CAPÍTULO 03 Desirée

O restaurante do senhor Aroldo está com um movimento bom hoje, o que, de certa forma, me alegra, porque isso pode me render uma grana extra.

Depois de muito conversar com minha amiga, decidi internar meu pai em uma clínica de reabilitação e entrar na faculdade. A bolsa já ganhei; agora é só seguir com os meus sonhos. Mas, para isso, terei que trabalhar dobrado.

— Desirée, mesa seis. — Respiro fundo, sabendo o que isso significa.

Faz cerca de duas semanas que o mesmo rapaz vem aqui todos os dias. Ele se senta na mesma mesa e, por mais que as outras meninas tentem atendê-lo, ele só aceita ser atendido por mim. O pior é que, quando estou de folga, ele não vem. Isso, de certa forma, me deixou com o pé atrás. Aprendi a não confiar em ninguém, mas, dentro do estabelecimento, tenho que manter as aparências.

Pego o cardápio e uma caneta, e sigo para sua mesa. Encaro seus olhos verdes, em um tom quase como o meu; ele parece gentil e amigável, mas o seguro morreu de velho. Não confio.

— Boa tarde, senhor... — tento relembrar seu nome; meu erro foi não prestar muita atenção nele, mas a partir de hoje ficarei atenta.

— Otávio. Vou querer o de sempre, Desirée. — Ele fala meu nome como se me conhecesse há anos. Mantenho meu sorriso.

Ele é bonito. Muito bonito. Posso afirmar que é mais bonito que o filho idiota do meu chefe, mas tem algo nele que grita perigo.

— Alguns minutinhos e já volto. — Saio e entro na cozinha, cercada pelas garotas que trabalham comigo, Cintia, Soraia e Juliana.

— Aí... você tem sorte. — cochicha Soraia.

— Dispenso essa sorte.

— Mulher, larga de ser boba. Primeiro, Saulo; agora, esse boy fantástico. — Resmunga Cintia.

— Eu te passo os dois. Eles só gritam problemas, e problemas eu já tenho de sobra.

— Eu posso levar o pedido dele? — Questiona Juliana.

— Faça como quiser.

Saio de perto delas e vou atender outra mesa, nem olho na direção de Otávio. Não quero que ele pense que quero algo com ele.

Sou obrigada a voltar à mesa com o pedido e entregar a comida. No entanto, percebo que ele me observa com um interesse que vai além de um simples cliente. É desconcertante e me deixa ainda mais alerta.

— Desirée, há quanto tempo você trabalha aqui? — ele pergunta de repente, quebrando o silêncio.

— Cerca de seis meses — fico surpresa pelo seu questionamento.

Ele sorri, e esse sorriso me deixa em transe, perdendo o foco.

— Nunca pensou na possibilidade de estar trabalhando em algo melhor? — Olha ao nosso redor avaliando o estabelecimento.

— Às vezes.

— Posso ajudá-la a sair daqui — ele comenta com tanta naturalidade que fico sem saber se há um duplo sentido em suas palavras.

O que ele realmente quer?

— Agradeço, mas estou perfeitamente bem — respondo, rapidamente, colocando uma barreira entre nós.

Ele apenas mantém o olhar firme em mim, o sorriso sutil ainda presente, como se me desafiasse a reavaliar minha resposta. Eu me mantenho firme, mas a sensação de que há mais por trás de suas palavras permanece, perturbando meus pensamentos.

— Com licença.

Volto para a cozinha, com o coração disparado e a mente confusa. Preciso me manter firme e focada nos meus objetivos, sem me deixar distrair por ninguém, especialmente alguém que pode representar um risco.

(๑๑⁠˙⁠❥⁠˙⁠๑๑⁠˙⁠❥⁠˙⁠๑๑⁠˙⁠❥⁠˙⁠๑๑⁠˙⁠❥⁠˙⁠๑๑˙⁠❥⁠˙⁠๑๑⁠)✍️

Dois dias depois...

— Amiga, eu sinto muito. — Marcela diz assim que chega à porta do meu apartamento. Ela está sentada no chão, envolta em uma blusa de frio. Tem chovido muito esses dias aqui em Nova York.

— Do que você está falando? — fecho a cara ao perceber que ela andou chorando e me aproximo, preocupada.

— Eu deveria ter ido ao seu serviço, mas não queria te dar a notícia assim.

Meu coração dispara, e a única coisa que vem à minha cabeça é meu pai. Desde ontem, ele não aparece em casa. Já sinto o choro se acumulando, um peso inundando meu coração, e o ar começa a faltar enquanto encaro os olhos vermelhos da minha amiga.

— Me diga que ele está bem.

Ela nega com a cabeça, e eu caio sentada no chão, sentindo o resto do meu mundo desabar.

— Um policial veio aqui hoje, e eu saí para ver por que estavam batendo tanto na sua porta. Eu e minha mãe fomos reconhecer o corpo. Seu pai... — Ela chora, e eu gostaria de ficar surda neste momento, não querendo ouvir o que ela tem a falar.

Ele se foi. Ele se foi assim. Sem ter chance para recomeçar. Eu não fiz o suficiente por ele; eu não fui forte o suficiente por nós dois. A dor é tão intensa que parece me consumir inteira.

— Não... — sussurro, a voz tremendo. — Não pode ser verdade.

A realidade começa a se instalar como um veneno em minhas veias. As lágrimas escorrem pelo meu rosto, e eu me encolho, tentando entender o que acabou de acontecer. Meu pai, que sempre foi minha única família, agora não está mais aqui. O peso da culpa me atinge com força.

— Eu queria que isso não estivesse acontecendo. — murmuro, minha voz quase inaudível.

Marcela se aproxima e me envolve em um abraço apertado, como se tentasse me proteger da dor que eu já sei que não pode ser evitada. O calor do corpo dela contrasta com a frieza da notícia, e eu me deixo levar por aquele momento, tentando encontrar um pouco de conforto no desespero.

— Você não está sozinha, Desirée. Eu estou aqui. — ela diz, sua voz embargada, mas firme.

Eu me agarro a ela, buscando alguma força que possa me ajudar a enfrentar essa realidade. O que eu vou fazer agora? A vida sem meu pai parece impensável. Ele era tudo que eu tinha, meu amor, e agora ele se foi, deixando um vazio imenso que eu não sei como preencher.

— Me fala que é mentira. Só me diz que é mentira.— murmuro, o peso das palavras pesando sobre mim.

— Eu estou aqui com você. Eu estou aqui para você.

E assim, envolvidas em um silêncio pesado e compartilhado, permanecemos no chão no corredor do meu apartamento, onde as paredes parecem testemunhar minha dor. O mundo lá fora continua girando, mas, para mim, tudo parou.

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