Parte DoisUma Verdade Difícil Cillian“Eu te amo” Essas palavras não paravam de ecoar na minha mente. Foi a primeira vez que um interesse amoroso as dissera para mim. Eu também a amava, mas tinha medo de dizer. Aliás, medo é algo que sinto desde aquela noite no bar, onde beijei Cristina pela primeira vez. A todo instante, mesmo nos momentos mais felizes, eu tinha a sensação de que tudo entre nós não era tão real ou sólido quanto parecia ser. Eu sabia que assim que contasse a ela, Cristina iria embora. Todas iam. A volta para casa demorou mais do que outro dia qualquer. O trânsito infernal de Nova Iorque foi o que me fez reconsiderar inúmeras vezes a minha vinda para cá. Eu estava em Londres há tanto tempo e acostumado aquele lugar, que, às vezes, tudo aqui é estressante demais para mim. Entrei na garagem subterrânea e estacionei o carro. Ao desligar o motor, relaxei o corpo no banco e respirei fundo, sentindo a minha cabeça doer de maneira quase insuportável. — Ela me ama — suss
CillianColoquei a taça sobre a mesa de centro e caminhei até a porta. Mas ao abri-la, não estava preparado que quem eu veria. Cristina olhou para mim com olhos brilhantes e sorriso vibrante. — Eu pedi demissão! — disse ela com imensa empolgação. O meu corpo inteiro tensionou. Eu não estava preparado para ela naquela hora. Não estava pronto para apresentá-la a minha mãe. Uma porção de desespero preencheu-me subitamente, enrijecendo o meu corpo. — Isso… Isso é ótimo. — Tentei sorrir para disfarçar o meu nervosismo, mesmo sabendo que ela ainda notaria. O sorriso no seu rosto e a felicidade estampada no olhar se foram de repente, e eu me senti péssimo, culpado. — Está tudo bem? — perguntou em um tom baixo. — Só não é uma boa hora. — Ah! Okay. — Seu cenho franziu com um pouco de constrangimento. Esse apartamento estava se tornando mais dela do que o meu nos últimos dias. Era péssimo não poder deixá-la entrar. — Desculpe vir sem avisar. — Eu te ligo mais tarde. — Engoli em seco, pe
CillianQuando o sol iluminou o quarto, eu saí da cama. Não havia dormido e não conseguiria. Estava sentido uma enorme pressão dentro de mim. Parecia que eu explodiria a qualquer instante. Precisava sair. Caminhei para o closet e, ao entrar, logo vi ao canto algumas roupas dela, dobradas na prateleira. Tentei ignorar a dor que isso me causou e vesti-me apressadamente. Desci pelo elevador social direto para a recepção. Na calçada, marquei o tempo no relógio do punho, coloquei os fones de ouvido e atravessei a rua para o Central Park. Alonguei-me rapidamente e então comecei a correr. Correria até a exaustão se isso fosse tirar essa pressão de dentro do meu peito. Foram quarenta e três minutos de corrida sem interrupções. Em casa, ao entrar, a minha mãe preparava o café da manhã. — Fiz panquecas! — cantarolou. — Sem fome! — Foi tudo o que disse indo para o quarto. Entrei no banheiro e tranquei a porta. Tirei os tênis, o relógio, os fones e comecei a me despir. Observei as tatuagens
CillianO fim de semana em Pasadena estava sendo mais longo do que eu conseguia suportar. A casa estava cheia de pessoas com olhares críticos, fofoquinhas ao pé do ouvido e sorrisos forçados para mim. Entornei em um só gole uma dose de uísque e entrei na casa, escondendo-me no corredor que levava para o escritório. Caroline apareceu e escorou-se no outro lado do corredor, diante de mim. Ela sorriu e chutou a ponta do meu sapato com o bico do seu. — Como me achou aqui? — perguntei. — Me lembro da gente se esconder aqui quando os nossos pais brigavam. Não tem briga agora. Por que está se escondendo? — Essa gente toda é irritante. — Você parece triste. — É porque estou. — O que aconteceu? — Levei um pé na bunda. — Ah, droga! Outra vez por aquele mesmo motivo? — Não. Dessa vez, porque fui um babaca. — O que você fez? — Menti dizendo estar indo a um congresso, quando, na verdade, estaria bem aqui. — Nossa! — Ela riu. — Você foi mesmo um babaca. — É. E não quero falar disso.
Cillian O táxi estacionou em frente ao prédio. Desci após pagar pela corrida e subi os degraus que levavam até a porta. Estava frio, muito frio. Nevaria a qualquer momento, mas eu só sairia dali após falar com ela. Toquei o botão do seu apartamento e logo alguém atendeu: — Quem é? — A voz se parecia com a da Anna. — É o Cillian. — O que está fazendo aqui? — Quero falar com ela. — Mas ela não quer falar com você! — Por favor. A gente precisa conversar, eu não aguento mais isso! — Fui persistente. — Vá para casa, Cillian. A Cris está mesmo tentando esquecer você. Seria bom se ajudasse com isso. — Diz para ela que eu só saio daqui depois que a gente conversar, mesmo que eu congele aqui fora. O silêncio foi a minha resposta. — Alô?! Anna! — O silêncio perdurou. Apertei novamente o interfone e ninguém atendeu. Apertei de novo, determinado a só retirar o meu dedo dali, quando Cristina falasse comigo. Através do vidro da porta, eu vi uma silhueta feminina se aproximar. Eu me
Cillian Mais alguns dias se foram. E com eles, a esperança de poder me aproximar da Cristina novamente. Quanto mais noites se iam, mais eu começava a crer que de fato estava tudo acabado. Às vezes, me questionava se importaria ou mudaria algo eu conseguir contar a ela sobre mim e explicar a minha mentira. — Não tem mais nada que eu pudesse fazer para que ela fale comigo, para que me ouça — disse para o meu terapeuta. — Meu número está bloqueado, não sei onde ela está trabalhando agora, na sua casa não sou recebido e no campus ela é como fumaça, desaparece fácil. — E como você entende isso? — Que está na hora de desistir? Ela está machucada e eu também estou. Talvez, está na hora apenas de nos curarmos. Mas não sei se sou capaz de me curar sem uma última conversa. — Certo. Digamos que ela não esteja aberta a um último diálogo. Como pretende se curar? — Evitá-la o máximo que puder e deixar Nova Iorque quando acabar o ano letivo. — Por quê, Cillian? — Encarou-me curioso. — Nov
CillianEstacionei em frente ao bar, do outro lado da rua, e descei, parando por um minuto. Então, eu a vi pela vitrine. Um pequeno alívio surgiu em mim, junto a um sorriso. Atravessei a rua a passos largos, sentindo-me pronto para falar, finalmente. Mas antes que eu pudesse nem sequer entrar, a porta foi aberta e Anna apareceu com uma feição zangada. Ela segurou-me pela gola do casaco e me empurrou para trás, afastando-me do bar. — O que você quer aqui? Está perseguindo-a? — perguntou alto, furiosa. — Vim falar com ela. — Não, você não veio. Está aqui para estragar a noite dela! — Sabe que eu não faria isso! — Acho que faria, sim. Afinal, estragou o coração dela! Cristina não quer falar com você. Ela não quer lhe ver. Não percebeu ainda? Supera, já faz mais de dois meses! — disse alto, empurrando-me. Eu a olhei irritado. Anna estava indo longe demais. — Por que ela não vem aqui e diz isso na minha cara? Por que está sempre falando por ela? — Usei do mesmo tom irritada. — Eu n
Cillian — Causei um grande mal a ela. Algo que claramente Cristina não merecia — disse ao terapeuta. — Ela realmente não quer me ver. Entra e sai das aulas sem me olhar no rosto. Acho que… só deveria deixá-la ir. Me esquecer. Saí da sessão de uma hora, decidido que não mais a procuraria. Eu havia entendido que a minha proximidade era desnecessária, somente a machucaria mais. E eu precisava respeitar a sua vontade. Ela não mais queria ter contato comigo. Então deixei que fosse. Peguei as suas roupas que estavam no meu closet, coloquei-as em uma bolsa e entreguei para Anna. Guardei a pulseira ao fundo de uma gaveta e segui os meus dias a amando em silêncio e segredo, e vivendo e engolindo todos os dias o meu arrependimento por não dizer a verdade. Eu quis tanto me proteger, que a feri com todo o meu egoísmo. Tentei guardar o meu coração das mágoas, mas destruí o seu. Fui um grande estúpido. Cristina continuou indo às aulas. Continuei lecionando para a sua turma e segui o seu exemp