Era tarde da noite, e em posse de seu carro novo, pois havia trocado para que a ex-namorada não desconfiasse que ele a seguia, à espreita permaneceu por quase três horas dentro do veículo. Em sua companhia apenas um maço de cigarros que era consumido como se fosse um pacote de pipoca.Cansou de observar o clarão que vinha do apartamento dela, as luzes da sala estavam acesas e Amanda assistia TV. O dia não tinha sido nada fácil, e o que ela mais desejava era relaxar um pouco e dormir feito um anjo.Na segunda, ainda estava de folga e voltaria aos atendimentos somente na terça-feira. Devorando um pote de sorvete sabor creme, nem sequer intuía que um homem estava a metros dali vigiando cada passo que ela dava. Amanda tinha plena convicção de que um simples bloqueio fosse o suficiente para que seu ex-namorado entendesse que o relacionamento deles tinha terminado e que um possível retorno estava descartado.André não estava disposto a facilitar, ele a queria de volta, queria se casar com e
A segunda passou sem grandes acontecimentos, na manhã seguinte a médica ortopedista seguiu para o hospital, faria alguns atendimentos até o começo da tarde e após atenderia em seu consultório particular. Ela gostava dessa rotina insana, era exaustiva, mesmo assim a fazia se sentir plena, pelo menos se tratando do seu lado profissional. Chegou ao Hospital Santo Agnelo e logo foi surpreendida por uma cirurgia de emergência.— Como foi o descanso? — perguntou Renan, um colega de trabalho e o anestesista que faria parte da equipe.— Foi ótimo, muito bom, deveria levar a Andréa e as crianças, eles iriam amar. — Amanda deu um sorriso forçado, o que fora ocultado pela máscara e entrou no centro cirúrgico totalmente paramentada.— Essa paciente acordou de pé esquerdo, literalmente — comentou Rita, a instrumentadora cirúrgica.— O boxe estilhaçou e as consequências foram grandes. — A concentrada cirurgiã focou no desafio que tinha pela frente.Uma jovem na faixa dos dezoito anos saiu do boxe e
Amanda bufou assim que se deparou com um motoboy no saguão do hospital entregando-lhe um buquê de rosas vermelhas e atrelado a ele uma caixa de veludo preto de uma joalheria famosa. Ser abordada em seu ambiente de trabalho para receber uma entrega desnecessária era um disparate.— A senhorita poderia assinar aqui, por gentileza? — O rapaz fazendo sua função não notou o semblante de fúria dela.— Antes de qualquer coisa, deixe-me ver o cartão. — Ela esticou a mão, apesar da plena convicção do mandante.O moço pegou com cuidado o cartão branco com detalhes em dourado, o qual Amanda achou de péssimo gosto e o entregou a ela.— Ah, claro. — Passou os olhos e devolveu a ele. — Por favor, leve tudo de volta.— Senhorita, eu não posso. — O motoboy ficou pálido, a caixa com a joia provavelmente custava muito mais do que ele ganhava em meses, não queria ficar desfilando com o pacote por aí.— Entendo, mesmo assim não quero, a pessoa responsável por esses presentes não faz mais parte da minha v
Amanda olhou o nome em sua tela do computador e ao ler RAUL lembrou-se dele, por mais que quisesse deletá-lo de sua mente, era quase impossível, teria que conviver com essas lembranças e com possíveis pacientes cujas letras de seus nomes a deixavam enfurecida.A médica respirou fundo tentando desanuviar e se levantou, gostava de receber os pacientes com um sorriso amigável e um aperto de mão. Porém, ao constatar o que seus olhos viam, recuou dois passos.Raul estava nervoso, entrou e fixou seu olhar no dela.— Eu não acredito nisso. — Inconformada, a médica fechou os olhos tentando se recompor.— Essa foi a única solução que encontrei para conseguir conversarmos. — Raul fechou a porta atrás de si e a olhou. Amanda estava mais linda do que se lembrava, vestida de maneira formal e usando um jaleco branco com suas iniciais bordadas nele o fez admitir que, se ela o rejeitasse, a culpa era totalmente dele.— Sinceramente, não sei o que eu fiz para merecer tanta gente sem um pingo de semanc
O persistente sol teimava em passar por entre as nuvens naquela manhã. Amanda acordara esgotada principalmente após a longa e fatídica conversa da noite anterior com seu então ex-namorado.André era um homem bonito, charmoso, bem-sucedido e extremamente controlador. Os três anos que passaram juntos foram bons, mas também tóxicos e, se a balança dos relacionamentos de fato existisse, penderia para os momentos mais enfadonhos do que os prazerosos. Amanda cansou-se de relevar, de passar panos quentes; na verdade ela se cansou de tudo nele, até mesmo no que a atraía com o passar dos anos tornou-se indesejável e dispensável. O rompimento não fora doloroso pelo menos para ela, a médica ortopedista de 31 anos sabia o que desejava numa relação e passar o resto da vida em negação e pisando em ovos não fazia parte dos seus planos.André não era agressivo, embora fosse muitíssimo ciumento, porém gostava de controlar tudo e todos a sua volta, e o que mais a irritava era a maneira absurda que tinh
Duas semanas se passaram até que Amanda conseguisse uma folga no hospital e com a ajuda de sua recepcionista remanejasse as consultas agendadas em seu consultório. Ela passou dias tentada em aceitar de prontidão a dica da amiga e após muitas reflexões, acertos aqui e ali, a cirurgiã ortopédica conseguiu dez dias para curtir a natureza, relaxar numa rede ao som das ondas arrebentando nas pedras, o cantar dos pássaros, tudo que fosse possível para recarregar as baterias e voltar disposta a seguir adiante com alguns planos que, por falta de entusiasmo, foram adiados.Assim que ela cruzou a porta do quarto onde passaria os próximos dias, soltou um longo suspiro. Amanda estava convicta de que tomara a decisão mais assertiva após dar um basta em seu romance nada romântico. Tomada por uma força interior capaz de fazê-la derrubar solidificadas barreiras, ajeitou seus pertences no armário de carvalho que ficava ao lado oposto da cama king size, que fora escolhida propositalmente como um teste
Como de costume, Raul acordou antes das seis, frequentador assíduo da academia de seu condomínio resolveu se exercitar correndo pela orla marítima. Ao contrário do dia anterior, o sol começava a despontar e com a energia saltando pelos poros, correu por quase duas horas, retornando à pousada com a regata ensopada de suor e gotículas deixando sua pele ainda mais chamativa.Ao cruzar pela recepção esticou os ombros olhando precisamente em direção ao refeitório tentando encontrar a mulher com quem se esbarrara no dia anterior. Sua especulação foi em vão, Amanda ainda dormia, e dormia como uma pedra, e quando ela acordou e abriu a porta balcão da sacada, amou ver que o dia prometia. Rapidamente tomou um banho, se recompôs e desceu para tomar o café da manhã.Se servia de uma fatia de queijo branco, no instante em que o homem e seu cão adentraram o ambiente.Os olhos de Raul chamuscaram e os de Amanda fingiram indiferença.— Bom dia — Raul cumprimentou de modo geral, no entanto, olhando fi
Raul se balançava na rede quando ouviu a voz da Amanda soando um tanto irritada do outro lado. Disposto a descobrir o que de fato estava acontecendo, saiu de seu quarto com o Chico na guia e aproximou-se da porta do quarto da sua vizinha preferida.— André, por favor, não temos mais nada para conversar. Saí alguns dias justamente porque precisava descansar.Amanda falava e caminhava de um lado para o outro, impaciente e completamente encolerizada, com a insistência do ex.— Não, de forma alguma. Não vou te passar endereço nenhum. Naquela noite coloquei um ponto final no nosso relacionamento, supus que tinha compreendido, já que sumiu. Mas estou vendo que as coisas nunca mudam, e você continua o mesmo de sempre.O homem disse algo que a deixou ainda mais furiosa.— Isso não te diz respeito, André... — Ele cortou sua frase e continuou falando num tom arrogante. — André, segue a sua vida.Raul impaciente do outro lado, deu dois toques na porta. Amanda girou a maçaneta e, séria, deu um me