Como de costume, Raul acordou antes das seis, frequentador assíduo da academia de seu condomínio resolveu se exercitar correndo pela orla marítima. Ao contrário do dia anterior, o sol começava a despontar e com a energia saltando pelos poros, correu por quase duas horas, retornando à pousada com a regata ensopada de suor e gotículas deixando sua pele ainda mais chamativa.
Ao cruzar pela recepção esticou os ombros olhando precisamente em direção ao refeitório tentando encontrar a mulher com quem se esbarrara no dia anterior. Sua especulação foi em vão, Amanda ainda dormia, e dormia como uma pedra, e quando ela acordou e abriu a porta balcão da sacada, amou ver que o dia prometia. Rapidamente tomou um banho, se recompôs e desceu para tomar o café da manhã.
Se servia de uma fatia de queijo branco, no instante em que o homem e seu cão adentraram o ambiente.
Os olhos de Raul chamuscaram e os de Amanda fingiram indiferença.
— Bom dia — Raul cumprimentou de modo geral, no entanto, olhando fixamente para a moça, que se divertia com seu pug.
— Bom dia. — Amanda retribuiu o cumprimento e evitou contato visual com o moreno, continuou a afagar o cão e se fingir de durona.
Raul ficou ligeiramente desapontado, serviu-se de um copo de suco de laranja, uma banana, uma fatia de mamão e voltou a se aproximar dela.
— Posso me sentar? — ele perguntou, mas, antes que ouvisse uma resposta negativa, sorriu e fez cara de compaixão.
— Claro — Amanda respondeu educadamente, embora seu desejo fosse saltar da cadeira e fugir dali.
Os feromônios falavam por si só, a atração era mútua, querendo ou não eles formavam um bonito casal. E estavam fazendo um esforço hercúleo para não baixarem a guarda, não de primeira.
Raul a observava compenetrado e atraído e Amanda tentava disfarçar o fascínio que ele despertava nela.
— Enquanto você termina seu café da manhã, posso levá-lo para dar uma volta? — ela perguntou segurando a guia do cachorro.
Raul a olhou com curiosidade. Sentia que deveria avançar, mas ao mesmo tempo pensava que recuar as vezes era a melhor decisão. Amanda estava cautelosa e ele só queria conhecê-la melhor, saber mais dela e não a colocar para correr.
— Pode. — Decidiu ousar. — Preciso comprar o sachê de carne que ele gosta, se quiser podemos ir juntos.
Amanda pensou em dizer “NÃO”, por fim topou.
O moreno bebeu tão rápido o suco de laranja que a ortopedista pensou que talvez tivesse que fazer um boca a boca para conter um eventual engasgo. Amanda esperou que ele terminasse de comer do lado de fora e assim que ele se juntou a ela e ao Chico, seguiram em direção ao mercado que ficava a duas quadras dali.
No começo as passadas foram desiguais e silenciosas, depois de alguns instantes caminhando lado a lado, quebraram o silêncio. Na verdade, Amanda rompeu.
— Como você e essa fofura de cão se conheceram?
Ela supôs que seria uma história como tantas outras: Num belo dia um homem decide comprar um cãozinho de raça. Vai até um local especializado e escolhe o mais quietinho. No minuto seguinte em que Raul começa a relatar a história, Amanda se vê ainda mais atraída por ele.
— Costumo fazer doações para um abrigo de cães que fica perto de casa, confesso que sempre gostei de cachorro, mas nunca tinha tido um, até ir levar alguns sacos de rações nesse lugar e conhecer o Chico. Chicão foi abandonado numa rodovia, por sorte foi resgatado e levado para essa instituição, quando olhei para esse cão foi instantâneo. Entrei com rações e saí de lá carregando o Chico. Ele foi descartado como lixo, porque é velho e está ficando cego, para os antigos donos ele não tinha mais serventia, como se um cão fosse um utensilio velho, em contrapartida para mim, Chico é da família. Meus pais, irmã , todos o amam e esse carinha sabe bem disso. Não é, seu folgado? — Raul olhou para o cão e ele abanou o rabo. — Chico e eu estamos aqui porque ele tem uma missão importante no sábado.
— Sério? E qual é?
— Um casal de amigos vai se casar e o Chico foi encarregado de levar as alianças.
— Ah, não acredito, que lindo. — Amanda deu um largo sorriso e esse sorriso deixou Raul ainda mais fascinado. — Muito fofo, sua adoção, seu amor por ele e o dele por você. Merecido essa incumbência designada a ele. Chico vai arrasar, com toda certeza. — Amanda inclinou-se para o cão. — Não é, Chico? Aposto que você está muito orgulhoso dessa função. — Ela o beijou e Raul desejou ser seu cachorro só para sentir os lábios rosa dela tocando sua pele.
A moça voltou-se para o homem que a olhava e no mesmo instante ele sentiu como se tivesse sido pego em flagrante, o que era notável. Raul não costumava ocultar seu interesse por mulheres que lhe chamavam a atenção, pelo contrário, ele ia com tudo, investia, no fundo o moreno era romântico, porém, com o tempo, Amanda deixou de lado essa parte da vida que costumava causar frisson, saiu a mulher doce e romântica e entrou a prática e objetiva.
— Uma colega do trabalho se casou em Ilha Bela, foi maravilhoso, as alianças vieram penduradas num drone. — Ela sorriu. — Muito moderno, não? No entanto, entre o Chico e o drone sou mil vezes o Chico. Ele será sem dúvida a atração da cerimônia.
— Meu cão tem um papel importante, venho treinando ele há dias.
— E como ele vem se saindo? — A moça inquiriu curiosa e por um segundo conseguiu visualizar a cena, o que a fez achar lindo e engraçado também.
— No começo, ele não entendeu nada, o que é normal, depois sentou-se no chão e tentou comer a fitinha que estava amarrada a ele com a caixinha das alianças.
Amanda não conseguiu se conter e explodiu numa gargalhada gostosa, sacolejando o corpo que deixou Raul impactado com a leveza com que a mulher ria, se divertia com a história, como se fossem velhos amigos.
— Perdão, não aguentei. Só de imaginar... — Ela riu novamente, levando a mão à boca, como quem estivesse tentando esconder um sorriso natural, e que sem sequer se dar conta estava deixando o moreno que caminhava ao seu lado boquiaberto.
Raul gostava de mulheres lindas, curvas tentadoras, entretanto, gostava ainda mais quando elas eram espontâneas.
— Chico e eu agradecemos, conseguimos arrancar de você boas risadas.
— E tem mais. Há tempos não ria com algo tão engraçado. Meu cérebro construiu a cena toda.
— E gostou do que ele reproduziu?
— Muito, se o Chico fizer isso durante a celebração, filme, posso garantir que esse rapaz fará um enorme sucesso. — Amanda riu, desta vez mais contida.
— O que você faz? — Raul queria saber tudo dela, principalmente por que uma garota como ela fazia num lugar daqueles sozinha?
— Sou cirurgiã ortopedista, sou especialista em ortopedia e traumatologia. — Amanda sentia-se orgulhosa de sua profissão, deu duro para chegar aonde estava e, pelo menos nesse quesito, a médica não era humilde. — Perita em joelho, pé e tornozelo.
— Caramba, isso é muito legal, vou me lembrar da próxima vez que torcer meu tornozelo batendo uma bola.
— Posso garantir que será bem atendido — ela disse e acabou se arrependendo, o moço poderia levar o comentário por outras vias e Amanda não desejava isso, não agora. E você, o que faz?
— Cientista político de um jornal, tenho uma coluna semanal.
— Uau! Posso imaginar o quão complicado é ser um cientista político dentro do cenário em que vivemos atualmente.
— Obscuro. — Raul entoou a voz e arrancou um sorriso de Amanda.
— Qual o jornal? Vou começar a ler a sua coluna.
Ele gostou e como gostou do interesse dela.
— Cidade e Comércio de São Paulo.
— Uau, novamente. Um jornal de grande alcance. Meu pai é assinante, continua recebendo o impresso, detestou o virtual.
— Um homem de bom gosto.
— Papai é. — Amanda nesta ocasião sorriu com ternura, afinal ainda via seu pai como seu herói.
— Atende em hospitais, consultórios?
— Nos dois lugares. Não consegui me desvincular dos atendimentos na emergência. Amo muito o que faço e trabalhar na emergência é a dose perfeita de adrenalina que preciso e gosto. Faço parte do corpo clínico do Hospital Santo Agnelo e possuo um consultório particular na Alameda Santos.
— Conheço, nunca entrei, é hospital de referência. Pela estrutura, você deve ter inúmeras cirurgias diárias para realizar.
— Em determinadas épocas, a coisa ferve, e então, o caos se instaura. Em outras, apenas atendimentos corriqueiros.
— Olhando para você, jamais poderia imaginar que enfrenta torções, fraturas expostas e tantas outras coisas. — Raul a olhou com uma incógnita saltando de suas íris. Ele estava quase pedindo o endereço do consultório, ou pelo menos o nome completo dela. Essa era chance que ele precisava para não perder o contato da mulher que o havia deixado extasiado.
— Idem, poderia supor tudo, professor universitário, personal trainer, menos possuir uma coluna num jornal de qualidade e, detalhe, de âmbito político.
— Parece que fomos surpreendidos — o moreno comentou olhando para ela de forma intensa e até um pouco descarada.
— É, parece que sim.
Amanda concordou e desviou os olhos do dele que a faziam cativa e a deixavam exposta.
Raul se balançava na rede quando ouviu a voz da Amanda soando um tanto irritada do outro lado. Disposto a descobrir o que de fato estava acontecendo, saiu de seu quarto com o Chico na guia e aproximou-se da porta do quarto da sua vizinha preferida.— André, por favor, não temos mais nada para conversar. Saí alguns dias justamente porque precisava descansar.Amanda falava e caminhava de um lado para o outro, impaciente e completamente encolerizada, com a insistência do ex.— Não, de forma alguma. Não vou te passar endereço nenhum. Naquela noite coloquei um ponto final no nosso relacionamento, supus que tinha compreendido, já que sumiu. Mas estou vendo que as coisas nunca mudam, e você continua o mesmo de sempre.O homem disse algo que a deixou ainda mais furiosa.— Isso não te diz respeito, André... — Ele cortou sua frase e continuou falando num tom arrogante. — André, segue a sua vida.Raul impaciente do outro lado, deu dois toques na porta. Amanda girou a maçaneta e, séria, deu um me
Os dias que se seguiram foram exatamente iguais, o recente casal nem sequer conseguia disfarçar o quanto estavam envolvidos, embora o beijo fosse cada vez mais ardente, os carinhos mais ousados, eles continuavam prudentes. Amanda desejava, claro que o queria, no entanto, estava sendo racional, nem sempre o desejo da carne deveria vir em primeiro lugar.Ela estava feliz, muito mais do que gostaria e isso também era um problema, e o mesmo acontecia com Raul. O homem foi pego de jeito, estava louco por ela. A cada encontro a conhecia melhor e sua fascinação aumentava à medida que Amanda se revelava.O cientista político só não estava totalmente ciente do rompimento dela, isso a médica ocultava, e ele não era curioso ao extremo para questioná-la e ela não se sentia segura para colocá-lo a par de toda a situação.Deixaram esses pormenores de lado e seguiram aproveitando cada segundo que a vida lhes proporcionava.— Meus amigos chegam amanhã — Raul comentou enquanto caminhavam no calçadão a
Raul acordou com uma tremenda dor de cabeça e ela aumentou, assim que ele olhou ao seu lado da cama notou Anne, uma colega com quem já havia transado algumas vezes.Caralho!Ciente da tamanha merda que tinha feito, levantou-se tropeçando nos próprios pés e foi para a varanda, a sacada do quarto em que Amanda ficava estava aberta, mas não tinha como vê-la.— Já te levo para dar uma volta, Chico. — Afagou o cão.Intuindo que tinha posto tudo a perder, vestiu a primeira roupa que viu e foi no quarto de Amanda.— Oi, bom dia. Cadê a hóspede que estava hospedada aqui? Ela trocou de quarto? — inquiriu olhando ao redor.— Ela foi embora logo cedo. Estou apenas finalizando a arrumação.— E disse alguma coisa, deixou algum recado para alguém?— Não sei, não senhor. Pergunte na recepção.Apressado saiu como se sua vida dependesse disso, ao chegar à recepção refez a pergunta:— A hóspede Amanda do quarto 102 foi embora? Deixou algum recado?— Bom dia! — A moça o olhou sem entender bulhufas. — Si
Era tarde da noite, e em posse de seu carro novo, pois havia trocado para que a ex-namorada não desconfiasse que ele a seguia, à espreita permaneceu por quase três horas dentro do veículo. Em sua companhia apenas um maço de cigarros que era consumido como se fosse um pacote de pipoca.Cansou de observar o clarão que vinha do apartamento dela, as luzes da sala estavam acesas e Amanda assistia TV. O dia não tinha sido nada fácil, e o que ela mais desejava era relaxar um pouco e dormir feito um anjo.Na segunda, ainda estava de folga e voltaria aos atendimentos somente na terça-feira. Devorando um pote de sorvete sabor creme, nem sequer intuía que um homem estava a metros dali vigiando cada passo que ela dava. Amanda tinha plena convicção de que um simples bloqueio fosse o suficiente para que seu ex-namorado entendesse que o relacionamento deles tinha terminado e que um possível retorno estava descartado.André não estava disposto a facilitar, ele a queria de volta, queria se casar com e
A segunda passou sem grandes acontecimentos, na manhã seguinte a médica ortopedista seguiu para o hospital, faria alguns atendimentos até o começo da tarde e após atenderia em seu consultório particular. Ela gostava dessa rotina insana, era exaustiva, mesmo assim a fazia se sentir plena, pelo menos se tratando do seu lado profissional. Chegou ao Hospital Santo Agnelo e logo foi surpreendida por uma cirurgia de emergência.— Como foi o descanso? — perguntou Renan, um colega de trabalho e o anestesista que faria parte da equipe.— Foi ótimo, muito bom, deveria levar a Andréa e as crianças, eles iriam amar. — Amanda deu um sorriso forçado, o que fora ocultado pela máscara e entrou no centro cirúrgico totalmente paramentada.— Essa paciente acordou de pé esquerdo, literalmente — comentou Rita, a instrumentadora cirúrgica.— O boxe estilhaçou e as consequências foram grandes. — A concentrada cirurgiã focou no desafio que tinha pela frente.Uma jovem na faixa dos dezoito anos saiu do boxe e
Amanda bufou assim que se deparou com um motoboy no saguão do hospital entregando-lhe um buquê de rosas vermelhas e atrelado a ele uma caixa de veludo preto de uma joalheria famosa. Ser abordada em seu ambiente de trabalho para receber uma entrega desnecessária era um disparate.— A senhorita poderia assinar aqui, por gentileza? — O rapaz fazendo sua função não notou o semblante de fúria dela.— Antes de qualquer coisa, deixe-me ver o cartão. — Ela esticou a mão, apesar da plena convicção do mandante.O moço pegou com cuidado o cartão branco com detalhes em dourado, o qual Amanda achou de péssimo gosto e o entregou a ela.— Ah, claro. — Passou os olhos e devolveu a ele. — Por favor, leve tudo de volta.— Senhorita, eu não posso. — O motoboy ficou pálido, a caixa com a joia provavelmente custava muito mais do que ele ganhava em meses, não queria ficar desfilando com o pacote por aí.— Entendo, mesmo assim não quero, a pessoa responsável por esses presentes não faz mais parte da minha v
Amanda olhou o nome em sua tela do computador e ao ler RAUL lembrou-se dele, por mais que quisesse deletá-lo de sua mente, era quase impossível, teria que conviver com essas lembranças e com possíveis pacientes cujas letras de seus nomes a deixavam enfurecida.A médica respirou fundo tentando desanuviar e se levantou, gostava de receber os pacientes com um sorriso amigável e um aperto de mão. Porém, ao constatar o que seus olhos viam, recuou dois passos.Raul estava nervoso, entrou e fixou seu olhar no dela.— Eu não acredito nisso. — Inconformada, a médica fechou os olhos tentando se recompor.— Essa foi a única solução que encontrei para conseguir conversarmos. — Raul fechou a porta atrás de si e a olhou. Amanda estava mais linda do que se lembrava, vestida de maneira formal e usando um jaleco branco com suas iniciais bordadas nele o fez admitir que, se ela o rejeitasse, a culpa era totalmente dele.— Sinceramente, não sei o que eu fiz para merecer tanta gente sem um pingo de semanc
O persistente sol teimava em passar por entre as nuvens naquela manhã. Amanda acordara esgotada principalmente após a longa e fatídica conversa da noite anterior com seu então ex-namorado.André era um homem bonito, charmoso, bem-sucedido e extremamente controlador. Os três anos que passaram juntos foram bons, mas também tóxicos e, se a balança dos relacionamentos de fato existisse, penderia para os momentos mais enfadonhos do que os prazerosos. Amanda cansou-se de relevar, de passar panos quentes; na verdade ela se cansou de tudo nele, até mesmo no que a atraía com o passar dos anos tornou-se indesejável e dispensável. O rompimento não fora doloroso pelo menos para ela, a médica ortopedista de 31 anos sabia o que desejava numa relação e passar o resto da vida em negação e pisando em ovos não fazia parte dos seus planos.André não era agressivo, embora fosse muitíssimo ciumento, porém gostava de controlar tudo e todos a sua volta, e o que mais a irritava era a maneira absurda que tinh