falou baixo no meu ouvido. — Isso é o que torna um ser humano em homem. Não tem um pênis… Kate — pronunciou o meu nome lentamente. Os meus olhos se encheram de lágrimas. Um doloroso nó se fo
Parecia um sonho estranho. Estava tudo escuro e sons de estalo viajam ao meu ouvido, se aproximando um tanto rápido demais. Os meus olhos então se abriram e uma claridade imensa os invadiu, segando momentaneamente. Pisquei algumas vezes, rápido, tentando me acostumar com a luz. — Beba isso! — A voz rude de Alfred invadiu os meus ouvidos, despertando-me de vez. Olhei-o com olhos arregalados de medo. O meu corpo estremeceu com o pavor. A respiração ofegou e o coração bateu muito forte. Um copo foi coloca na minha boca, ao mesmo que a sua mão agarrou o meu queixo, apertando-o. Um líquido de gosto péssimo, nem doce ou salgado, foi derramado na minha língua. Eu engoli um pouco daquilo, apressado. Estava com muito sede. A bebida desceu embolada pela minha garganta, causando um certo desconforto. Mas, ao mesmo tempo que aquilo chegou ao meu estômago, o enjoo que senti foi terrível. Sem que eu pudesse evitar, vomitei, sujando-me todo. — Os meus sapatos! — falou ele irritado, afastando-se
Acordei com barulhos ritmados ecoando dentro do meu cérebro. Abri os meus olhos e a primeira coisa que vi foi um imenso teto branco. Lentamente, virei o rosto para o lado. Persianas cobriam uma janela. Nenhuma luz escapava à sua volta. Talvez já fosse noite. Ergui um pouco a cabeça e lá estava um monte fios e aparelhos. Olhei para o outro lado e então vi a minha mãe, adormecendo sentada em uma poltrona. — Mamãe… — chamei por ela e a minha voz saiu mais forte. Eu já não me sentia tão mal como antes, ou à beira da morte. — Mãe! — chamei-a novamente, um pouco mais alto. Ela sobressaltou assustada e olhou para os lados, procurando por quem a chamava, até que os seus olhos em encontraram. — Cillian. Levantou-se depressa e veio até mim. — Você acordou. — A voz soou embargada. — E você veio me salvar. Ela segurou a minha mão e beijou o dorso, chorando. — Sim, meu amor. — Tentou sorrir. — Onde ele está? Sheryl desviou o seu olhar do meu. — Ele foi à polícia e disse que a casa
Eu estava cheio de pavor. Começava a não sentir o ar entrar nos pulmões. Uma crise de ansiedade se aproximava. Eu não podia ficar mais vulnerável para eles do que já estava. Só precisava me lembrar que o ar estava, sim, entrando, eu apenas não estava o sentindo. Respirar fundo e devagar. — O que você tem embaixo dessa roupa, coisinha esquisita? Tirem a roupa dela — mandou um deles e os outros rapidamente abriram a camisa do uniforme, e puxaram a calça até o tornozelo, fazendo o mesmo com a cueca em seguida. — O que são essas perebas em você? — Tocou as marcas das queimaduras, fazendo o meu abdome se retrair ao seu toque. Isso os fizeram gargalhar. — Ela é bem rosadinha — disse o mais feio deles, olhando para entre as minhas pernas. — O que vocês acham? — Olhou para os outros, com um sorriso maligno. — Vou primeiro! — disse um rapidamente. Estremeci de pavor. Eu sabia do que eles estavam falando. — Não! Não foderemos com o pecado. Seja lá o que essa coisa tem, pode passar para
CillianDiante do espelho, eu fazia caprichosamente o nó na gravata borboleta, quando alguém bateu na porta. Caminhei até ela, acreditando que fosse Sheryl, mas ao abri-la, lá estava um funcionário do hotel. — Boa noite, senhor Ballard. Isso foi deixado na recepção para o senhor. Estendeu-me uma sacola preta, lustrosa, sem nenhum logo aparente. Ela estava fechada com uma fita de cetim branca, em um laço grande e bem-feito. Apanhei-a e agradeci a ele, fechando a porta após dá-lo cinco dólares como gorjeta. Coloquei a sacola sobre a mesa do bar ao canto do quarto e puxei uma das pontas do laçarote. Ao abrir, vi um pedaço de tecido rosado e florido. Puxei-o lá de dentro, desdobrando-o. Não era um pedaço de tecido qualquer. E um vestido infantil e feminino. Um maldito vestido muito parecido com o qual Alfred obrigou-me a vestir. O sangue no meu corpo se esquentou e as mãos apertaram o tecido com tamanha força, causando um estalo nos punhos. Os dentes rangeram ao contrair da mandíbula.
CillianDurante duas horas, fiquei pelos cantos, contando cada segundo para ir embora dali. Sheryl estava um pouco entretida, conversando com velhos conhecidos. Eu já havia bebido quatro doses de uísque e a minha cabeça rodava um pouco. — Você não vem dançar comigo? — perguntou Caroline. — Deveria dançar com o seu marido, aproveitar cada segundo da noite de hoje. — Forcei um sorriso. — Eu não sei onde ele está. Deve estar com alguém do trabalho, conversando sobre coisas de trabalho. — Riu. Eu a olhei com cautela e um pouco de pena. A sua ingenuidade ainda destruiria o seu coração. — Acho que você devia ir procurá-lo. Ela assentiu e se foi. Ao longe, vi quando Alfred se afastou do seu grupinho de machos com masculinidade frágil e andou em direção ao salão coberto. Coloquei o copo sobre uma mesa qualquer e o segui com certa distância. Ele parou pelo caminho e cumprimentou uma mulher, beijando-a na mão. Mas logo andou em direção ao corredor que levava aos banheiros. As solas