Impiedoso
Impiedoso
Por: Lu Viana
Prólogo

Amélia Granger estava imersa em uma leitura apaixonante quando Amanda, sua irmã mais velha, subiu pela janela do seu quarto. Amy não deixou de sorrir ao ver a menina cheia de pudores e o maior orgulho de seus pais quebrar as regras, lá estava Amanda, a filha perfeita de Olavo e Anastácia Granger, um nome de peso para a alta sociedade de Belém fazendo tudo o que era abominável aos olhos de seus pais por causa de um homem que mal conhecia, mas por quem já estava perdidamente apaixonada. Mandy, como Amélia chamava a irmã desde que começou a falar, sorriu ao perceber o sorriso da garota a sua frente e o brilho de seus olhos cheios de expectativas.

— Como foi? — Amy perguntou a Amanda depois de fechar o livro sem pestanejar. Estava lendo "Como eu era antes de você" mas a leitura poderia esperar. A história de amor real da sua irmã parecia muito mais empolgante naquele momento.

A irmã mais velha corou diante da expectativa da irmã caçula. Contudo, isso não a impediu de falar, pois precisava contar para alguém tudo de bom que aconteceu naquela noite.

— Foi lindo! — Mandy se jogou ao lado da irmã na cama. — Nossa primeira vez foi no iate dele, no meio da baía do Guajará a luz do luar e o brilho das estrelas, foi perfeito. — A garota, que mais parecia um anjo em sua aparência de traços finos e delicados, declarou ao lembrar da noite perfeita que teve não tem muito tempo com o homem dos seus sonhos.

— Foi tão maravilhoso que não sei explicar. — Amanda disse de olhos fechados, a mulher estava no auge de seus 21 anos, de olhos fechados ainda poderia reviver aquela noite mágica — posso garantir minha irmã, que eu fui ao céu e voltei três vezes. — Declarou com as bochechas ruborizadas, ela abriu os olhos e fitou a irmã caçula. — Eu o amo tanto, com todo o meu ser, com toda a minha existência, com toda a minha alma, eu amo Dimitri Klines.

Amélia não pode deixar de sorrir ao ouvir a irmã e vê-la tão feliz, Amanda merecia depois de ter sofrido uma grande desilusão amorosa, até hoje ela não sabia como Álvaro foi capaz de magoar uma pessoa tão bondosa e cheia de luz, linda também. Amanda é o retrato da perfeição, cabelo liso, loiro, que descia até a curva de seu traseiro, pele tão alva quanto o leite, olhos de um azul tão quanto o azul do céu num dia lindo de sol, alta e esguia, tão diferente dela, Amélia é baixa, gorda e sem sinal de cintura, cabelos cacheados, castanho avermelhado na ponta, igualmente branca, mas sua cor apenas a deixava ainda mais sem graça, olhos cor de avelã, a única coisa com a qual se igualava a irmã é a personalidade dócil, o sorriso com covinha e o amor imenso que sentem uma pela outra, no entanto aos olhos do mundo, elas são conhecidas como o majestoso cisne e o patinho feio que todos duvidavam muito que um dia fosse se tornar um cisne, ela mesma duvidava. Amélia tinha marcas que tinha certeza que jamais seria capaz de superar, marcas deixadas por tantos atos de ódio desnecessários despejados em si por causa de sua aparência, especialmente na escola. O bullying que sofria era pesado.

" Gorda, baleia, saco de areia, roda gigante, bunda de elefante." Lembrou-se da música cruel que ouvia todos os dias dos seus colegas de classe. Eles cantavam quando não havia um professor por perto, Amy só não entrou em depressão por causa dos irmãos, Augusto e Amanda, os gêmeos mais lindos e perfeitos da sociedade paraense, super protegida por eles, até demais e muito bem cuidada pelo pai, mas sempre criticada pela mãe, Amélia já havia se conformado com o futuro que a esperava e por isso se contentou em seus quatorze anos de vida a ser apenas a irmã sem beleza da família perfeição. Ela nunca entenderia porque foi a única pessoa da família que não herdou a beleza que era evidente que todos tinham, bom, exceto ela.

Mandy não se importava com a idade da irmã, por isso contou tudo o que aconteceu naquela noite perfeita, queria compartilhar um pouco da felicidade que estava sentindo, tudo que ela queria era que Amy se visse como ela e o irmão a viam, como um diamante bruto a ser lapidado. Ela estava na sua pior fase, mas porque a adolescência era um período de mudanças e logo, aquele tormento sem fim com certeza passaria. Amanda, contudo, percebeu uma tristeza nos olhos da irmã que não sumiu com a história da sua grande noite de amor.

— Oh!Amy… eles foram cruéis com você de novo? — O sorriso de Mandy se desfez, dando vazão à preocupação ao perceber que a irmã se perdeu em pensamentos dolorosos, a adolescente suspirou balançando a cabeça na tentativa de dispersar os pensamentos ruins. Estava tão cansada daquilo, só queria que as pessoas parassem de julgá-la e atormentá-la baseados na sua aparência. Passou a vida toda na dieta, sua mãe era a pessoa mais neurada com seu peso do que todos os outros e ainda assim, continuava pensando 15 quilos a mais do que deveria. Se sentia tão exausta de tudo.

— Não se preocupe, não é nada que possa estragar sua noite perfeita. — Amélia abriu um sorriso na tentativa de disfarçar o quão doloros foi aquele dia, sua irmã precisava se ater apenas a sua noite perfeita. Amélia sabia que um dia aquele tormento iria passar. Tinha esperanças disso.

Amy e Amanda dormiram abraçadas como faziam todas as noites, no outro dia se juntaram a família para o café da manhã, uma refeição muito animada pois era a única que reunia todos os membros da família, mas naquela manhã os filhos Granger não tinham ideia de que teriam uma surpresa que mudaria suas vidas.

— Bom dia, família. — Olavo desejou aos filhos e à esposa ao sentar na cabeceira da mesa.

— Bom dia — todos cumprimentaram em uníssono.

— Por que tanta formalidade? — Guto perguntou ao pai.

— Porque? — O homem olhou para a esposa que rapidamente tomou a palavra para si, Anastácia sorriu, pronta para dar aquela notícia. Esperava ansiosa todos aqueles anos por aquele momento.

— Amélia — a mulher se dirigiu a filha caçula — querida, você vai ter os seus 15 anos assim como a sua irmã teve e para que isso aconteça sem problemas e contratempos, vamos… — a mulher respirou fundo ao completar — vamos mandá-la para um internato apenas para meninas. — Dona Anastácia informou a filha caçula sem perder o sorriso em seu rosto, apesar do receio que sentia por dentro. Não pela garota, mas por seus filhos mais velhos que são extremamente apegados a ela.

Amy olhou estagnada para os pais sem acreditar no que acabou de ouvir. Porque ela teria que ir para um colégio interno quando faltava ainda um ano para tal e qual era a razão para ela ir pra longe da família?

— Mas mãe, eu não precisei ir para um internato para ter uma festa de quinze anos! — Mandy protestou em defesa da irmã.

— Isso é verdade mamãe. — Augusto se juntou a Amanda em defesa da irmã caçula, o rapaz não consegue imaginar deixar sua irmãzinha sozinha em uma escola qualquer e sem os irmãos para defendê-la.

— Desculpem, mas Amanda não... — a matriarca Granger parou no meio da frase. Mas os filhos entenderam, especialmente Amélia que se levantou rapidamente da mesa e saiu correndo casa afora.

Amanda não era uma adolescente gorda e desengonçada, feia e sem graça, Amanda sempre foi fina e graciosa, o diamante mais valioso da família Granger. A filha que faria o casamento perfeito, a filha que salvaria a família da ruína, seu Olavo e dona Anastácia não podiam correr o risco da filha caçula estragar o futuro Brilhante da filha mais velha, da filha ser o empecilho para a salvação da família. Apesar dela não entender como ela arruinaria tudo, tinha apenas 14 anos e estava ocupada demais tentando sobreviver ao bullying na escola.

Olavo fez sinal para os gêmeos ficarem onde estavam quando ambos fizeram menção de levantar e ir atrás da sua irmãzinha.

— Eu falo com ela" disse aos filhos um pouco antes de se levantar e ir atrás da filha caçula.

Amélia é seu diamante bruto e segundo a esposa, ela precisa ser lapidada e essa lapidação só poderá acontecer se ela estiver longe dos irmãos que a superprotegem de tudo. Sua caçula precisava ser preparada para a vida e não tratada como um porcelana delicada que na primeira queda se quebrava.

Amy estava se balançando no balanço no meio do jardim, o olhar tristonho e perdido, o homem logo se lembrou da luta constante da sua pequena de chegar ao peso ideal para agradar a mãe, sempre se sentiu tão deslocada com relação a essa vida de alta sociedade e padrões, o homem respirou fundo e foi até a sua bolinha com o coração apertado. Ele não queria se afastar da sua menina, não mesmo. Contudo, sabia que o internato com programa de vida saudável iria fazer bem a sua menina, não queria que ela se sentisse deslocada e sofresse bullying pelo resto da vida, queria que ela fosse como os irmãos.

— Querida — o pai de Amy disse ao parar o balanço. — Não queríamos magoá-la, mas precisamos garantir que seu dia seja especial, sua mãe quer que seja tudo tão perfeito quanto o de Amanda." o homem tenta explicar à filha.

Um sorriso tristonho surgiu no rosto de Amélia, ela sabia que aquelas palavras não eram verdadeiras. Essa história de internato era porque sua mãe sentia vergonha dela. Anastácia só faltava cavar um buraco e se enterrar sempre que encontravam um conhecido quando saíam e essas pessoas indelicadas observavam o quanto Amélia engordou desde a última vez que a viram, nem mesmo ao clube voltou a ir com a filha por vergonha.

— É impossível! Minha festa jamais será melhor que da mana, mas o que me dói é ter que ficar longe dos meus irmãos por um ano, eu acabei de completar 14 anos, papai. — A Garota protesta chorosa. — Odeio saber que nunca serei boa o suficiente para vocês. — Amy se entrega ao choro com aquela constatação e o pai a abraça...

***

Um mês se passou desde que Amélia foi para o colégio interno, um mês de pura tortura e fome, o lugar era um verdadeiro quartel general da ditadura da magreza e Amy já não aguentava mais, algumas das internas chegavam a desmaiar de fome. Ela podia ser sem graça, redonda e ter cabelo diferente, podia não ser tão linda quanto seus irmãos nem tão graciosa, contudo, nada justificava a barbárie de afastá-la da família por isso, Amy não podia perdoar isso nem conviver com isso, tudo que Amélia não queria era continuar naquele inferno onde suas internas eram tratadas a pão e água, tudo para que alcançasse o padrão de beleza perfeito. Ela só queria ser ela mesma.

Uma escola com programa de vida saudável era uma ova, ainda tinha a marca no seu quadril por ter quebrado uma das regras. Ela ligou para a sua mãe e disse o que aconteceu, mas dona Anastácia simplesmente a mandou parar de contar mentiras pois estava muito ocupada com os preparativos para o casamento de Amanda. Aquilo a quebrou de uma forma que duvidava que um dia fosse conseguir se consertar. Sentia falta dos seus irmãos, do pai e principalmente dos seus avós que eram bons e gentis, como sentia falta dos seus avós, eles, assim como os irmãos a amam do jeitinho que é.

Amy suportou aquele lugar por um ano e na semana do seu aniversário de 15 anos, após presenciar algo banal, decidiu punir seus pais pelo fato de terem a abandonado naquele inferno. Eles não a exibiriam como um maldito troféu depois de abandoná-la por 12 meses naquele maldito lugar.

Amélia fugiu às vésperas da festa do seu aniversário, do dia mais importante de sua vida para toda a sua família, decidiu ficar por conta própria e ser a pessoa que queria ser e ninguém mais lhe diria como viver a sua vida e controlar o seu corpo…

Às vésperas de Amélia completar 15 anos, Amanda descobriu estar grávida de Dimitri e isso causou-lhe uma dor terrível, uma dor quase difícil de suportar, eles estavam casados a seis meses e já era a pessoa mais infeliz da face da terra. Tudo o que passou nos últimos meses só se tornou suportável porque seus pais prometeram não mandar sua irmã de volta para o internato depois da festa. Se sentia uma tola depois de descobrir que mandar a irmã embora foi uma forma de manipulá-la, pois seus pais sabiam quanto Amélia era importante para ela e Augusto.

Um casamento armado pelas suas costas, ela havia caído na ilusão de que ele a amava, porém… ele só queria a força que o seu sobrenome tem na alta sociedade belenense.

Seu marido podia ser rico, no entanto a forma como construiu sua fortuna era de caráter duvidoso, ele precisava ser associado a um nome de peso e como a família Granger estava em completa ruína, decidiu propor a União das duas famílias. Assim, Dimitri ganharia a confiança da alta sociedade elevando o nome Klines a nomes de peso do comércio, indústria, agroindústria e muito além e em troca Dimitri salvaria a empresa de cosméticos da família Granger que estava falida. Ela tinha completa consciência da falência dos pais, mas não fazia ideia de que antes de conhecer o marido, já havia sido vendida para ele como uma mercadoria m*****a.

Amanda jamais teria concordado em ser casar se soubesse dos termos, mas os pais fizeram algo deplorável que a deixou de mãos atadas, não lhe dando outra escolha senão casar com o homem que a usou e manipulou, afastaram seus irmãos, Amélia e Augusto, usou o aniversário de 15 anos da irmã que tanto a caçula sonhara e os estudos do irmão, que estava fazendo intercâmbio na Holanda, a festa, a educação deles, o sustento da família, tudo estava sendo financiado pelo marido, ele só tinha que seduzi-la e se casar com Amanda sem que ela soubesse disso, mas minutos antes do casamento do casamento, a ficha caiu.

Agora estava grávida e sozinha, não podia contar com seus pais para nada, seus irmãos estavam afastados e o pior, nem sabiam o que se passava com ela, seus pais cuidaram para que eles não tivessem nenhum tipo de contato antes do grande dia da irmã...

A notícia da fuga de Amélia do internato chegou dois dias depois causando um alvoroço na mansão Granger, Amanda é claro entrou em desespero ao descobrir o sumiço da irmã, ela era apenas uma criança que estava perdida, sozinha, sem dinheiro, documentos e nada.

Tudo culpa dos pais, eles sabiam que Amy era uma criança sensível, que precisava dos irmãos para defendê-la, que precisava dela para orientá-la. A festa foi cancelada por tempo indeterminado e as buscas duraram por dias, semanas e meses e só pararam quando uma tragédia maior se abateu nas famílias Granger e Klines, um acidente de carro que tirou a vida de Amanda…

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