Novos Ares

Duas semanas se passaram até que Amanda conseguisse uma folga no hospital e com a ajuda de sua recepcionista remanejasse as consultas agendadas em seu consultório. Ela passou dias tentada em aceitar de prontidão a dica da amiga e após muitas reflexões, acertos aqui e ali, a cirurgiã ortopédica conseguiu dez dias para curtir a natureza, relaxar numa rede ao som das ondas arrebentando nas pedras, o cantar dos pássaros, tudo que fosse possível para recarregar as baterias e voltar disposta a seguir adiante com alguns planos que, por falta de entusiasmo, foram adiados.

Assim que ela cruzou a porta do quarto onde passaria os próximos dias, soltou um longo suspiro. Amanda estava convicta de que tomara a decisão mais assertiva após dar um basta em seu romance nada romântico. Tomada por uma força interior capaz de fazê-la derrubar solidificadas barreiras, ajeitou seus pertences no armário de carvalho que ficava ao lado oposto da cama king size, que fora escolhida propositalmente como um teste drive para uma possível aquisição, vestiu seu biquíni surrado, o que a fez concluir que precisava com urgência adquirir peças novas, um vestidinho soltinho rosa claro com nuances lilases, uma rasteirinha e levando consigo apenas uma toalha de banho, seguiu para a área da piscina que ficava a poucos metros dali.

Havia pouquíssimas pessoas hospedadas no momento, o estacionamento estava praticamente vazio, tanto quanto o restante do local. A água convidativa da mediana piscina a atraiu de imediato e disposta a aproveitar sem moderação cada instante que lhe era proporcionado, se desfez do vestido e o colocou sobre a toalha numa espreguiçadeira.

A arte de saber viver.

Pensou e se jogou, sem grande performance, ou delicadeza no salto, pelo contrário, lembrou mais uma garotinha de férias querendo se esbaldar.

Apesar das altas temperaturas para o mês de setembro, o choque foi inevitável, mesmo assim tão prazeroso quanto, Amanda iniciou seu nado dando braçadas ritmadas para se acostumar com a gélida água e após alguns instantes, totalmente à vontade, boiou como amava fazer. As horas voaram e com o estômago roncando e a pele antes pálida, agora com um tom avermelhado, a fizeram sair.

Suas merecidas férias só estava começando e queria aproveitar cada segundo dela. Retornou ao quarto, tomou uma ducha e, como a pousada só servia o café da manhã, ligou na recepção e solicitou indicações de restaurantes que ficavam nas proximidades. Dirigir estava fora de cogitação, Amanda queria caminhar ao ar livre, fazer tudo que era privada na capital.

Com a indicação anotada no smartphone caminhou a passos lentos e olhares curiosos voltados para as inúmeras lojas de biquínis que ficavam pelo trajeto.

Já sei o que vou fazer após me fartar, compras.

A palavra “compras” a fez se lembrar de ligar para os pais, não que eles fossem um casal extremamente consumista, o que era quase verdade, Amanda como a boa filha que era precisava avisar aos pais que havia chegado e estava tudo bem.

Ela escolheu um restaurante à beira-mar, pequeno, mas muito aconchegante, com uma decoração rústica de causar inveja a grandes restaurantes famosos. Sentou-se numa mesa de frente para o mar e, enquanto comtemplava a beleza criada por Deus, se satisfez com um belo arroz branco, salada de mariscos no vinagrete e, para acompanhar, uma cerveja gelada.

— Mãe? Tudo bem? Cheguei mais cedo, mas acabei sendo sugada pela paisagem daqui e por isso estou ligando agora.

Amanda continuava no restaurante, apreciando a vista e, desta vez, se deliciando com uma taça de açaí.

— Ah, logo deduzi. Seu pai queria te ligar, não deixei. Sabe como ele é. — Estela riu.

— Extremamente preocupado.

As duas disseram em uníssono e Glauco resmungou.

— Pai, aqui é lindo, precisamos marcar uma viagem só nós três. Vocês vão amar. Acabei de almoçar e adivinha só? Comi uma salada de mariscos, que é simplesmente maravilhosa.

— Isso é ótimo, filha. Precisava dessa folga, trabalha demais.

— Quem será que ela puxou? — retrucou a mãe.

— Adoro essas nossas conversas no viva-voz — Amanda comentou, antes que os pais começassem a conversar entre si, falando dela o quanto a amavam e o quanto ela dava duro, como se ela não estivesse participando do papo.

— Sei que sim. — Estela riu.

— Prometo não me esquecer de ligar.

— Pelo menos à noite, Amanda. Está sozinha, sabe que ficamos preocupados — repreendeu o pai.

— Pode deixar, pai, ligo sim. Amo vocês, se cuidem e cuidem um do outro.

— Beijos, e fique com Deus — disse Glauco com o coração apertado.

Amanda era filha única e uma filha que jamais causou a eles desgosto, apesar de não gostarem nada do seu antigo namorado.

— Nos ligue, hein — comentou Estela e desligou o celular.

A moça terminou de saborear sua sobremesa e voltou a caminhar pela orla em busca de looks de praia. Quando ela retornou para a pousada já era começo de noite e cansada, tomou uma ducha, saboreou um sanduiche que pedira na cozinha do local e assistindo TV pegou no sono e ao acordar na manhã seguinte, notou que  o  dia começava com uma densa névoa encobrindo os morros que contribuíam para a beleza local e posteriormente ao farto desjejum servido na pousada, Amanda decidiu fazer uma caminhada pela praia. Passava pela recepção quando um latido vindo do lado de fora lhe chamou a atenção, a ortopedista sempre amou os animais, sempre teve um peludo como companhia, mas desde o falecimento de Luck, seu cãozinho vira-lata de pelagem escura, e a saída da casa dos pais para encarar sozinha a rotina de um lar e tudo o que o envolvia, ela optou por deixar de lado a adoção de um pet, pelo menos por enquanto.

Caminhou em direção ao cão da raça pug, abaixou-se e o acariciou.

— Oi, moço, você é muito fofo, sabia?

Continuou afagando o topo da cabeça do cachorro e sorrindo com a retribuição carinhosa dele.

Ambos se entenderam muito bem, os animais eram capazes de ler através da alma dos seres humanos, eles com sua pequena sabedoria reconheciam quando eram amados e queridos e isso não fora diferente com o pug de idade avançada que lambia uma das mãos da mulher que o enchia de carinhos.

— Own, vou levar você para mim — ela disse e uma voz vindo de cima soou grave em seus ouvidos.

Amanda ergueu a cabeça e defrontou-se com um homem alto, de pele bronzeada, cabelos castanho-escuros desalinhados e olhos do mesmo tom, olhando para a cena que se passava.

— Jamais deixaria que levassem esse meu amigo aqui. — O rapaz sorriu e se abaixou próximo da médica, que continuava a olhá-lo um tanto sem graça.

Amanda estava tão compenetrada com o faceiro cão, que nem sequer se deu conta do dono dele em questão.

— Ele é muito lindo, amo todos os cães e gatos que encontro — ela comentou e deu um giro de cabeça olhando ao redor. O que menos desejava nesse instante era uma mulher ciumenta surgindo do nada e supondo que ela estava usando o pobre cão para paquerar seu homem.

A cirurgiã ortopédica jamais gostou de exposições gratuitas, mantinha a discrição onde quer que fosse, evitava ao extremo qualquer embate, fosse ele de qualquer natureza. Por isso demorou tempo o suficiente para romper com o André. Tinha inúmeros motivos, todos plausíveis, no entanto, seguiu fazendo vistas grossas até se dar conta que não conseguia mais suportar.

— Chico é levado, adora um afago. — Se olharam profundamente e se estudaram.

— O Chico está certo. — Amanda desviou do olhar que lhe prendia e voltou-se para o pug que, a essa altura, encontrava-se deitado com as patinhas dianteiras e traseiras esticadas e com um metro de língua para fora.

— Raul, prazer, o dono desse camarada. — Mais uma vez, o moreno de olhos pertinentes sorriu e esticou a mão direita para um cumprimento amigável.

Amanda retribuiu o gesto com um sorriso contido, tocou levemente na mão de Raul e disse seu nome.

Instantaneamente, em um ato sincronizado, se ergueram.

Raul a princípio gostou da genuína beleza da mulher que surgira em sua frente, mas o que mais lhe chamou a atenção, fora o fato de se encantar com o seu cão, foi o brilho no olhar. Olhos que encantariam uma serpente, num tom vivido na cor âmbar, ou olhos cor de uísque como ouvira algumas vezes.

O silêncio tomou conta das ações, apesar do barulho das ondas estalando nos ouvidos e uma conversa paralela vindo da parte interna da pousada. Raul e Amanda se entreolharam uma dezena de vezes e depois saíram do arroubo.

— Hospedada aqui? — ele inquiriu por fim.

— Cheguei ontem. — Amanda desconversou, deu um ligeiro aceno de cabeça para uma senhora que passava por eles e resolveu cortar a conversa pela metade, antes que a coisa começasse a ficar estranha. — Vou indo, até qualquer hora. — Rapidamente ela girou nos calcanhares e seguiu em direção às areias do mar.

Quanto a Raul, ficou estático como se tivesse sido arremessado de um penhasco, ele era bom com as mulheres, sempre foi, mas desta vez perdeu parte da essência que o transformara num galanteador. Na frente da mulher de olhos caramelados, sua hegemonia ruiu como um castelo de cartas golpeado com fúria por uma ventania descontrolada.

Amanda queria tudo com as curtas férias, menos um caso amoroso. Trocar olhares, achar alguém atraente, não significava envolvimento seja de que espécie fosse.

Ela acelerou os passos como uma atleta nata e se refrescou ao sentir o toque da água salgada indo de encontro com as solas dos pés. Caminhou por alguns instantes e resolveu sentar-se em meio as pedras, observar as ondas indo e vindo num balé cadenciado era acalentador. Contemplando a natureza, pensou em tudo que havia vivido e experimentado até ali e, mais uma vez, concluiu que os anos passados ao lado de uma pessoa que destoava completamente dela foi um dos maiores erros cometidos e jurou, vislumbrando o horizonte, que nunca mais cometeria algo sequer próximo disso.

Quando ela resolveu regressar, estava quase na hora do almoço, optou em pedir uma massa e passar a tarde lendo um livro, o que amava fazer em seus tempos livres.

Só achou estranho que, ao passo em que se deliciava com a história esparramada na rede que ficava na varanda de seu quarto, ouvia em alto e bom som a voz do Raul conversando com o Chico.

Totalmente previsível, ela admitiu. O homem e seu cão estavam hospedados no quarto ao lado e se esticasse um pouco o corpo, poderiam até se ver e trocar breves palavras.

A médica meneou a cabeça e voltou a atenção para o romance policial que a instigava, sem deixar de ouvir o timbre grave de alguém que acabara de conhecer e que, de certo modo, a fizera recordar episódios dos quais ela desejava com todas as forças apagar.

Raul, assim como André, era a combinação perfeita de homem bonito, charmoso cheio de atrativos e que possivelmente poderia mostrar mais à frente quão tóxico poderia ser quando estava numa relação.

Talvez, Amanda nunca mais se envolveria, ou talvez se envolveria rápido demais, o que a deixou assustada.

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