Gustavo Henri
Eu havia esquecido minhas chuteiras da sorte em casa e já estava alguns quilômetros longe, quando fiz o retorno. Eu não estava disposto a jogar aquela noite sem o meu amuleto da sorte e embora eu soubesse que chegaria ao treino atrasado, voltei para casa.
Quando estacionei o carro avistei um veículo estranho na porta da minha mansão. Me questionei se a Bruna, minha esposa, estaria recebendo visitas. Bem provável que não. Ainda assim não dei muita importância. Subi as escadas rapidamente, enquanto ouvia risos, vindo da suíte, e quando abri a porta, me deparei com os olhos de Bruna arregalados, como se tivesse visto um fantasma.
Ela pulou da cama, puxando os lençóis e cobrindo sua nudez, enquanto Donovan se erguia, ficando frente a frente comigo.
— Gustavo – a voz dela estava tremula – o que você está fazendo aqui?
Cerrei os punhos, mas não tentei acalmar meus nervos. As coisas ficaram ainda pior quando vi minha filha dormindo tranquilamente, no mesmo quarto que a minha mulher me traia.
— E então é isso que você anda fazendo enquanto eu saio para trabalhar? – eu percebi o quanto ela ficou assustada com a minha última palavra, quando começou a caminhar na minha direção, eu avancei em Donovan.
Bruna tentou me impedir, Donovan levantou os braços e gaguejou alguma coisa a qual eu não dei importância, quando percebi já havia batido no rosto dele e a cena daquela bunda branca caindo no chão foi a única coisa que eu jamais me esqueceria.
— Eu posso explicar – agora Bruna chorava e tentava a todo custo me segurar – eu juro por Deus, Gustavo, essa é a primeira vez que aconteceu.
— Como se uma vez já não bastasse – eu estremeci com o pensamento de que ela estava mentindo – você não tem respeito nem mesmo pela nossa filha recém-nascida.
— Me perdoa – o choro dela se intensificou, mas as suas lagrimas me causavam nojo.
Eu não a respondi, caminhei até o closet avistando minhas chuteiras, enquanto Bruna corria desesperada atrás de mim. Ela gesticulava com a voz embargada, mas eu fingia que não escutava. O único som que eu ouvia era as batidas frenéticas do meu coração e minha respiração pesada, a qual eu já não conseguia controlar.
Eu precisava sair dali imediatamente, antes que eu cometesse uma loucura. Quando sai do closet, me deparei com Donovan, agora de pé e vestido, parado na minha frente. Eu acertei precisamente o rosto dele e o sangue escorrendo do seu rosto me encheu de satisfação.
— Vamos conversar, Gustavo – ele dizia, com uma expressão assustada.
— Saia da minha casa imediatamente – eu o segurei pelo colarinho da velha camisa e o arrastei para fora do meu quarto – eu não tenho mais nada para conversar com você. Está demitido.
— Demitido? – ele vinha correndo atrás de mim enquanto eu descia as escadas – e quem vai cuidar da sua carreira de jogador de futebol?
— Eu contrato outro – a cada palavra meus passos ficavam mais intensos. Se eu ficasse só mais um minuto ali, eu acabaria com a vida daquele homem – há dezenas de outros empresários nessa cidade loucos para trabalhar para mim.
Eu assenti. Donovan sabia de tudo. Ele sabia que eu não estaria em casa naquele dia porque havia um jogo importante. Tinha em mãos toda a minha rotina. Frequentava a minha casa como um amigo, era o meu empresário, o homem que cuidava da minha carreira, e embora fosse um homem mais velho e casado, eu jamais imaginei que ele me trairia dessa forma.
A dor dilacerava meu coração. Olhei para a Bruna pela última vez antes de entrar no carro e dizer a ela.
— Quando eu voltar, não quero mais vê-la na minha casa – ela avançou para cima do carro – arrume suas coisas e vá imediatamente embora daqui.
— Por favor, Gustavo, vamos conversar – eu fechei o vidro do carro e liguei o motor saindo em disparada dali.
Não olhei pelo retrovisor, não suportaria ver a minha história ficando para trás. Eu engoli em seco, enquanto um nó se formava na minha garganta. Uma lagrima escorreu pelos meus olhos, mas eu a limpei e impedi que outra fosse derramada. Eu amava aquela mulher e jurei que ao seu lado eu formaria uma família.
Agora nada mais importava. Acelerei o veículo e gritei. Coloquei para fora toda a minha dor e angústia e prometi que partir daquele momento eu seria fiel apenas ao meu trabalho.
Certamente fiquei cego pelo ódio. Eu já estava em frente ao centro de treinamento, quando me dei conta que o portão estava aberto. Eu estava pronto para entrar quando o meu carro se chocou com alguma coisa. O barulho estrondoso da frenagem do carro, me assustou e lançou meu corpo para frente. Fiquei tonto e sem entender o que havia acontecido.
Quando desci do veículo, vi uma mulher de joelhos no chão. Eu mal conseguia ver o seu rosto. Ela se levantou com dificuldade enquanto a raiva me consumia. Olhei no relógio e eu estava meia hora atrasado. Caminhei em direção a ela e agarrei o seu braço sem nenhuma cerimônia.
— Você não olha por onde anda? – ela tirou os fios de cabelo do rosto e olhou para mim, enquanto um gemido de dor escapulia pelos seus lábios.
— O quê? – eu a soltei em um acesso de raiva, enquanto a garota olhava, com os olhos arregalados para mim.
— Não tenho tempo para isso – caminhei de volta para o veículo pronto para sair dali – saia da minha frente imediatamente.
Eu não me importei se ela estava ferida ou se eu podia tê-la matado. Eu tentava escapar da confusão da minha vida e não queria me envolver em outra.
— Não tem tempo? – Ela caminhou mancando na minha direção segurando na porta do carro – você me atropela e depois diz que não tem tempo?
Eu olhei nos olhos furiosos dela. Eles tinham um brilho inigualável e a voz dela, embora a alterada soasse doce aos meus ouvidos, eu a ignorei completamente.
— Olha, menina, estou tendo um dia bem ruim hoje. Eu agradeceria se você não piorasse as coisas.
— Ele teve um dia ruim! – um sorriso debochado surgiu em seus lábios – e quem paga por isso sou eu?
Franzi a testa com o modo irônico como ela agia comigo. Abaixei o olhar e vi o joelho dela sangrando. Peguei a carteira no banco do passageiro e retirei algumas notas de dentro.
— Você quer dinheiro para o táxi? - segurando as notas, estiquei o braço, jogando o dinheiro no rosto dela – está aqui. Pegue-o e desapareça da minha frente.
Eu entrei no carro, observando-a olhar para o dinheiro no chão, com uma expressão de horror no rosto. Liguei o veículo e sai dali. Quando entrei no centro de treinamento, olhei pelo retrovisor. A garota parecia paralisada. Continuava no mesmo lugar. Mas eu não tinha mais tempo para sentir culpa por aquilo, sai do veículo e fingi que nada havia acontecido.
Kara Jimenez Já havia se passado cinco minutos desde que o Gustavo entrou no carro e partiu, ainda assim eu continuava parada no mesmo lugar, olhando para o dinheiro que ele fez questão de jogar no meu rosto. Eu abaixei com dificuldade para pegar o dinheiro que o vento quase levou embora. Depois da humilhação que ele me fez passar e das feridas nos meus dois joelhos, pagar um táxi era o mínimo que ele poderia fazer. Me ergui e olhei para dentro do centro de treinamento. Os meus joelhos nem se comparavam ao meu coração estraçalhado. Gustavo não estava mais ali, me provando que ele não havia se importado com os ferimentos que causou em mim. Um suspiro longo e profundo escapou dos meus pulmões quando me lembrei o quanto eu o admirava antes mesmo de o conhecer. Embora a sede do clube estivesse vazia, eu sabia que os imperadores fariam um jogo importante naquela noite, e eu queria estar ali para passar eles toda a minha energia positiva. Acho que estou exagerando um pouco, na
No ritmo do jogo, corri na direção do gol, só eu e o goleiro, e chutei, vendo a bola passar distante. Ouvi a voz do preparador físico gritar de longe o meu nome. — Hoje você está muito distraído, Gustavo. Precisa se concentrar mais – Deu um leve tapa nas minhas costas e se afastou novamente. Estávamos apenas no aquecimento e todos já haviam percebido que algo estranho acontecia comigo. Os torcedores logo perceberiam também, quando eu, o artilheiro do time falhasse no jogo que valeria a nossa vaga para final. Eu tentava não pensar nisso, esvaziar a mente e me focar no real objetivo daquela noite, mas todas às vezes que eu buscava um caminho diferente, minha mente me levava de volta à cena em que minha mulher estava me traindo. — Droga! – esbravejei, quando senti a presença do Allan logo atrás de mim. — Está de mau-humor porque foi punido pelo atraso, ou por que errou aquele chute no gol? — Um pouco dos dois – menti, mas eu sabia que o Allan não acreditaria naquilo – o dia est
Kara Jimenez Meu olhar se arregalou quando eu li a notícia nas redes sociais. A mulher do Gustavo havia sofrido um grave acidente e estava em estado grave no hospital. Ele devia estar arrasado, eu pensei, e por uma breve fração de segundos eu sentir compaixão dele. Me levantei atordoada quando percebi meus sentimentos. Gustavo não merecia nem meus pensamentos, imagine então minhas considerações. — Espero que agora ele aprenda a ser mais prestativos com pessoas atropeladas – bravejei em voz alta, sem perceber que eu não estava sozinha na pequena sala. — Ora essa, menina, anda falando sozinha agora? – meu coração acelerou quando ouvi a voz da Rosa logo atrás de mim. Enquanto recuperava o ar, observei Rosa rir de mim. Nem parecia que fui expulsa de casa há uma hora e estava aqui, morando na casa dela sem saber o que fazer da minha vida. — Desculpa, Rosa – me aproximei dela e a abracei. Meu coração estava cheio de gratidão por aquela mulher se tão bondosa comigo – eu prometo q
— Hoje mesmo? – arregalei os olhos até ele sem acreditar no que ele dizia – eu não posso, senhor. Olha o modo como eu estou vestida. — Então quer desistir do emprego? – o homem me olhou dos pés à cabeça, começou a suar e eu vi o desespero estampado no rosto rechonchudo dele – o patrão precisa de uma babá o mais rápido possível. Patrão? Eu fiz uma careta. Eu trabalharia para um homem que eu nem conhecia. E se ele fosse um arrogante mesquinho como o meu padrasto, ou um velho abusador? Eu não sabia por que minha mente me levava para o lado mais obscuro das pessoas, mas eu já não conseguia confiar em ninguém. — Eu não estou desistindo – soltei um longo e pesado suspiro, enquanto encarava os olhos aliviados do homem – estou apenas dizendo que eu não devo chegar em um estado tão reprovável no meu primeiro dia de trabalho. — Isso não é importante – ele ignorou completamente o meu estado – o importante é saber se você consegue cuidar de um bebê recém-nascido. Eu franzi a testa e o t
Gustavo Henri Eu estava extremamente irritado e minha vontade era agarrar aquela garota e jogá-la para fora da minha casa. Parado ainda no meio da chuva, eu larguei o braço dela e a olhei com enorme reprovação. Percebi que ela estava assustada, embora dessa vez eu conseguisse ver os traços finos do seu rosto. A garota era bonita e a chuva que caia sobre ela a deixava ainda mais interessante. — Isso não pode ser verdade – comecei a andar para longe dela, quando subitamente olhei para trás para ver qual reação ela teria – eu não contrataria ninguém como ela. Havia indignação no rosto dela e percebi que a garota não havia gostado nada do que eu dissera. — O senhor mesmo pediu para que eu contratasse a primeira candidata que aparecesse – Alexandre sussurrou no meu ouvido, certamente para não a constranger – a Kara foi a única que apareceu para a entrevista. Eu achava aquilo consciência demais. Depois que ouvi as palavras de Alexandre, bufei e dei de ombros. Eu não podia levar a sér
Kara Jimenez Meu coração estava destruído, embora eu fingisse não sentir nada para não dar ao Gustavo o gosto de me ver sofrer, eu permaneci de cabeça erguida. O olhar dele era frio e indecifrável. Eram verdes escuros como jade rara. Os cabelos tão bem aparados, dourados como a luz do sol, agora molhados, deixava-o com um ar sedutor, o que era um perigo para mim. Nariz perfeito, a barba por fazer. O rosto esculpido por Deus. Meu corpo estremeceu e precisei desviar o olhar. Como um homem tão bonito como aquele podia ser tão arrogante? Senti ele se aproximando e eu precisei abaixar a cabeça. Eu sabia que o Gustavo não confiava em mim e só iria me contratar porque não tinha outra opção. Me lembrei da esposa dele, internada em um hospital em estado grave. Ainda assim não era compreensível todo aquele ódio no seu coração. — Eu vou contratá-la – ergui o rosto rapidamente olhando nos olhos dele. Eu sei que a expressão do meu rosto denunciou o quanto eu estava feliz com aquilo – mas devo
Gustavo Henri O choro de Jasmim rompeu todos os meus maus pensamentos. Eu corri até lá e levei um grande susto quando vi aquela mulher segurando a minha filha. Embora meu coração se enchesse de medo e desconfiança, o que realmente me chamou a atenção foi o modo como Kara estava vestida. Eu não deveria olhar para outra mulher com segundas intenções, enquanto Bruna estava em uma cama de hospital, lutando para sobreviver, mas o vestido que ela vestia, deu a Kara outra impressão. Ela realmente era muito bonita. Quando percebi meus pensamentos, dei um jeito de eliminá-los, quando me lembrei do que Bruna havia feito comigo. Sua traição certamente me faria olhar para todas as mulheres de maneira igual. Traidoras e dissimuladas. Eu tive vontade de arrancar minha filha dos braços dela, mas Jasmim parecia tão confortável e bem que acabei desistindo. Eu precisava confiar em Kara e realmente acreditar que ela não faria mal algum a minha família, e então seguimos até o escritório e ela, enfim,
Kara JimenezO choro de Jasmim só piorava ainda mais as coisas. Eu estava tão assustada com o que havia acabado de acontecer, que fiquei perdida dentro daquela mansão sem saber para que lugar ir. Eu precisava primeiro acalmar a menina, para que só depois eu conseguisse me acalmar.Voltei para o quarto no andar de baixo, onde eu havia visto Jasmim pela primeira vez. Deitei ela na cama e o choro se intensificou. Eu quase entrei em desespero.Troquei a fralda com as mãos tremulas, segurei a menina no colo e sai. Eu precisava descobrir onde era a cozinha daquela casa. Cinco minutos se passaram e eu quase perdi a paciência, quando ouvi vozes, o alívio me percorreu imediatamente. Quando entrei na cozinha me deparei com duas senhoras. Como eu não havia percebido a presença delas antes?Elas giraram os pescoços em sintonia e me olharam desconfiadas. Eu fiquei desconfortavelmente agitada sob o olhar julgador daquelas mulheres, mas eu não tinha muito tempo para me explicar.— Eu preciso de ajud