Epígrafe
Pessoas vêm e vão o tempo todo,
mas a verdade é que elas ficam.
Uma parte delas se torna você, e uma
parte de você acaba indo com elas.
No fim, somos todos um só.
***
As batidas atrás da porta me fizeram tirar os óculos e baixá-los sobre a mesa. Ergui o olhar quando a porta foi aberta e fitei Fernanda, cujo sorriso arreganhado se fechou o sorriso assim que me viu no computador.
— Por que você ainda não guardou suas coisas? — questionou, revirando os olhos como se fosse uma pergunta retórica. — Claro... — ela coçou a cabeça, fixando o olhar no notebook. — O pessoal está indo para o Brews agora... — anunciou, com a mão ainda sobre a maçaneta. — Você vem?
Suspirei ruidosamente antes de sacudir a cabeça em recusa.
— Eu não posso. — Aleguei, coçando o couro cabeludo. — Hoje é sexta e a matéria de semana ainda não está pronta.
Fernanda largou a porta e suspirou sem ânimo, arrastando-se até a cadeira do outro lado da mesa.
— Fala sério, Nina! — ela fitou o relógio dourado em seu pulso e ergueu o olhar novamente. — São seis e meia...
Ignorei-a um pouco ao encarar a tela no notebook, pensando no que poderia abordar no artigo. Talvez devesse escrever a respeito do próximo desfile de verão.
— Nina... — Ela estalou os dedos em minha direção, o que me fez erguer os olhos, dando atenção novamente a ela. — Você não está me ouvindo? Não tem ninguém no prédio! A Mari e a Lorena estão no estacionamento esperando pela gente.
Suspirei e apoiei os cotovelos sobre a mesa, esfregando o rosto e cruzando as pernas por debaixo da mesa.
— Não dá pra largar o meu trabalho assim, Fê! — insisti em recusar. — Eu realmente preciso terminar de escrever esse material, você sabe como a Verônica é, e ela vai comer o meu fígado se isso não estiver no e-mail dela até as oito.
Ela ergueu as sobrancelhas e pulou da cadeira em que estava.
— A Verônica é uma ridícula. Ela faz a Najolin ser mandada embora para assumir o cargo de Editora.
— Você sabe que talvez isso não passe de um boato, não sabe? — perguntei.
Fernanda ergueu a sobrancelha e apertou os olhos.
— Como se ela não fosse uma megera.
— Pois é, e eu não quero pagar para ver...
Fernanda deu de ombros com ressentimento
— Isso que ela estava fazendo com você não está certo. — Argumentou. — É o clube de sexta das garotas... — Agora ela me encarou da porta como se fosse um cão sem dono. — Nós não vamos te perdoar. — Ela fez um biquinho e insistiu mais uma vez.
Fê, como sempre insistente e muito dramática.
Eu revirei os olhos e suspirei outra vez abrindo um sorriso culpado.
— Não vai rolar. Desculpa — disse, voltando a minha atenção para o notebook. — Juro que na próxima estarei lá.
Suspirei mais uma vez e pus os meus óculos quando a porta se fechou.
Bem, eu ainda precisava terminar o artigo.
Suspirei outra vez, cansada demais e fitando a primeira linha em negrito na tela do Word. "Adore um corpo livre".
Precisava transmitir a ideia de aceitação do corpo como ele é, e de como as coisas são bonitas por natureza. A última moda é se sentir bem consigo mesma e tentar romper com estereótipos impostos há muitas gerações. Ou seja, ser natural e real estava na moda.
Chegara à Revista às seis horas da manhã. O prédio ainda estava vazio quando irrompi a recepção, mas depois de uma reunião fervorosa com os acionistas, todos os funcionários estavam bastante estressados e apreensivos devido ao quadro financeiro pelo qual a Parilla vinha passando nos últimos meses.
A direção da empresa fora assumida pelos quatro herdeiros Parilla, e pelo que se ouve nos corredores da empresa, parece que três dos quatro irmãos querem vende-la, porque desde que assumiram os negócios, tudo estava indo ladeira abaixo. Cortar o mal pela raiz deveria ser mais simples, pelo menos para eles, que não tinham o menor apreço pelos negócios de gerações da Revista. Mas sobre outras preocupações, acima de tudo, pensava no risco de perder o meu emprego. Uma mudança no quadro de funcionários seria bastante trágico neste momento.
Evitando pensar no assunto e nos inúmeros problemas que me meteria se perdesse o emprego, voltei ao trabalho.
Eram oito e cinquenta e três quando eu fiz o up-load do artigo e fechei a tampa do notebook.
Foi um bom trabalho — pensei com um pouco de satisfação e expectativa pelo retorno que teria, pois era difícil manter uma linha de pensamento crítico e parcial quando se está escrevendo um artigo de liberdade de expressão dentro de um desfile de moda. Um desafio, mas espero ter contornado bem.
Fechei a porta da sala e deixei a plaquinha prateada escrita "Assistente de Edição" brilhando para trás. Caminhando até o elevador que me levaria para o térreo, puxei o telefone do fundo da bolsa em meu ombro e acedi a tela, visualizando as mensagens do grupo das garotas.
Dei um clique com o intuito de enviar uma nova mensagem.
"Ainda estão no Brews?" escrevi e enviei.
Alguns segundos depois e as mensagens foram subindo na tela de conversa conjunta.
"Estamos!" quem respondeu foi Lorena.
"Vem pra cá, AGORA!" deixei uma risada alta escapar ao ler a mensagem enviada pela Fê.
"VEM antes da Lor fazer a confissão dela, mas se você demorar demais, nós a interrogaremos sem você! ".
Enviesei as sobrancelhas com a última mensagem da Mari e apressei-me em entrar no elevador, pedindo, em seguida, um uber que me levasse até o Brews.
Poucos minutos depois, a música ambiente preencheu os meus ouvidos ao adentrar o barzinho em que as meninas estavam e procurei a mesa delas, seguindo na direção quando as encontrei.
— Oi. — disse Mari e Lorena com empolgação, quase ao mesmo tempo.
— Achei que você tivesse criado raízes na Parilla. — Brincou Fernanda, soltando uma gargalhada e puxando a cadeira ao lado dela, abrindo espaço para eu me sentar.
Coloquei a bolsa do lado da cadeira e me sentei.
— A Verônica tá me matando. — Assumi, depois que sentei, ajeitando-me sobre o assento.
— Você sabe que ela tá te explorando, não sabe? — disse Mari ao apoiar os braços na mesa.
Dei de ombros.
Eu sabia!
Mas quem se importaria com isso?
— Eu sei, mas eu não posso fazer muita coisa. — Declarei.
— Ela está com medo de acontecer o mesmo que aconteceu com a Najolin. — Fê acrescentou.
— Isso não deve ser verdade, Fê. — Mari contra argumentou.
Realmente, estava trabalhando muito, mas precisava como nunca desse emprego. Começaria a pagar meu financiamento estudantil daqui a um mês. Tinha a despesa do apartamento e outras coisas que somadas levavam todo o meu salário.
— Vocês estão precisando de alguma coisa, meninas? — O garçom perguntou, interrompendo a conversa tensa.
Dei graças a Deus internamente pela interrupção do garçom no assunto e esperava que a Fê esquecesse esse assunto ou pelo menos falasse disso em outra hora. Ergui o meu olhar a fim de pedir-lhe uma bebida, mas antes de me pronunciar, perdi o ar.
O garçom era incrivelmente lindo.
Os olhos eram castanhos e os cabelos eram puxados para um tom de loiro escuro, arrepiados num topete charmoso e bagunçado. Ele era bronzeado como a maioria dos cariocas frequentadores de uma boa praia. Talvez, um metro e oitenta de altura e uns vinte e poucos anos de idade. Eu não saberia dizer, mas evidentemente um gato.
Encarei Mari que apertava os lábios enquanto ele falava. Fê mexia no telefone como se o cara não fosse nada demais, e Lorena ouvia algum áudio com o telefone no ouvido.
— Éé... Pode trazer mais uma rodada pra gente, por favor. — Pedi, abrindo um sorriso constrangedor.
Mari suspirou tensamente assim que ele saiu.
— Que clima estranho — comentei, arqueando as sobrancelhas. — O que foi, Mari? — indaguei quando encarei a Mari novamente.
Ninguém falou nada por um tempo, e eu continuei com a minha cara interrogativa enquanto Shape Of You do Ed Sheeran tocava ao fundo.
— A Mari tá doida para dar uns pegas nesse carinha... — disse a Fê, finalmente, só que alto demais depois que a música tinha chegado ao fim.
— Eu não estou acreditando, Fernanda. — Mari a repreendeu entre os dentes no momento seguinte, totalmente constrangida, coçando a cabeça. — Aposto que ele te ouviu.
E nós três nos entreolhamos sem saber o que fazer ou dizer.
Droga!
— Eu não estou acreditando que você fez isso comigo! — A Mari resmungou de novo, enterrando o rosto nas palmas das mãos, parecia que escorreria cadeira abaixo nos próximos instantes, tentando se esconder da vergonha.
A Fê deu de ombros como se não tivesse feito nada, e a Lorena e eu a encaramos com repreensão.
— Ah para, o garoto nem deve ter ouvido. — Ela contra argumentou.
A Mari não viu, até porque ainda estava com o rosto enterrado nas mãos. Lorena e a Fê estavam de frente para mim e de costas para o balcão. Ela não parava de falar enquanto eu apertava os lábios e encarava para trás dela.
Será que ela não está percebendo o meu olhar?
Meu Deus!
A Mari vai matar Fê! Com certeza vai!
Sabe essa coisa que vivem dizendo por aí, que melhores amigas entendem tudo com apenas um gesto ou olhar o que a outra quer dizer? Então, está mais do que evidente que a Fê não tem isso. Ela não tem a menor noção do que fala ou faz. Fernanda apenas faz, e não dá a mínima para o que vai acontecer depois.
— Existem vários garotos. Não tem como o garçom saber que eu estava falando dele! — Ela suspirou, tentando suavizar as coisas.
Só tentando mesmo, porque o efeito foi bem mais desastroso do que o esperado.
É sério isso? Cadê a droga da música quando mais precisamos?
Apertei os lábios em resposta ao constrangimento que estava sentindo pela minha amiga, quando o garçom avançou por trás da Lorena e da Fê trazendo as nossas bebidas.
Fernanda coçou a testa em resposta ao nosso embaraço, enquanto o garoto colocava as canecas de cerveja sobre a mesa.
O peito dele remexeu-se em uma risadinha silenciosa.
Nós éramos quatro adultas e estávamos sentadas em uma mesa num pub tentando curtir o final da sexta-feira. A Fernanda era bastante responsável em se tratando do seu lado profissional. No entanto, sua vida pessoal eram catástrofes atrás de catástrofes, e ela conseguia estender isso para as nossas vidas também.
A Mari era tímida e quase não se envolvia com ninguém, mas pelo visto, a Fê tinha acabado de mudar isso, e o melhor, sem querer.
— Aconteceu alguma coisa com o som? — perguntei apreensivamente, tentando desviar a atenção do que estava acontecendo.
— Pois é... — o garçom abriu um sorriso tímido e coçou a cabeça. — Tivemos um pequeno probleminha com as caixas de som.
— Ah, você jura. —Fê não hesitou nem um pouquinho em responder com uma pitada, não, uma colherada bem grande, de ironia. — Se você não tivesse falado nós não teríamos percebido.
— Éé... — Ele parecia meio sem jeito com as palavras — não que eu estivesse prestando atenção na conversa de vocês, acho que todo mundo estava. — Ele deixou soltar uma risada de constrangimento.
A Mari tirou as mãos do rosto e nos permitiu ver as bochechas vermelhas e um semblante mortificado de vergonha. Tadinha!
— Mas... — ele ficou em silêncio. Apenas deixou um papelzinho do lado do celular da Mari.
Está bem... Espera!
Ele se inclinou para frente, entre mim e ela, e se aproximou da orelha dela, falando uma meia dúzia de palavras. Mari sorriu soltando um "Tá legal" como resposta.
A música começou a preencher o recinto novamente.
— O que ele disse? — Fernanda foi a primeira a inquirir, esticando os braços e inclinando-se sobre a mesa quadrada.
Mari apertou os lábios e abriu um sorriso que ia de orelha a orelha, exibindo os dentes perfeitamente alinhados e brancos. Ela puxou o papelzinho da mesa e exibiu um número com umas nove casas.
— Ele me chamou para sair depois daqui. — Ela cantarolou com euforia.
— Uau! — beberiquei um pouco do chope. — Finalmente a Mari vai sair do zero a zero. — Provoquei-a e ela gargalhou.
— Ei! Eu não estou no "zero a zero". — Ela resmungou em resposta ao meu comentário.
Lorena esqueceu-se um pouco do telefone e ergueu o rosto para a conversa.
— Você, pelo menos, perguntou a idade dele? — A Lor perguntou de repente num sussurro, inclinando-se sobre a mesa.
— Não! — Mari respondeu, franzindo o cenho em estranheza. — Por quê?
— Porque pedofilia é crime, amiga. — E todas nós, descaradamente nos viramos em direção ao garoto. — Olha para ele, Mari. Parece um bebê...
— Fala sério! — A Fê foi a primeira a falar. — Deve ter uns 19, nem é tão novo assim...
Todo mundo fez silêncio.
— A Mari tem 24, gente. — A Lor fez questão de pontuar. — E vai fazer 25 no começo do ano.
— E daí? — Fê retrucou, inclinando-se para trás. — Não é como se ela fosse namorar com ele.
A Mari tomou uma postura tensa e deu uma última olhada no rapaz que agora atendia outra mesa.
— Gente, calma. — A Mari pediu antes de tudo. — Primeiro, eu não vou namorar e depois, a gente só vai sair um pouco.
— Não se esquece de contar pra gente. — Pedi, sorrindo para ela.
— Mas então... — A Fê interrompeu o assunto. — A que horas isso vai acontecer? Porque, eu não sei se você percebeu, mas já são — ela fez questão de interromper o que estava dizendo para olhar em seu telefone — nove e meia.
— Ele disse que vai parar às dez. — Ela esclareceu.
Nós nos entre olhamos, e eu beberiquei um gole da minha cerveja.
— A Nina chegou Lor... — notificou Mari, pegando o telefone na mesa, rolando o dedo na tela.
Arqueei a sobrancelha, a ansiedade me tomando por completo novamente.
— Você não tinha algo para nós? — Fê falou antes de nós.
— É verdade! — Concordei assentindo com a cabeça, como se tivesse esquecido.
Lor engoliu um gole bem grande de cerveja e nos encarou antes de falar qualquer coisa, abrindo um sorrisão e erguendo a mão direita em nossa direção a fim de exibir o anel em seu dedo.
— O Davi me pediu em casamento...
E todas nós levamos um tempinho para assimilar a situação, encarando o anel com uma pedra azul em cima.
— Ai meu Deus — Mari deixou escapar um gritinho, passando a mão na da Lorena. — Você vai casar.
— Como assim você vai se casar? — Fê rebateu assim que processou a informação.
Lorena balançou a cabeça e deixou uma risada escapar, tomou um bocado de ar antes de falar algo, mexendo no novo anel em seu dedo.
— As pessoas fazem isso quando se namora por muitos anos. — Mari se pronunciou no lugar da Lor.
Mari franziu as sobrancelhas e disse:
— É Fê! Seis anos namorando o mesmo cara. — Ela evidenciou. — Já passou da hora.
— É verdade. — A Fê concordou. — Me desculpe. — Ela balançou a cabeça parecendo perceber o quanto estava sendo insensível. — Meus parabéns, amiga. — Felicitou abraçando a amiga que a apertou no abraço de volta, deixando escapar uma lagrimazinha no canto do olho.
— Eu também quero! — Resmunguei, vendo a cena, pulando da cadeira e passando os braços em volta delas.
Logo os braços da Mari também estavam ali no nosso abraço grupal.
— Tem mais uma coisa. —Lor acrescentou, amassada no meio da gente. — Vocês gostariam de serem minhas damas?
— Siiiiiiiiiim. — Concordamos em coro.
Sábado. Seis e quinze da manhã. Minha respiração estava ofegante, mas eu não diminuía o ritmo.Respirei fundo outra vez, fechando os olhos e continuando o passo. A minha pele estava com uma considerável camada de suor e os lábios estavam secos devido ao desgaste. Estava correndo fazia uns quarenta minutos, mas sentia que as minhas pernas e pulmões aguentavam mais.Há pouco tempo, minha terapeuta me diagnosticara com ansiedade. Não dormia direito, comia demais, tinha crises nervosas e ficava agitada. Correr parecia colocar a minha cabeça no lugar e controlava essa bagunça toda que existia dentro de mim, sem deixar de mencionar que ficava tão cansada a ponto de dormir à noite toda sem ser bombardeada por pensamentos sabotadores que a minha própria cabeça criava.Eu tentava ao máximo fugir dos remédios, porque apenas pessoas doentes p
A segunda chegou arrastada e carregada de apreensão e incertezas. A venda da Parilla poderia mudar tudo. Estava me agarrando a ideia de que quem quer que fosse o comprador, seguiria com os negócios da empresa e não mudaria muito as coisas por aqui.Tentando ser otimista, respirei fundo, segurando com força a bolsa em meu ombro quando Samuca me deixou na porta de entrada da Revista e eu me apressei em ultrapassá-la, espantando qualquer pensamento que pudesse me acovardar. Nada parecia estar fora do lugar, mas a apreensão era nítida no rosto de todos os funcionários.No decorrer do dia, terminei o meu material e encaminhei-o para Verônica.Lorena atravessou a porta da minha sala como um furação e soltou a revista do mês sobre minha mesa. Ergui o olhar devagar da mão dela para o rosto e encarei-a com estranheza, sem entender o motivo do alvoroço.— Olha! &md
Você já parou para pensar sobre as coincidências da vida? Que o universo consegue ser irônico e muito inesperado, disso, todo mundo já sabe. Mas certas coisas, coisas estatisticamente quase improváveis de ocorrerem, simplesmente e inexplicavelmente acontecem. Parece que o destino faz questão de marcar algumas fichas do jogo, e certos eventos vão acontecer mesmo que pareçam impossíveis. Esse deve ser o nó que ata um individuo ao outro. Porque, em meio a 210 milhões de pessoas, eu fui encontrar a única que não esperava ver. Pensar nisso, me fez questionar o quão azarado um ser humano poderia ser? As probabilidades eram baixas, e eu me arriscaria, até, a dizer que, praticamente nulas. Uma pessoa no mundo inteirinho. Quais eram as chances? Eu só conseguia chegar a apenas uma conclusão: a vida queria mesmo rir da minha cara.As minhas pernas bambearam e eu com
— Mas de onde você o conhece? — Rebati, balançando a mão.— Eu não o conheço! — Rebateu de bate-pronto — ele conversou comigo lá no coquetel e depois perguntou se poderia me dar uma carona até em casa e eu aceitei, mas ele é tão gato, Nina... — Acrescentou, parecendo imersa nas lembranças. — Você tinha que ver.Franzi o cenho em resposta e apoiei o meu cotovelo na coxa, cobrindo a boca com a mão, sem desviar o olhar dela, e me perguntando mentalmente o que se passava na cabeça dela. Na teoria, eu sabia muito bem o que estava se passando agora, mas a minha pergunta não se tratava disso em si, mas do juízo propriamente dito que essa garota não tinha.Como ela conseguia ser assim tão desapegada das pessoas?— O que foi? — Questionou assim que constatou o meu olhar por muito tempo sobre ela.
— Eu não sei mais o que fazer. — Fernanda declarou, batendo aborrecidamente a ponta do dedo na mesa do pub.Era sexta-feira, final do dia, nós estávamos sentadas no Brews desabafando sobre os nossos problemas. A semana tinha sido difícil para todas e a Fernanda foi a primeira a começar a reclamar.— O Augusto não me deixa em paz. — Comentou, apoiando os cotovelos na mesa ao apertar os olhos com as pontas dos dedos. — Todo santo dia ele está na Revista, já não aguento mais olhar para a cara dele. A minha vontade é de avançar em cima dele e esbofeteá-lo, só para ver se ele compreende, de uma vez por todas, que não estou minimamente interessada.— Mas Fê, por que você não quer sair com ele? — A Lor parecia se esforçar muito em tentar entender. — Ele é bonito, advogado, be
— Eu não sei se consigo mais lidar com isso. — Declarei com a voz trêmula, passando a mão pelo rosto, ainda me recuperando do choque.Sentia o coração bater na garganta e Samuca me fitou antes de entrar com o carro em movimento, seus olhos verdes agora estavam enevoados junto às sobrancelhas que se curvavam em nítida confusão.— Toda mudança é difícil, amor. — Ponderou, segurando a minha mão fria antes de engrenar o carro e começar a se movimentar pela rua. — Mas, você vai conseguir. Você sempre consegue.Com os pensamentos ao longe, apenas assenti que sim com um movimentar de cabeça e olhei-o antes de me pronunciar.Ele estava bonito, os cabelos loiros espetados estavam rente ao coro e ele vestia um terno preto sob medida com a gravata de seda azul marinho contratando sobre a blusa de baixo, branca. A barba tinha sido
As grades dos portões da escola eram enormes e feitas de aço fundido, cobertos por uma tinta branca, que começara a tomar uma coloração amarelada devido às ações do tempo. Sentei-me no antepenúltimo degrau da larga escadaria cimentada, que levava para a grande porta dupla, em forma de arco, do corredor principal, e puxei a mochila das costas, passando-a para o meu colo ao dar mais uma conferida, olhando por cima do ombro, a fim de verificar se Thomas já tinha saído da aula.Sacodi a tira da alça ao constatar que estava praticamente deserto. Puxei o celular do bolso pequeno da frente da mochila jeans, personalizada com flores coloridas e estampadas, drapeadas, e um “N” maiúsculo com letra enrolada bordado em paetês cor de rosa, e mexi na tela, abrindo na caixa de mensagem, preparando-me para digitar um texto direcionado à minha mãe.<
Sentada atrás da escrivaninha no escritório, passei o dedo indicador pela longa tecla de espaçamento do notebook, acompanhando o movimento e encarei as últimas palavras escritas ali, com a mente distante e afogada em meus problemas mais importantes.Esperava o momento certo de agir, mas isso não parecia acontecer nunca e, à medida que os dias foram passando, sentia que o tempo que precisava para pensar e, finalmente tomar uma atitude, estava se esgotando. Percebi que Samuca se tornava distante e isso me doía. Porque, por mais que ele soubesse que alguma coisa de muito errado estava acontecendo, ainda assim, ele estava esperando que eu tomasse a atitude de conversar a respeito, mas eu simplesmente não conseguia fazer isso.Ele sempre soube esperar e isso sempre me encantou. Mas, estava com medo de magoá-lo e uma palavra errada poderia pôr tudo a perder. Samuca era importante demais para mim, e a ideia