Damian On
O despertador toca, e eu o ignoro. Por exatamente três minutos. O som irritante continua, insistente, até que minha mão o acerta com força. A luz fraca da manhã atravessa a cortina do meu quarto, iluminando o caos de roupas jogadas, equipamentos de hóquei e livros que eu jurei que ia organizar. Outra manhã. Outra rotina. O mesmo ciclo de sempre. Me espreguiço, sentindo a rigidez dos músculos. O treino do dia anterior ainda pesa no corpo, mas nada que um banho frio e cafeína não resolvam. Me arrasto até o banheiro, jogando água no rosto antes de encarar meu reflexo no espelho. Olhos verdes cansados, cabelo bagunçado, um corte no lábio da última disputa mais agressiva no gelo. Isso é hóquei. Isso sou eu. Visto uma camiseta preta, jeans rasgado e minha jaqueta de couro surrada. As chaves da minha moto estão onde sempre deixo – no capacete, pendurado na maçaneta da porta. Pego e saio do quarto, descendo as escadas até a garagem do prédio. Minha moto , Dama da noite espera por mim. Sim, dei um nome para ela. Nada se compara à sensação de pilotá-la. O motor ronrona quando a ligo, e o vento frio da manhã me acerta assim que acelero. A universidade não fica longe, e em poucos minutos, estou lá, estacionando entre os carros como se aquele espaço fosse meu por direito. O frio do gelo sempre me acorda de verdade. Os patins cortam a superfície lisa, deixando rastros enquanto me aqueço com os outros caras do time. O som do disco de hóquei batendo contra os tacos ecoa no rinque vazio. As lâmpadas fluorescentes iluminam a neblina leve que se forma com o choque do frio e do calor dos nossos corpos em movimento. O treinador assobia. — Vamos começar com intensidade! Quero velocidade e precisão! A primeira meia hora é corrida e passes. Patinamos de um lado para o outro do rinque, aumentando a velocidade a cada volta. Meu coração martela dentro do peito, os músculos queimam, mas eu me forço a ir além. — Não diminuam o ritmo, caralho! O técnico grita, e eu obedeço sem questionar. Ele não precisa me dizer duas vezes. Agora é treino de ataque. Estamos divididos em duplas: um atacante e um defensor. Hoje, estou contra Matt, um dos novatos. Ele é rápido, ágil, mas ainda não aprendeu a ler os movimentos do adversário. — Porra, Matt, isso aqui é jogo de hóquei e não balé, caralho. Sua irmã de cinco anos j**a melhor que você. Péssimo para ele. Ele tenta me bloquear quando avanço com o disco. Mas eu vejo a brecha antes mesmo dele perceber que está cometendo um erro. Faço uma finta para a direita, meu corpo inclina, os patins raspam no gelo. No último segundo, desvio para a esquerda e disparo o disco com força. Gol. O técnico não diz nada, apenas assente. Sei que ele espera isso de mim. A pressão está sempre ali, como uma sombra. No rinque, não posso errar. Se eu falho, sou só mais um jogador comum. E jogadores comuns não viram lendas. A parte final do treino é contato físico. Choques contra a parede, disputas pelo disco, empurrões. O calor sobe, a agressividade aumenta. E eu gosto disso. Adrenalina. Competição. O impacto dos corpos contra o gelo. Quando o apito final soa, estou exausto, o uniforme encharcado de suor. Respiro fundo, olhando para os rastros de patins no gelo. Por um instante, tudo desaparece. Não há torcida, não há expectativas. Apenas eu e o gelo. Mas a realidade sempre volta rápido demais. — Bom treino, Hayes. Mas poderia ter sido melhor. Meu técnico me encara com aquele olhar avaliador. Ele nunca diz que foi suficiente. Nunca. Solto um riso curto, sem humor. — Eu sei. Porque, no fundo, eu também penso a mesma coisa. ⛸️🏒📖❄️ Luna A manhã chega devagar, deslizando pelas frestas da cortina como um segredo que insiste em ser descoberto. Abro os olhos, mas não me movo de imediato. O mundo lá fora pode esperar um pouco mais. Aqui, na segurança das cobertas, o tempo parece suspenso – um intervalo entre o sono e a realidade. O despertador já tocou, mas eu o ignorei. Como sempre. Respiro fundo, o cheiro adocicado do meu creme de lavanda ainda impregnado no travesseiro. Meus músculos estão pesados, minha mente ainda perdida no resquício dos sonhos da noite passada. Mas a vida exige movimento. Me espreguiço lentamente, sentindo os primeiros traços de consciência se instalarem em mim. O quarto ao redor é uma extensão da minha mente: prateleiras abarrotadas de livros, folhas rabiscadas sobre a escrivaninha, um copo esquecido com o resto de café da noite anterior. O caos organizado de alguém que prefere histórias a interações sociais. Me levanto e sigo para o banheiro. A água fria me desperta, mas não afasta completamente o cansaço que carrego. Me encaro no espelho – cabelo volumoso em uma bagunça descontrolada, olhos ainda sonolentos, olheiras discretas que denunciam mais uma madrugada de leitura. Visto uma calça jeans confortável, uma camiseta oversized e um suéter felpudo. A roupa perfeita para se misturar na multidão sem chamar atenção. A bolsa já está pronta. Os livros, pesados como sempre. O café, requentado, amarga na boca, mas eu tomo mesmo assim. ⛸️🏒📖❄️ O campus já está movimentado quando chego. Alunos andando apressados entre os prédios, alguns rindo, outros imersos em seus celulares ou em conversas animadas. Uma energia vibrante que me envolve, mas da qual sempre me mantenho à margem. Eu sou invisível. E eu gosto assim. Não que eu não tenha amigos. Pelo contrário. De alguma forma, consegui me conectar com pessoas o suficiente para nunca estar realmente sozinha – baristas da cafeteria, bibliotecárias, colegas de turma que sempre me pedem ajuda com trabalhos. Mas ninguém me nota de verdade. E eu prefiro assim. Enquanto atravesso o pátio, vejo grupos bem definidos. Os nerds debatendo teorias de filmes, o pessoal das artes discutindo o último projeto da galeria, os atletas dominando a entrada do ginásio. E então, há ele. O rugido do motor preenche o estacionamento, um som grave e intimidador que faz algumas pessoas se virarem automaticamente. Damian Hayes chega como sempre – montado em sua moto preta, jaqueta de couro, sorriso de quem não se importa com nada. E ele não chega sozinho. Assim que desce da moto, é recebido pelo grupinho de sempre – jogadores do time de hóquei e líderes de torcida. Gente barulhenta, gente que vive para ser notada. Ele os cumprimenta com batidas nos ombros, um sorriso torto, a presença naturalmente dominante. Não que eu esteja olhando. Ou talvez esteja. Só por curiosidade. — Um dia desses, você vai acabar hipnotizada demais e tropeçar — Zoe, minha amiga da aula de escrita criativa, comenta ao meu lado, um sorriso travesso nos lábios. — Não faço ideia do que você está falando. — Finjo desinteresse, ajustando a alça da bolsa no ombro. — Aham, claro. — Ela ri, balançando a cabeça. — Você não é tão invisível quanto acha, sabia? Reviro os olhos, mas deixo a provocação passar. Damian Hayes não tem ideia de que eu existo. E é melhor que continue assim. Mas alguma coisa me diz que isso está prestes a mudar.LunaO barulho dos meus próprios passos ecoa no corredor da biblioteca, abafado pelo tapete grosso que cobre o chão. O lugar está quase vazio, do jeito que eu gosto. Algumas poucas mesas ocupadas por alunos imersos nos estudos, pilhas de livros espalhadas e o farfalhar discreto de páginas virando. O cheiro de papel antigo e café requentado me envolve, uma mistura reconfortante que me acompanha desde o primeiro dia de faculdade.Minha mesa habitual fica no canto, perto da estante de literatura clássica. Um refúgio silencioso. Deixo a bolsa cair sobre a cadeira e solto um suspiro. Meus ombros relaxam, minha mente encontra um fio de tranquilidade. A biblioteca é o único lugar onde o mundo lá fora não exige nada de mim.Sento, tiro um livro da bolsa e o abro no meio, onde marquei com um post-it rosa. Mas antes que eu possa me perder na história, uma sombra se move na minha visão periférica.— Luna Navarro.Minha cabeça se ergue antes mesmo de processar a voz. Zoe.Ela se joga na cadeira à
LunaO som abafado das conversas preenche a sala, criando um zumbido constante de vozes misturadas. Meu caderno está aberto sobre a mesa, mas minha mente está longe da matéria.O professor anda de um lado para o outro, os óculos escorregando pelo nariz enquanto ajeita alguns papéis. Sei o que está por vir – ele mencionou um trabalho importante na última aula, e agora é questão de tempo até que ele nos jogue em alguma atividade em dupla.E eu já sei exatamente com quem quero fazer.Zoe está sentada ao meu lado, tamborilando os dedos na mesa com impaciência. Ela lança um olhar sugestivo para mim, e eu reviro os olhos antes mesmo dela dizer qualquer coisa.— Só para garantir, caso role duplas, você vai comigo, né? — sussurra ela.— Óbvio — respondo, distraída.O professor pigarreia, chamando a atenção da turma.— Como mencionei na última aula, o trabalho que vocês farão valerá uma boa parte da nota do semestre. E, para garantir que tenham uma visão mais ampla sobre o tema… — Ele pausa, c
Luna Eu preciso de paciência. Muita paciência. Porque, honestamente, Damian Hayes é insuportável. Depois de quase trinta minutos tentando estruturar nosso trabalho, a única coisa que consegui foi um leve começo de dor de cabeça. Ele se recosta na cadeira como se não tivesse um pingo de preocupação no mundo, enquanto eu rabisco tópicos no meu caderno, tentando não surtar. - Você pode, por favor, focar nisso por cinco minutos? - peço, exasperada. Damian ergue a cabeça e pisca lentamente, como se tivesse acabado de ser acordado de um cochilo. - Eu estou focado. - Não, você não está. Você só tá sentado aí, olhando para mim como se isso fosse um reality show. Ele ri. - Você percebeu? Jogo a caneta sobre a mesa. - Claro que percebi! Dá para parar? - Eu só estou tentando entender você, estressadinha. Fecho os olhos e respiro fundo. - Primeiro: para de me chamar assim. Segundo: não tem nada para entender. Vamos só dividir as tarefas e fazer isso direito, ok? Ele me observa por
LunaA biblioteca está mais silenciosa do que o normal. Talvez porque seja sexta-feira e a maioria dos alunos tenha encontrado lugares melhores para estar do que enfiados entre estantes de livros acadêmicos.Eu, no entanto, não me importo. Esse sempre foi meu refúgio. O lugar onde posso existir sem que ninguém repare em mim.Ou, pelo menos, era.Porque agora, sentada em uma mesa no canto, estou esperando por ele.E, para piorar, me sinto nervosa.Isso é ridículo.Respire fundo, Luna. É só um trabalho.Estou no meio desse mantra interno quando Damian entra na biblioteca.E, claro, ele faz isso como se estivesse invadindo um território desconhecido.Ele passa os olhos pelo lugar, o cenho levemente franzido, como se não soubesse bem o que fazer ali. Seu cabelo está mais bagunçado que o normal, e ele usa um moletom escuro com a logo do time estampada no peito. Mesmo em um ambiente como esse, sua presença é impossível de ignorar.Quando finalmente me vê, ele sorri daquele jeito convencido.
DamianO frio do gelo é uma sensação que sempre me trouxe conforto. O som das lâminas cortando a superfície, o baque seco do puck contra o stick, a vibração dos gritos dos meus companheiros de time—tudo isso faz parte do que eu sou.Aqui, eu não preciso pensar. Não preciso questionar nada.No gelo, sou apenas eu e o jogo.— Bora, Hayes! Para de viajar! — Ryan grita, deslizando ao meu lado antes de roubar o puck da minha frente.Reajo no mesmo segundo, girando o corpo e esticando o stick para tentar recuperar o disco, mas ele já disparou para o outro lado da quadra.Merda.Meus músculos estão no automático, minha mente sabe exatamente o que fazer. Mas algo está diferente.Minha concentração não está onde deveria estar.E eu sei exatamente o motivo.Luna Navarro.Não faz sentido.Ela é só uma garota. Só uma nerd obcecada por organização e argumentos bem estruturados. Só uma pessoa que nem fazia parte do meu mundo até dois dias atrás.Então por que diabos eu passei a noite inteira pensan
Luna — Você não acha que está exagerando um pouco? A voz de Zoe corta minha concentração, me fazendo levantar os olhos da tela do laptop. Estamos sentadas na cafeteria do campus, no nosso canto habitual, e minha melhor amiga me observa com uma expressão meio divertida, meio curiosa. — Exagerando com o quê? — pergunto, franzindo a testa. — Com essa sua obsessão em planejar cada detalhe do trabalho com o loirão tatuado. Reviro os olhos. — Não é obsessão, Zoe. É organização. Ela se inclina para frente, apoiando os cotovelos na mesa. — Tá bom. Então me explica por que você está anotando até as pausas que vão fazer no trabalho. — Porque eu gosto de ter controle das coisas. — Ou porque você está tentando desesperadamente fingir que esse projeto não vai ser uma grande distração. Eu paro. — Como assim? Ela sorri, apontando para mim com a colher do cappuccino. — Luna, amiga, eu te conheço. Sei que você não gosta de surpresas, nem de mudanças na sua rotina. E sei que você tá se co
Damian A zoeira não para nem quando saímos da cafeteria. — Cara, Ken foi pesado — Nate ri, batendo no meu ombro enquanto caminhamos até o carro. — Foi o melhor apelido que ela podia ter te dado — Owen acrescenta, segurando o riso. — Um loiro, cheio de músculos, metido a galã… mano, tu é o Ken. Reviro os olhos, ignorando as risadas dos idiotas ao meu redor. — Isso não vai pegar. — Sei… — Nate debocha. — Como se a gente já não estivesse planejando mudar seu contato no grupo para “Ken Hayes”. Eles caem na gargalhada de novo, e eu só balanço a cabeça. Maldita Luna Navarro. Ela sabia o que estava fazendo quando me chamou daquele jeito. E eu odeio admitir, mas… a nerd metódica sabe provocar. ⛸️🏒📖❄️ O treino começa alguns minutos depois, e eu me forço a focar no que realmente importa: o jogo. O barulho dos patins deslizando no gelo, os gritos do treinador e o impacto do puck contra os tacos ocupam minha mente, deixando pouco espaço para qualquer outra coisa. No gelo, eu não so
Luna on O frio da manhã me faz puxar o casaco ais para perto do corpo enquanto caminho pelo campus. O inverno ainda não chegou com tudo, mas a brisa gelada já avisa que não está longe. Meus dedos estão frios ao redor do copo de café que comprei antes da aula, e eu me pergunto por que diabos ainda não comprei uma luva decente. Ao meu lado, Zoe mastiga distraidamente um pedaço de bolo, a expressão sonolenta. — Você viu o cronograma de provas? — pergunto, tomando um gole do café. — Vi — ela resmunga. — E também vi minha vontade de viver indo embora junto com ele. Solto uma risada baixa, mas não posso discordar. O semestre está apertado, e minha rotina está cada vez mais cheia. Além das provas, tem o trabalho na cafeteria e, claro, o projeto com ele. Damian Hayes. O nome dele surge na minha mente antes que eu possa evitar. Faz dois dias desde que nos encontramos na biblioteca, e eu ainda não decidi se foi uma experiência ruim ou só… estranha. Ele não era o cara arrogante e insu