Capítulo 06

— Eu não sei mais o que fazer. — Fernanda declarou, batendo aborrecidamente a ponta do dedo na mesa do pub.

Era sexta-feira, final do dia, nós estávamos sentadas no Brews desabafando sobre os nossos problemas. A semana tinha sido difícil para todas e a Fernanda foi a primeira a começar a reclamar.

— O Augusto não me deixa em paz. — Comentou, apoiando os cotovelos na mesa ao apertar os olhos com as pontas dos dedos. — Todo santo dia ele está na Revista, já não aguento mais olhar para a cara dele. A minha vontade é de avançar em cima dele e esbofeteá-lo, só para ver se ele compreende, de uma vez por todas, que não estou minimamente interessada.

— Mas Fê, por que você não quer sair com ele? — A Lor parecia se esforçar muito em tentar entender. — Ele é bonito, advogado, bem-sucedido. Qual o problema?

A Fernanda parou por um tempo, provavelmente enumerando os problemas em uma lista de prioridades e depois arqueou as sobrancelhas, ajeitando-se em sua cadeira para começar a dizer.

— Eu não quero namorar, Lor. É só isso. Por que é tão difícil de entender? Foi casual. Aconteceu. Só uma vez.

— Mas tecnicamente — A Mari disse — você só estaria saindo com ele, isso significa que vocês vão ser namorados.

— Uma coisa vai levando a outra, e eu não estou pronta para isso.

Engoli a seco antes de dizer e beberiquei um pouco da cerveja em meu copo, me preparando para a pergunta que viria a seguir.

— Do que você tem tanto medo? — Quis saber, segurando o copo, rodeando a borda com a ponta dos dedos.

— Como assim? — A Fernanda rebateu aparentemente confusa, passando o cabelo para trás da orelha.

Cocei a garganta antes de continuar a conversa.

— Você foge de relacionamentos amorosos do mesmo jeito que o diabo foge da cruz, qual é o problema? Tem que ter uma explicação para isso.

— Não tem problema nenhum, Nina. — estalou, baixando o olhar para o copo. — Eu só não quero me apegar a alguém que a qualquer momento pode ir embora e me deixar sozinha. — Suspirou com franqueza.

Nós fizemos silêncio por um tempo, impactadas demais com a resposta inesperada dela e lhe lancei um olhar solidário, erguendo a cabeça em um aceno positivo.

É. Tudo bem. Ela tinha seus motivos.

— Um dia você vai precisar superar isso. — Lorena, pessoa mais madura da mesa, se pronunciou ao pegar a mão dela. — Se não, você vai morrer velha, murcha, seca e sozinha.

— Eu não tenho problemas em ser solteira, fora que a velhice não parece ser ruim. — Retrucou, puxando a mão e nós rimos. — Eu vivo muito bem e obrigada pela preocupação de vocês, mas vou passar. Ela abriu um sorriso falso, sem mostrar os dentes, antes de continuar — Aliás, por falar em fugir de cruz, como anda a sua? — A Fê cruzou as pernas embaixo da mesa, segurando o copo de cerveja e arqueando uma sobrancelha para mim. O veneno por pouco não escorreu pelo canto dos lábios. — Porque eu não sei se vocês sabem, mas o gato do Thomas Cavalcanti foi namorado dessa safada e agora ela morrendo de medo dele demiti-la.

— Não é bem assim... — aleguei, tentando suavizar as coisas, mesmo sabendo que era bem pior do que isso.

— Como não? — A Fê contestou, indignada. — Gente, ela ficou uns dez minutos trancada no carro porque ele também estava no estacionamento. Eu queria ver se ele tivesse ficado por lá uma meia hora. Ela fica trancafiada na sala o dia inteirinho só porque está se borrando de medo do que ele vai fazer quando descobrir que ela também trabalha na Revista.

Falando desse jeito soava muito ridículo.

— A gente pode não falar disso? — Pedi, tentando contornar o assunto, um pouco constrangida com a situação.

— Não. — A Lorena se pronunciou com firmeza. — Qual o problema em trabalhar com o ex? — Inquiriu — Muitos relacionamentos acabam o tempo todo e vocês precisam ter maturidade para encarar isso.

— Eu tenho maturidade, Lorena — declarei ao franzir a sobrancelha. — O problema é: e se ele não tiver e quiser me m****r embora por raiva do que fiz?

A Mari se inclinou sobre a mesa e perguntou:

— E o que você fez?

Dei mais um gole na cerveja, tentando tornar as palavras menos amargas antes de proferi-las.

— Minha mãe e eu tivemos que vir às pressas para o Rio e consequentemente, também tivemos que deixar tudo, do jeito que estava, para trás. Inclusive o Thomas. Não teve como explicar, eu era nova, escrevi uma carta, mas a minha mãe estava com tanta pressa que não deu tempo de entregar.

— Então não foi culpa sua. — A Lor concluiu.

Eu sabia que não era, mas podia ter ligado, enviado uma carta, dado uma satisfação sequer a ele de que estava indo embora, mas não tinha palavras para me explicar, nem voz para telefonar, me sentia sufocada com a mudança, com tudo o que estava acontecendo na minha vida naquele momento. Eu só queria esquecer. Nós não podíamos dizer a ninguém para onde estávamos indo. Então, simplesmente o deixei para trás e imaginava que ele me odiaria por isso, mas não me importava, não até o momento em que ele se tornara o meu chefe e poderia se vingar de mim pelo passado. Eu só queria protegê-lo da minha família problemática e se isso me custasse o rancor dele, tudo bem. Ele nunca mais precisaria me encarar novamente.

— Você precisa falar com ele. — Lorena pediu. — Vai precisar lidar com isso mais cedo ou mais tarde, Nina.

— Eu vou passar. — disse, recusando o pedido, bebendo mais um gole da cerveja que desceu amarga.

— O Samuca sabe? — Fê perguntou.

Samuca passou a semana inteira trabalhando muito com em um julgamento que não parava de ser adiado. Nós nos falamos muito pouco nos últimos dias. Eu também estava trabalhando demais e chegava em casa e emendava no serviço.

— Não. Eu não consegui contar ainda.

— Ele não vai gostar se você ficar enrolando para contar. — A Fernanda pontuou.

Suspirei e dei de ombros, me resignando sem saber o que dizer, precisava esperar o momento certo e nem ele nem eu tínhamos tempo ultimamente, mas isso não era toda a verdade. Estava com medo de contar e ter de explicar a forma como lidei com a informação, precisaria escolher bem as palavras para não gerar nenhum pensamento errado.

— E você, Lor? — A Fê perguntou, virando-se para a Lorena que estava na cadeira ao seu lado. — Andou sumida durante a semana, não te vimos nem terça nem quarta.

A Lorena coçou o couro cabeludo antes de se pronunciar.

— Eu pedi uma folga — informou — Davi e eu estávamos resolvendo a papelada do casamento. — esclareceu e nós nos agitamos felizes por ela. — Não tão rápido. — Pediu, contendo com frustração a nossa empolgação. — Marcamos o casamento, a data vai ser pra abril, dia oito.

— Nossa, Lor. — A Mari se pronunciou com animação. — Que legal!

A expressão dela não era de felicidade plena.

— Os pais do Davi querem dar uma festa de arromba e eu só queria uma cerimônia reservada para familiares e amigos próximos.

— Ahhh!!! Lorena, para! — A Fê interferiu. — Deixa eles darem o festão, vai ser legal!

A Lor respondeu com uma expressão de desagrado à Fernanda.

— É o meu casamento, poxa! — Retrucou meio exaltada. — O meu sonho de criança e não quero compartilhar com gente metida à besta que eu nunca vi na vida.

— Por que você não conversa com o Davi? — Perguntei, tentando ajudar com o problema dela.

Ela se ajeitou na mesa e apoiou os cotovelos.

— Ele também está desconfortável com a situação. Nós já tínhamos pensado em tudo. A cerimônia seria na chácara da família deles em Realengo e a Antônia não para de falar em igreja e salão de festa na Barra, bufê. Eu não quero nada disso... — Resmungou, fazendo uma careta de desânimo.

— A semana foi difícil para todo mundo. — Fê deixou o comentário frustrado no ar, e nós três nos apoiamos na mesa.

— Pelo visto, não pra todo mundo. — Ela retificou quando olhamos o garçom bonitinho abrir um sorriso largo e branco para a Mari que deu um tchauzinho com a mão em resposta.

— O que foi, gente? — Os olhos azuis arredondados da Mari recaíram com estranheza e curiosidade sobre nós e ela se remexeu incomodada na cadeira.

— Nada. — Lorena e Fê responderam juntas, erguendo as mãos em um gesto de rendição e nós gargalhamos, achando graça da ingenuidade da Mari

— Preciso ir ao banheiro. — Informei, já me levantando.

— Eu vou pedir outra rodada pra gente — Lor anunciou, erguendo a mão para o garçom que dá mole para a Mari, que começou a vir rapidamente à mesa. — A gente merece — comentou com a voz mais arrastada agora. — Menos você! — Acrescentou, apontando para a Mari.

E eu saí da mesa, sacodindo a cabeça em meio às risadas.

Adentrei a cabine de vidro do banheiro e depois de fazer as minhas coisas, retoquei o batom vermelho e joguei o cabelo liso e escuro, que ia até a altura dos seios, mais para o lado, arrumando a blusa social de manga três oitavas, passando a mão pela calça jeans clara skinny e me voltei para a saída do banheiro.

Nós tínhamos escolhido uma das mesas próximas à porta e o caminho era consideravelmente longo até lá. O bar estava cheio e a música ambiente hoje estava consideravelmente mais alta do que o habitual.

Estiquei o passo de volta à mesa, mas no meio do caminho um estranho esbarrou bruscamente em meu ombro, interrompendo-me.

— Ei — Resmunguei depois do impacto. — Olha por onde anda.

Uma coisa foi enfiada inesperadamente na palma da minha mãe e, em seguida, a ergui para ver do que se tratava. Um papel branco. E depois disso, a pessoa de capuz cinza que lhe cobria a cabeça seguiu o seu trajeto, sumindo no meio das pessoas que estavam no bar, deixando-me para trás com uma dor no ombro e um pedaço de papel na mão.

Engoli a seco e desdobrei-o, analisando as letras de forma escritas.

“Não adianta se esconder”

O meu estômago embrulhou e o nervoso fez a minha mente girar. Os meus olhos semicerraram-se em direção à mesa em que estava e minha expressão retorceu-se em uma careta de desagrado, e a passos duros retornei.

Legal! — Exclamei, batendo a mão com o pedaço de papel na mesa. — Quem foi? — Inqueria, aborrecida com a brincadeira de mau gosto.

As três gargalharam sem se darem conta da gravidade da situação, mas fecharam o sorriso ao constatarem o meu aborrecimento.

— Me desculpa, Nina. — A Lor falou, constrangida com a minha reação.

— Foi ideia minha. — A Fê se pronunciou logo depois.

— Eu disse que era uma péssima ideia. — A Mari protestou, cruzando os braços ao erguer as sobrancelhas.

— Pensei que assim você tomaria uma atitude. — A Fê esclareceu. — Essa situação não pode continuar desse jeito. Você agindo como uma foragida. Escuta o que eu estou te falando: continuar com isso não vai ser uma boa ideia.

Sentei-me à mesa à contra gosto com uma carranca emoldurada no rosto e empurrei o papel, deslizando-o na mesa, em direção a Fernanda que estava na minha frente.

— Me desculpa. — Ela pediu, fazendo beicinho.

Balancei a cabeça em concordância e deixei escapar um sorriso amigável.

— Ângela me convidou para um jantar em família semana que vem. — Comuniquei, bebendo da cerveja. — Minha mãe vai...

— Está mais do que na hora de você conversar com ela. — A Mari disse — É sua mãe, não pode ficar tanto tempo sem falar com ela.

Sacodi o pé sobre a perna cruzada, angustiadamente e girei o copo de cerveja sobre a mesa.

— É bem mais complicado que isso... — Argumentei, dispersa. — Mas eu vou falar com, inclusive, estou com saudade, até das reclamações.

P

O final de semana passou voando, me lembro apenas de receber as instruções da Verônica no e-mail e de tentar cumprir os prazos, sentando-me no sofá pela manhã e dormindo por lá mesmo.

Segunda-feira, sete horas da manhã, e estava eu, correndo apressadamente em direção ao elevador. A Verônica me ligara no meio do caminho me pedindo para que encaminhasse o último artigo o mais rápido possível e como a Parilla só abria as oito, ainda conseguia andar mais tranquilamente pelo prédio.

Exasperada, tomei o corredor, alcançando e abrindo a porta da sala. Abri a tampa do notebook sobre a mesa e terminei de escrever o material, anexando o arquivo, respirando fundo quando o e-mail saiu da caixa de saída. Parei por um instante, franzindo o cenho ao encontrar o envelope branco no chão, próximo a fresta da porta. Fiz a volta pela mesa, abaixando-me para pegá-lo, abrindo e puxando o papel dobrado de lá de dentro.

“Isso já está indo longe demais. Chega desse joguinho!”

Precisei me sentar ao analisar as letras redondas e grandes. Sacodi a folha branca, abanando o meu rosto a fim de tentando esfriar a temperatura que só se elevava ali. A respiração se alterava mais a cada instante. Estava prestes a ter um ataque cardíaco.

Puxei o telefone da bolsa com brutalidade e naveguei no celular até chegar ao grupo das meninas.

Essa brincadeira estava indo longe demais. — Pensei ao digitar a mensagem.

“Minha sala.” Meu dedo passava pela tela touch screen com urgência.

“AGORA!” Reforcei, nervosamente.

Não demorou muito para que a porta fosse aberta e as três entrassem juntas.

— Ok! — Bufei, com as mãos apoiadas e espalmadas sobre a mesa, o envelope mais a frente e o bilhete sobre ele. — Dessa vez quem foi?

Mari, Lor e Fê se entre olharam com as sobrancelhas franzidas e uma expressão de surpresa tão evidente quanto a minha se formou na delas.

— Não fomos nós! — A Lor disse, pegando o papel nas mãos, avaliando-o.

— Fala sério, gente... — Interpelei, sentando-me na cadeira. — Eu não vou ficar brava, é só me dizer quem foi. Fê, foi você?

Por mais que não gostasse dessa brincadeira idiota, era oito ou oitenta. Se não tivesse sido elas, só poderia ser o Thomas e essa possibilidade estava sendo difícil demais de ser processada. Tinha que ser uma das três.

— Não.fomos.nós. Nina — A Fê sibilou, pausadamente, pegando o bilhete da Lor, lendo-o também com uma expressão mais séria dessa vez.

— Co-co-mo não foram vocês? — Inqueri, perplexa, balbuciando as palavras.

— Não sendo. — A Lor reafirmou. — Não temos absolutamente nada a ver com isso.

Engoli a seco e suspirei, levantando-me da cadeira e me voltando para a janela atrás de mim. A vista daqui era bonita. Havia uma lagoa logo atrás e uma praça mais ao lado, mas a minha mente não conseguia apreciar a vista. A ficha não queria cair e eu não conseguia aceitar a verdade. Palavras difíceis de serem digeridas neste momento.

— Então, ele já sabe. — disse, pressentindo o pior ao esfregar os braços, sentindo uma onda de nervosismo embolar as minhas entranhas.

— Ele quer falar com você. — Fê disse, parando ao meu lado, ficando de frente para a janela também.

— Pensa pelo lado bom... — A Mari disse. — Pelo menos ele não te demitiu.

Talvez esse não fosse o meu maior medo, afinal.

— É... — balbuciei, enxugando a lágrima solitária que escorreu pelo meu olho.

E se esse não fosse o verdadeiro motivo e eu apenas estivesse me engando? Talvez fosse só o que a minha mente me fez acreditar para tornar as coisas um pouco mais fáceis de lidar.

A parte mais difícil de recusar a enxergar a realidade é que, quando a ficha cai, e a bolha que você vive é estourada, você não quer e não consegue compreender o que está acontecendo de imediato. Essa é a fase da negação. As coisas se bagunçam. Tudo em volta vira caos e você não consegue fazer absolutamente nada além de apenas observar as coisas que tanto lutou para conquistar, entrar em colapso. Às vezes, a realidade é tão dolorosa que você só quer fingir cegueira para não enxergar o que está à frente, bem embaixo do seu nariz. Eu tentei cobrir o sol com a peneira, adiar o problema, mas isso está mais do que evidente que não resolveu nada. Thomas já sabia da minha existência e para ele, tudo não passava de um jogo. A minha vida não é a droga de um jogo!

Respirei fundo e dispensei as meninas com a cabeça, voltando a realidade.

Sentei novamente em minha cadeira e tentei fingir que isso não tinha acontecido. Mirei o bilhete uma última vez e rasguei-o em mil pedaços, decida a esquecer, jogando-o na lixeira.

Não permitiria que ele me afetasse ou que jogasse comigo!

Olhei o chat corporativo da revista, o lexos, e analisei as inúmeras coisas que a Verônica já tinha me passado para fazer e suspirei ruidosamente, agradecendo internamente por ter bastante coisa para preencher o meu dia.

— Vamos almoçar? — A Mari bateu na porta, e eu baixei o olhar na tela do computador, olhando o relógio.

Meio dia e onze.

Balancei a cabeça em negativa, recusando a proposta, mantendo os olhos fixos na tela.

Serviço e mais serviço, isso porque não tinha concluído a metade da lista.

— Estou com serviço até o pescoço. Tem como trazer alguma coisa para mim, por favor? — Pedi, olhando-a com a mão na maçaneta da porta e um ar pesaroso para mim.

— Está bem.

Segui com as tarefas e olhei no relógio uma última vez, seis e vinte. Tinha passado do horário, novamente, mas isso não era nenhuma novidade, então apenas segui o meu ritual de arrumar a mesa, desligar tudo e sair.

Rumei em direção ao corredor, parando de frente para o elevador e chamei-o, apertando algumas vezes seguidas o botão. Puxei o celular da bolsa e comecei a ler as mensagens que o Samuca havia me mandado, e quando a porta se abriu, dispersivamente entrei e acomodei-me em um dos cantos. Já não havia quase ninguém no prédio.

— Estava me perguntando quando, finalmente, encontraria você. — A voz, familiar soou grave e rouca, se arrastando audivelmente pelo espaço até bombardear os meus ouvidos, gerando caos, medo e pânico ao meu sistema.

As minhas pernas bambearam e estaquei os movimentos, erguendo com apreensão o olhar do celular e ficando frente a frente com o rosto que tentara evitar a mais de uma semana.

Thomas estava de frente para mim e ele estava tão sufocantemente lindo quanto me lembrava.

— Thomas... — Balbuciei, perplexa ao me deparar com ele.

— Você não vai dizer oi? — Perguntou, virando os pés ao ficar de frente para mim.

Os olhos dele recaiam sobre mim, fixos e imóveis. A cor fria causava-me arrepios da coluna aos pés, intimidando-me. Uma corrente fria percorreu a minha barriga e precisei afagar os meus braços para que acalmasse o pânico que me rondava. Me sentia presa ao chão, incapaz de me mover ou pronunciar uma palavra sequer. Então, balancei a cabeça em negativa e agarrei firme a única coisa que podia no momento, a minha bolsa.

— É isso o que você tem para mim? — Indagou com a voz mais baixa, arrastando o sapato caro, preto social, de couro, em dois passos, ficando mais próximo dessa vez. — Depois de sumir de repente e nunca mais me procurar, é isso o que eu mereço, o seu silêncio?

Eu não me sentia minimamente pronta para conversar sobre isso com ele. Os meus olhos esbugalharam e as pernas vacilaram, no momento em que o braço dele esticou, apoiando ao lado da minha cabeça, na parede metálica, encurralando-me entre o canto do elevador e ele. O cheiro amadeirado misturado à menta invadiu as minhas narinas e eu parei de respirar com o cérebro inebriado pela fragrância por alguns segundos. Precisei de mais do que isso para começar a raciocinar.

Thomas arqueou as sobrancelhas grossas, escuras e continuou com o olhar frio, fixo, o maxilar esculpido, travado lhe rendia uma expressão indecifrável e ameaçadora. Desejei me afastar, porque sabia que ele estava fazendo de propósito. Ele estava tentando me intimidar e encarava isso como um jogo, me cercando como uma caça indefesa.

O tilintar do elevador ecoou pelo pequeno espaço e a porta se abriu, dando a vista para a recepção vazia e escura devido às luzes apagadas. Desviei o meu olhar, virando um pouco o rosto e a cabeça em direção à porta, mas me arrependi no momento seguinte, quando a ponta do nariz fino dele remexeu os meus cabelos.

Thomas me pegou totalmente desprevenida quando apertou o botão novamente, indicando no painel ao meu lado o terceiro andar. Engoli a seco quando a porta se fechou sem que pudesse sair do elevador e a caixa sacolejou, levando-me para cima novamente.

Oh meu Deus!

— O que você pensa que está fazendo? — Rosnei com julgamento quando ele se afastou, fazendo a volta ao ficar de costas para mim. Apertei, seguidas vezes, desesperada, o botão do térreo novamente, mas teria que esperar chegar ao terceiro antes.

Os meus olhos estavam fixos nos ombros dele, que cobertos pelo terno preto de marca. Ele suspirou ruidosamente, ainda de costas para mim.

— Eu fiquei esperando você voltar, sabia? — Questionou com a voz calma e pude vê-lo erguer o braço para passar a mão pelo cabelo negro, grosso, cortado em camadas e bagunçado de um jeito charmoso, mas arrumado.

Ele se virou para mim e me encarou com uma expressão mais branda. Eu sabia que ele estava tentando conter alguma coisa dentro dele ou quem sabe, tentando esconder algo de mim. Então, ele arqueou a sobrancelha, mantendo o olhar compenetrado, agora não mais para o meu rosto, mas para a minha mão esquerda.

— O que é isso? — Interrogou, puxando a minha mão de repente.

Uma sensação de medo revirou o meu estômago quando percebi que ele se referia ao meu anel de noivado.

Tentei tomar o controle da situação, cerrando a outra mão livre em punho ao franzir o cenho em resposta, e puxar a mão com brusquidão de volta, escondendo-a por trás de mim e recuando ao me afastar dele. O tilintar ressoou novamente e os músculos da minha garganta se contraíram quando a porta do elevador se abriu no terceiro e eu fitei a passagem livre, no andar do marketing.

Era a minha deixa.

— Eu sinto muito. — Disse com voz trêmula, alterada pelo sentimento de culpa, encarando-o com relutância ao morder o lábio interno.

Fui franca, pois eu realmente sentia. Nada do que aconteceu foi culpa minha, em parte sim, eu poderia ter me despedido e isso, com certeza tornaria as coisas um pouco menos tempestuosas agora. Thomas não me odiaria tanto e com certeza, estar diante dele não mexeria tanto quanto gostaria. Contudo, não dava para me lastimar agora.

Seis anos se passaram e a realidade ainda doía como uma paulada brusca na cabeça. Nós não podíamos alterar o passado. Isso é um fato inquestionável, mas a minha vida não podia parar por conta das más escolhas dos meus pais e não esperava que Thomas fizesse isso também. A diferença é que agora, ele estava lidando muito melhor com isso do que eu, ou pelo menos é o que ele queria que eu pensasse.

Ignorei a torrente de pensamentos e corri para fora da caixa. Os meus passos colidiam contra o chão e livrava o prédio do silêncio aterrador e pude sentir o olhar dele perfurar as minhas costas. Passei a mão pelo cabelo castanho-claro, levando a mecha solta e mais curta para trás da orelha e engoli a saco, ousando olhar discretamente para trás. A porta metálica começou a se fechar e Thomas permaneceu lá dentro, sem desviar o olhar de mim, enquanto eu colocava a maior distância possível entre nós.

Com toda a minha bagunça, apenas decidi tomar as escadas e desci os lances que me levariam para fora da Revista.

Empurrei a porta e as gotas grossas da chuva se chocaram contra a minha cabeça e ombros, mas não parei de correr, vasculhando a rua em meio ao temporal que não parecia querer cessar. Não demorou muito para que encontrasse o carro cinza, o Civic de Samuca, então disparei para onde estava estacionado, atravessando a rua sem, ao menos, me dar o trabalho de olhar para os lados, gesticulando com as mãos para que não me atropelassem. Buzinas foram acionadas e alguns pneus cantaram contra o asfalto.

— Saí do meio da rua, maluca! — Um homem dentro de um carro berrou.

Respirei fundo, sem fôlego, não sabia ao certo se devido à falta de ar, ou à agitação de descer as escadas e quem sabe por ter ficado, pela primeira vez depois de muito tempo, frente a frente com Thomas. Talvez os três, mas com certeza o terceiro era o maior causador de toda a bagunça.

Abri a porta e joguei-me no banco de couro do carro, respirando ruidosamente quando encontrei paz e segurança dentro do silêncio do carro.

— O que aconteceu? — O Samuca perguntou com os cenhos franzidos ao analisar o meu estado.

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