Capítulo 3

No ritmo do jogo, corri na direção do gol, só eu e o goleiro, e chutei, vendo a bola passar distante. Ouvi a voz do preparador físico gritar de longe o meu nome.  

 

— Hoje você está muito distraído, Gustavo. Precisa se concentrar mais – Deu um leve tapa nas minhas costas e se afastou novamente.  

 

Estávamos apenas no aquecimento e todos já haviam percebido que algo estranho acontecia comigo. Os torcedores logo perceberiam também, quando eu, o artilheiro do time falhasse no jogo que valeria a nossa vaga para final. Eu tentava não pensar nisso, esvaziar a mente e me focar no real objetivo daquela noite, mas todas às vezes que eu buscava um caminho diferente, minha mente me levava de volta à cena em que minha mulher estava me traindo.  

 

— Droga! – esbravejei, quando senti a presença do Allan logo atrás de mim.  

 

— Está de mau-humor porque foi punido pelo atraso, ou por que errou aquele chute no gol?  

 

— Um pouco dos dois – menti, mas eu sabia que o Allan não acreditaria naquilo – o dia está bem ruim hoje.  

 

— O que aconteceu? – ele jogou a toalha ensopada de suor em cima de mim e eu pensei se deveria contar toda a verdade a ele – eu sei que não está distraído só por isso.  

 

Suspirei quando Allan lançou o olhar até mim, ficando ainda mais intrigado. Se eu contasse tudo a ele naquele momento, perderia o foco completamente, meu peito se encheria de angústia e raiva e perderíamos o jogo. A última coisa que eu queria agora era prejudicar o time devido aos meus problemas pessoais.  

 

— Quando o jogo acabar e vencermos, eu contarei tudo a você – forcei um sorriso, jogando a toalha de volta – agora eu só quero a nossa classificação para final.  

 

Allan não disse nada, apenas concordou em silêncio com a minha decisão. Ao chegar no campo observei aquela torcida lotando o estádio. O canto deles me fez esquecer o resto e jogar futebol, que era o que eu, mas amava na vida.  

 

No apito final eu caí de joelhos no gramado e chorei. Senti as mãos dos meus companheiros me agarrando. Todos estavam felizes, nós vencemos o jogo. Alguma coisa de boa tinha que acontecer naquele dia, e a vitória foi como um alívio ao meu coração.  

 

Pela primeira vez naquele dia eu me senti feliz. Cantávamos no vestiário e imaginávamos a gente na final. Definitivamente aquele era um momento importante na minha carreira como jogador.  

 

— E como está a pequena Jasmim? – a pergunta do Allan me fez voltar a realidade. Ele certamente percebeu quando o sorriso desapareceu dos meus lábios.  

 

Minha garganta deu um nó e tudo o que eu sentir foi um imenso ódio invadir o meu coração.  

 

— Aconteceu algo com a Jasmim? – Allan segurou no meu ombro, quando me viu abaixar a cabeça.  

 

— A Jasmim está ótima – levantei a cabeça para me certificar que ninguém escutaria a nossa conversa, quando voltei a olhar nos olhos da Allan e confessei – eu voltei em casa essa manhã para pegar as minhas chuteiras da sorte, quando me deparei com a Bruna me traindo com o Donovan.  

 

Allan estava atordoado.  

 

— Filho da mãe – ele sussurrou – diga-me que você arrebentou a cara dele?  

 

— Eu poderia ter matado ele – eu percebi como ele tinha ficado espantado com a minha última palavra – tive que sair de casa às pressas para não cometer uma loucura. Acabei até atropelando uma garota no meio do caminho.  

 

Quando a imagem do belo rosto da garota invadiu minhas lembranças, a culpa me consumiu.  

 

— Não me diga que a matou? – ele perguntou, embora parecesse obvio que nada grave havia acontecido.  

 

— Se eu tivesse matado alguém hoje, eu estaria preso – Allan soltou um longo suspiro – mas a garota está bem, arranhou apenas os joelhos.  

 

Eu desejei que ela estivesse realmente bem e que não me processasse por não ter lhe prestado socorro.  

 

— O que vai fazer agora? – meu rosto se contorceu ao ouvir essa pergunta.  

 

— Vou pedir o divórcio – abaixei a cabeça novamente e fechei os olhos – eu não posso ficar ao lado de uma traidora.  

 

Eu mal havia fechado os meus lábios e levantado a cabeça, observei o vice-presidente do clube se aproximar de mim. O rosto gorducho dele parecia preocupado. Ele suava sem parar e parecia cansado, como se carregasse um enorme peso sobre as costas.  

 

— Precisamos conversar, Gustavo – como se as coisas já não estivessem ruins o suficiente, ele parecia trazer péssimas notícias para mim.  

 

Enquanto o acompanhava para fora do vestiário, indaguei a mim mesmo o que de mais errado eu teria feito naquele dia. Será que a garota havia me denunciado? Eu sei que o meu rosto ficou pálido quando o vice-presidente olhou para mim, eu podia sentir o sangue parar de correr pelas minhas veias.  

 

— Eu não tenho boas notícias – ele soltou um longo suspiro e abaixou o olhar. Certamente pensava na melhor maneira de me contar o que acontecia – houve um acidente com a Bruna.  

 

Foi como se o mundo parasse de girar. Eu prendi a respiração enquanto a minha mente criava centenas de possibilidades.  

 

— Ela vinha em direção ao centro de treinamento quando o carro dela capotou – eu ouvia atentamente o que ele dizia e nada mais, além disso, apenas esperando a bomba explodir – ela foi levada para o hospital em estado grave. Lamento não ter informado antes.  

 

No primeiro momento eu fiquei sem reação, como se os meus pés estivessem grudados no chão. No segundo seguinte eu apenas virei as costas e corri para longe dali. Eu só conseguia pensar em Jasmim e orar para que ela não estivesse dentro daquele carro. Senti uma mão me agarrar e me colocar no veículo. Eu e o Allan ainda vestíamos o uniforme do time quando chegamos ao hospital.  

 

A notícia impactou Cassandra Sanches, a minha sogra, como um raio caindo do céu. Toda coragem que eu havia reunido momentos atrás, havia desaparecido completamente quando eu olhei nos olhos chorosos dela.  

 

— Faça qualquer coisa para salvar a vida da minha adorável filha, Gustavo – ela me agarrou em prantos e eu já não sabia mais como reagir.  

 

Eu tentei consolá-la, esperando impacientemente o retorno do médico para nos informar sobre o estado de saúde da Bruna. Embora Bruna não merecesse minha compaixão, eu jamais desejaria a sua morte.  

 

O corpo de Cassandra tremeu quando ela viu o médico se aproximar.  

 

— Como está a minha filha, doutor? – desequilibrada emocionalmente para conseguir pensar direito, eu tomei a frente da situação.  

 

— Eu sou o Gustavo Henri, marido da Bruna Sanchez – estendi a mão e recebi um aperto caloroso. O médico parecia feliz em me ver.  

 

— Parabéns pela classificação – ele abriu um sorriso e eu não soube se ficava agradecido ou constrangido pelo momento em que ele me parabenizava – minha filha é torcedora dos imperadores. Está muito feliz com o resultado.  

 

Eu ofereci a ele um sorriso forçado, enquanto Cassandra chorava ainda mais.  

 

— Diga-me doutor, como a Bruna está? – ele limpou a garganta e o seu semblante mudou drasticamente. Eu não gostei do que vi nos olhos dele.  

 

— As notícias não são boas – a expressão no rosto de Cassandra escureceu – a Bruna sofreu traumatismo craniano e está em coma. O seu estado é gravíssimo.  

 

A atmosfera no hospital ficou tensa e eu me afundei em um silêncio mortal. Como era possível tantos desastres acontecerem no mesmo dia? Eu desabei no banco que havia logo atrás de mim. Mas nenhuma lagrima escorreu do meu rosto. Se posso confessar algo, seria que meu coração estava vazio por dentro. Eu nem ao menos conseguia sentir pena da minha mulher. Pensava na minha pequena filha, que agora não tinha a mãe para cuidar dela. Quando me lembrei de Jasmim, meu coração se apertou instantaneamente. Levantei-me alterado, olhando nos olhos de Cassandra e indaguei o obvio.  

 

— Onde está a Jasmim? – segurei nos dois braços dela, imaginando que minha filha estivesse no mesmo carro que Bruna sofreu o acidente.  

 

— Ela está na minha casa. Bruna a deixou antes de ir atrás de você – Cassandra limpava as lagrimas apenas deixando um enorme borrão de maquiagem em seu rosto – mas não poderei ficar com ela por muito tempo. Eu já não tenho mais jeito com crianças.  

 

Eu lancei um olhar gélido até Cassandra. Era claro que ela não poderia cuidar da própria neta e nem eu mesmo iria querer tal coisa. Talvez não fosse o momento de pensar em quem cuidaria de Jasmim, quando me lembrei que dali a dois dias eu viajaria com o meu time para outro importante jogo.  

 

Eu não podia deixar Jasmim sozinha. Minha mãe estava ocupada cuidando da saúde da minha irmã, que passava por um severo tratamento de câncer. Eu não tinha parentes por perto, ninguém de confiança que eu pudesse entregar a vida da minha filha.  

 

— Contrate uma babá para cuidar de Jasmim até que a Bruna se recupere – a própria Cassandra sugeriu. Por minha vez, eu fixei Cassandra com um olhar severo – Sinto muito, Gustavo, mas eu não posso ajudá-lo.  

 

A ideia de Cassandra ia contra tudo o que Bruna havia planejado. Ela não queria uma estranha cuidando da nossa filha, quando ela podia estar em casa cumprindo o seu papel de mãe.  

 

Mas eu não tive outra alternativa. Quando retornei para casa naquela noite, contatei o meu advogado e pedi para que ele contratasse uma babá em menos de vinte e quatro horas , sem revelar que seria eu o patrão.  

 

Com a minha identidade preservada, me restava apenas esperar, enquanto as notícias sobre o grave acidente de Bruna se espalhavam como pólvora por todos os meios de comunicação.  

 

 

 

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