CAPÍTULO 02 Desirée

Um ano antes...

— Pai? — franzi a testa, agoniada, ao ver meu pai caído no sofá, bêbado novamente. Ultimamente, tem sido mais frequente vê-lo assim, e isso me cansa tanto físicamente quanto psicologicamente.

Eu só queria viver um dia tranquilo, apenas um, mas parece que isso é impossível.

Eu só tenho ele... e minha amiga Marcela. Na verdade, eu só tenho Marcela, porque meu pai se perdeu nos jogos e nas bebidas. Por mais que eu tente, não consigo salvá-lo.

— Ele está fedendo. — Marcela sussurra atrás de mim enquanto nos aproximamos dele. Coloco a mão em sua testa para ver se não está com febre, mas, honestamente, eu não sei o que fazer. — Ele parece morto.

Lanço um olhar de reprovação para minha querida amiga.

— Não diga besteira. — Suspiro, empurrando-a suavemente em direção à cozinha.

O apartamento é pequeno, não tenho luxo, mas ao menos é confortável. A cozinha e a sala são conjugadas, há dois quartos e um banheiro simples. Para mim, é perfeito. Abro a geladeira e pego uma garrafa de água, sirvo-me e, enquanto bebo, volto a olhar para meu pai jogado no sofá.

— Até quando ele vai continuar vivendo assim?

— Amiga... — Marcela se senta à mesa. — Ele já fez a escolha dele, Desirée. Ele não vai mudar. Deixe seu pai e comece a focar em você.

Ela tem razão. Mas ele é minha única família. Quem, em plena consciência, abandonaria sua única família?

— Eu estou tentando. — Sento-me à mesa e encaro o nada, perdida em pensamentos.

— Você é tão linda... Por que não tenta uma vaga em uma agência de modelos? — Marcela insiste, com aquele tom provocador.

— Já falei que não quero ser o centro das atenções. — respondo, com um toque de irritação na voz. — Vou seguir o que eu gosto, contabilidade.

— Eca, que desperdício de beleza. — Ela revira os olhos, claramente frustrada. — Você devia usar o que tem a seu favor.

Suspiro e me viro para ela, cansada dessa conversa.

— Fica nessa fé cega que eu fico com meus olhos abertos. — retruco firme, deixando claro que estou decidida.

— Eu odeio os seus bordões. — Resmunga, revirando os olhos.

— Amiga, eu não vou me matar para virar modelo só porque você quer. — solto uma risada. — Seria como tentar estourar pipoca numa panela fria.

— Tá bom, tá bom, mudando de assunto. — Marcela se aproxima, puxando a cadeira para perto de mim. — E o filho gostoso do seu chefe?

Agora sou eu quem revira os olhos.

— Aquele babaca? Está na cara que ele só quer um lugar para enfiar o pau.

Marcela solta uma gargalhada, mas mantenho meu tom sério.

— Saulo é insuportável. Bonito, não vou negar... bonito demais, do tipo que faz qualquer uma parar e olhar. Mas quando abre a boca... só sai besteira.

Ela sorri, como quem já sabia a resposta, enquanto continuo.

— Ele não tem uma conversa decente, é vazio, sabe? Quero distância.

— Eu sei, você gosta dos certinhos. — Marcela provoca.

— Não é que eu goste dos certinhos, é que certos tipos de atitudes eu não quero para o meu futuro. — Me levanto e guardo a garrafa. — Imagina eu no futuro casada com um homem desses.

— Amiga, quem falou em casar?

— Eu não quero algo passageiro. — Lavo minhas mãos e me viro, olhando para o meu pai. — Já vivi sozinha por muito tempo, quero ter o que eu nunca tive.

— Amor é uma merda, Desirée. Olha o que ele fez com o seu pai.

Ela tinha razão. Meu pai amou tanto a minha mãe, e esse amor o destruiu. Mas no fundo, sei que ele só amou a pessoa errada. Eu a odeio por isso.

— Meu pai só fez a escolha errada.

— A gente nunca sabe quando está fazendo a escolha certa.

Verdade, a gente nunca sabe. O futuro é como uma caixa misteriosa.

Me sento ao lado dela e por um momento, ficamos em silêncio, cada uma presa em seus próprios pensamentos. A verdade é que eu também não sei se estou no caminho certo. A vida parece uma sequência de escolhas às cegas, e a cada decisão, fica mais difícil saber o que é certo ou errado.

— E você? — Pergunto, quebrando o silêncio. — O que espera para o seu futuro?

Marcela dá de ombros, com aquele sorriso de quem não se leva muito a sério.

— Sei lá. Acho que espero que alguém rico me descubra e me leve para uma vida de luxo e glamour. — Ela ri, mas o olhar revela que, no fundo, também carrega suas inseguranças.

— Você e essa sua fantasia de filme... — Balanço a cabeça, rindo.

— Não é fantasia, é estratégia! — Ela rebate, piscando. — Minha melhor amiga não quer ser uma modelo famosa, terei que me virar.

Nosso riso preenche o pequeno apartamento por alguns instantes, e por mais que a vida seja incerta, naquele momento, a presença de Marcela me dá a sensação de que não estou tão sozinha.

— Eu só espero que as coisas mudem. — Digo, voltando o olhar para o meu pai, ainda adormecido no sofá. — Eu não aguento mais viver nessa repetição.

Marcela me olha, seu rosto sério pela primeira vez.

— As coisas vão mudar, Desirée. Mas você precisa decidir o que quer de verdade.

— Eu não sei, amiga, eu realmente não sei. — Suspiro, sentindo o peso das minhas próprias palavras.

Marcela me observa por alguns segundos, como se tentasse decifrar algo que eu mesma não consigo entender.

— Tudo bem não saber. — Ela diz suavemente. — Mas uma hora, você vai ter que decidir o que quer pra sua vida. Ninguém pode fazer isso por você.

Fico em silêncio, absorvendo suas palavras. Talvez eu esteja esperando que algo mude por si só, que um caminho claro apareça de repente diante de mim. Mas a verdade é que o tempo está passando, e se eu não fizer nada, as coisas vão continuar exatamente como estão.

— E se eu fizer a escolha errada? — Minha voz sai quase como um sussurro, mal ouso admitir esse medo em voz alta.

Marcela dá um meio sorriso, aquele de quem já conhece bem essa dúvida.

— A gente sempre vai ter medo, Desirée. Mas errar faz parte. O importante é não ficar parada, entende? Vai com medo mesmo.

Eu queria ter essa coragem que ela parece ter, mas a verdade é que estou exausta. Tantas escolhas erradas ao meu redor, e a última coisa que quero é seguir o mesmo caminho.

— Você vai descobrir. — Ela diz, levantando-se. — E quando descobrir, vai ver que a vida pode ser muito mais do que isso aqui. Só não desiste, tá?

Assinto, deixando uma lágrima escorrer silenciosamente pelo meu rosto. Sempre fui forte e determinada, sempre fui aquela que mantinha tudo no lugar, mas agora... agora estou cansada.

Cansada de tentar consertar tudo, de carregar o peso das escolhas erradas do meu pai e da minha própria vida que parece se arrastar num ciclo sem fim. Não é fraqueza, eu sei disso. Todo mundo tem um limite, e acho que finalmente cheguei no meu.

Marcela me abraça, e permanecemos assim, envoltas em um silêncio reconfortante. Aos poucos, sinto meu coração se acalmar, a pressão no peito aliviando. É incrível como a presença dela, mesmo sem palavras, traz um pouco de paz ao caos que estou enfrentando.

Depois de um tempo, solto um suspiro profundo, respirando lentamente para recuperar a força que preciso para seguir em frente.

— Obrigada, amiga. — minha voz ainda soa embargada. — Eu realmente precisava disso.

— Sempre que precisar, estarei aqui. — ela responde, me soltando um pouco e me olhando nos olhos. — Não se esqueça de que você não está sozinha nessa.

Sorrio para ela, sentindo uma onda de gratidão. Volto a olhar para meu pai, sabendo que, mesmo em meio à dor e confusão, preciso encontrar um caminho que me leve para longe desse ciclo vicioso.

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