— Você está bem? — Marcela pergunta, levanto a cabeça e a vejo fechando a porta com as mãos cheias de sacolas.
Hoje faz uma semana que enterrei meu pai. Eu não consigo entrar no quarto dele, não consigo dormir à noite, simplesmente não consigo fazer mais nada. O vazio parece me engolir a cada dia que passa. E, para piorar a situação, minha genitora ligou dizendo que eu tenho que vender o apartamento e ir morar com ela. Ela ainda teve a audácia de afirmar que metade da venda é dela, já que na época em que esse apartamento foi comprado, ela estava com meu pai. Eu a odeio, e não é pouco. — Estou bem. — minto, forçando um sorriso. — Pergunta estúpida. — Marcela diz, colocando as sacolas em cima do balcão. — Resposta errada. Decidiu o que vai fazer em relação à sua mãe? — Ela não é minha mãe. Marcela suspira, como se tentasse encontrar uma saída para a situação. — Desirée, você precisa dar um jeito nisso. — Eu vou voltar a trabalhar hoje, amanhã vou me matricular na faculdade e, assim que receber, vou vender este apartamento, passar a parte dela e me livrar dela de uma vez por todas. — E você vai viver aonde? Vai pagar aluguel? O dinheiro que você ganha não dá para viver direito. Você bem poderia morar comigo e minha mãe. — Nem pensar. — Desirée? — Já disse que não. Já tenho tudo organizado. Eu dou conta, sempre dei. Não irei morrer agora. Marcela parece preocupada, e eu sinto um aperto no coração. É difícil para ela entender a profundidade do meu desespero. Não é só sobre o dinheiro ou a casa; é sobre o que meu pai significava para mim e como essa perda me deixou sem chão. — E se você não conseguir? — ela pergunta, a preocupação evidente em seu tom. — Eu vou conseguir. — afirmo, a determinação se fortalecendo na minha voz. — Preciso fazer isso. Preciso honrar a memória do meu pai, e a única maneira que vejo é seguindo em frente. Marcela me observa, mas não diz mais nada. Ela parece entender que não há nada que possa dizer para mudar minha mente. No fundo, sei que estou em um caminho solitário, mas é o único que sinto que posso seguir. — Certo. Então me avise se precisar de algo, está bem? — ela diz, suavizando a expressão. — Com certeza. — respondo, tentando transmitir um pouco de esperança. Enquanto ela começa a abrir as sacolas e preparar algo para comer, eu me perco em pensamentos sobre o futuro. Não sei o que vem a seguir, mas uma coisa é certa: não vou deixar que minha mãe ou qualquer outra pessoa controle meu destino. Vou lutar pelo que é meu e, mais importante, pelo que meu pai sempre desejou para mim. (๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑˙❥˙๑๑)✍️ — Desiree, mesa seis. — reviro os olhos e murmuro meu mantra: paciência, paciência. Caminho até a mesa seis, mas não encaro Otávio; olho para o chão, não estou interessada em receber flertes de ninguém hoje. — Seu pedido, por favor. — digo, tentando manter a voz neutra. Ele não diz nada enquanto continuo olhando para o bloco de anotações. O silêncio se estende e, após alguns instantes, resolvo ceder e olhar para ele. Otávio está diferente. Há algo estranho em sua expressão. — Você está bem? — pergunta, e a preocupação na voz dele me surpreende. Franzo a testa. — Por que a pergunta? — questiono, tentando esconder a vulnerabilidade. — Seus olhos estão inchados e vermelhos. — Ele cruza os braços, se encostando na cadeira. — Perdi uma pessoa muito importante para mim há pouco dias. Enfim, qual seria o seu pedido? — Tento desviar o foco dele de mim. Vejo seus olhos mudarem para algo que não consigo ler. É como se ele estivesse ponderando sobre o que eu disse. — O de sempre. — ele finalmente responde, mas sua voz carrega uma nota de preocupação que não costumava ver. Saio imediatamente, tentando afastar a sensação estranha que se formou no ar. Ele está diferente hoje ou sou eu que estou? Tento focar minha mente em outra coisa que não seja Otávio e a dor da perda do meu pai. Na cozinha, lavo pratos e tento me distrair com as conversas das outras funcionárias, mas a imagem de Otávio não sai da minha cabeça. O jeito como ele olhou para mim, a preocupação que soava em sua voz, tudo isso me faz questionar. O que ele realmente sabe sobre dor? Quando volto para a mesa, vejo que ele ainda me observa, mas não consigo manter o olhar. Sinto uma mistura de frustração e confusão, e me pergunto se devo abrir espaço para essa conexão. O que isso significaria para mim? — Aqui está seu pedido. — coloco o prato na mesa e antes que ele possa fazer mais perguntas me preparo para sair. — Obrigado. — responde, mas sua voz tem um tom que parece pesar, como se ele quisesse me confortar. — De nada. — murmuro, já me afastando. — Espere. — Ele diz, e paro na mesma hora. Otávio tira um cartão do bolso e me entrega. — Você disse que já pensou em sair daqui? Deseja trabalhar em algo melhor? — assinto, curiosa, enquanto ele estendo a mão com um cartão — Envie seu currículo para este e-mail. Talvez você consiga algo que realmente te ajude no futuro.Essas oportunidades nem sempre surgem, e eu vejo potencial em você. Pego o cartão com "GRAN HOTEL" escrito em letras elegantes, junto com a foto de alguns dos hotéis mais lindos de Nova York. Fico confusa; nunca imaginei que poderia trabalhar em um lugar assim. Viro o cartão e vejo o e-mail e o telefone, com algumas informações sobre o hotel. — Desculpe, mas eu nunca conseguiria trabalhar em um lugar como este. — digo, tentando devolver o cartão. Ele recusa. — Apenas faça o que digo. Otávio se concentra em seu prato, me deixando imóvel, olhando para ele. A maneira como ele se nega a me olhar é quase irritante, mas ao mesmo tempo, sinto uma curiosidade crescente. Por que ele se importa tanto? O que ele espera de mim? Acabo pegando o cartão novamente e saio, sem saber o que pensar. Não posso discutir com ele aqui dentro, mas o dia em que encontrá-lo lá fora será um assunto diferente. A ideia de trabalhar em um hotel tão renomado me assusta, mas também me intriga. Será que eu teria coragem de dar esse passo? Caminho até a cozinha, onde a atmosfera é mais leve, e tento deixar a conversa com Otávio para trás. Mas a imagem dele, o jeito como se importou, permanece em minha mente. O que exatamente ele vê em mim que eu mesma não consigo enxergar?— Mande o currículo agora mesmo.Marcela está totalmente eufórica. Faz três dias que estou pensando sobre a proposta de Otávio em enviar um currículo para o Gran Hotel, mas ainda não tomei minha decisão.Consegui entrar na faculdade, meu salário já está ajeitado para alugar um novo lugar e o apartamento colocarei à venda amanhã.— Eu entrei na faculdade agora, eles não vão me ligar.— Para de ser teimosa e ao menos tenta.— Tudo bem.Pego meu celular e entro no Google. Primeiro vou pesquisar sobre esse hotel.Imediatamente uma enxurrada de informações aparece e, para o meu desespero, a imagem de Otávio dizendo que ele é o vice-presidente aparece. Abro a boca incrédula; como eu não percebi isso antes?— Terra chamado Desirée.— Você queria saber quem é Otávio.— Queria não, amiga, eu ainda quero.— Aqui. — Viro o celular para ela, e a reação dela é a mesma.— Ele é o vice-presidente Otávio Gambino. Não. — Ela balança a cabeça freneticamente.Me levanto, largando o celular. Agora que eu
Eu tive que passar por três entrevistas, o que, de certa forma, me deixou extremamente agoniada. A primeira envolveu perguntas básicas; na segunda, fui submetida a um teste psicológico; e, na terceira, tive que fazer algumas provas. Agora, finalmente, estou na última etapa: a sala do CEO.Confesso que estar de frente com Alexander Gambino é um misto de nervosismo e admiração. Pesquisei sobre a vida e a empresa dele e descobri que ele não é apenas o CEO, mas uma figura lendária na empresa, conhecida por sua frieza estratégica e presença intensa. Ao me encarar, seus olhos parecem avaliar cada detalhe, como se ele pudesse ler o que estou pensando antes mesmo de eu abrir a boca.Eu tento manter a compostura enquanto ele revisa o meu currículo. O silêncio na sala é quase esmagador, e eu sei que este momento é decisivo. Toda a preparação, todas as etapas, e tudo se resume ao que ele verá em mim agora.— Desirée González. — Ele levanta a cabeça depois de anotar algumas coisas no meu currícul
Dias atuais...— Vai trabalhar até mais tarde outra vez? — Tiro minha atenção dos papéis que analisava para encarar Alexander. Ele fecha a porta e caminha sem pressa até a mesa de café, servindo-se de uma xícara antes de vir na minha direção.— As coisas finalmente começaram a se alinhar — respondo, tentando manter o tom neutro. — Quero aproveitar esse momento de calmaria para revisar as papeladas da investigação de Milena. Não posso deixar passar nada despercebido.Alexander se senta na poltrona à minha frente e dá um gole no café, os olhos fixos em mim, como se tentasse medir o peso que isso tudo estava me causando. — Queria ter a mesma esperança que você, mas nós dois sabemos que a Yakuza dificilmente deixaria alguém vivo após tanto tempo.Engulo seco, desviando o olhar por um instante. Eu sei disso, e torço contra esse pensamento todos os dias. Todos dizem que a esperança é a última que morre… a minha irá morrer comigo, se for preciso.— Não sei. — Me recosto na cadeira, estudando
Abro os olhos encarando o teto, com a mente ainda presa naquele sonho horrível. Odeio esses sonhos. Dou um suspiro pesado e me sento na cama, esperando que, quem sabe, meu cérebro faça o download da minha alma. Nada. Sinto a frustração se instalar, como sempre.Hoje completo 19 anos. Consigo reconhecer que cheguei até aqui bem melhor do que imaginava. Tenho um emprego decente, estudo em uma ótima faculdade e moro em um apartamento só meu, perto do trabalho. Nem precisei mexer no dinheiro da venda do apartamento do meu pai. Metade, claro, já que tive que dividir com minha “genitora”.Olho ao redor, meio zonza, tentando reunir coragem para sair da cama e encarar o dia. O quarto ainda está na penumbra, a luz da manhã entra devagar pela janela entreaberta, trazendo uma brisa fria que faz o quarto parecer mais aconchegante. Lá fora, o som do trânsito começa a subir, quase reconfortante. A vida não para, e eu também não.Levanto devagar, o chão frio sob meus pés me tira o sono de vez. Vou a
Organizar a agenda do senhor Alexander não é uma tarefa fácil, mas organizar a agenda de Otávio é ainda pior. Às vezes, acho que vou ter um mini infarto só de olhar para esses horários. Ele sempre tem algo inesperado ou algum compromisso que surge do nada, e eu, como uma de suas assistentes, sou a encarregada de colocar tudo em ordem. Por exemplo, o horário de almoço dele hoje foi de meia hora. Apenas trinta minutos. Isso não dá nem tempo de mastigar! Além disso, ele tem três reuniões com os gerentes das filiais, uma com o senhor Alexander às seis, e um jantar de negócios às sete. E, para completar, de manhã ele ligou pedindo que a Melissa enviasse alguns documentos por e-mail, já que estava "ocupado com outros assuntos". Assuntos esses que só Deus sabe o que são. Meu celular vibra, tirando-me dos pensamentos caóticos da manhã. Quando olho, é uma mensagem de Marcela. "Feliz aniversário, minha ruiva! Se prepare, porque hoje vai ter comemoração SIM, e sem desculpas!" Logo, dois ing
Fiquei observando o presente: uma sandália de salto fino em um tom vibrante de rosa. As tiras trançadas, decoradas com pequenos spikes, traziam um ar moderno e ousado, contornando meu pé de forma elegante. A amarração no tornozelo, com um laço delicado, completava o visual com um toque feminino e sofisticado.Eu amei cada detalhe. Mas me pego pensando... Como ele poderia saber? A paixão que tenho por sandálias é algo que apenas Marcela conhece. Não há nenhuma chance de Otávio estar ciente desse meu pequeno vício por saltos altos.Decido que é hora de expressar minha gratidão. Pego o celular e lhe envio uma mensagem:"Obrigada, seu presente foi perfeito."Acrescento um emoji de joinha, tentando transmitir um pouco da empolgação que sinto.Nunca mandei mensagem para meu segundo chefe fora da empresa; esta é a primeira vez. Um misto de nervosismo e expectativa invade meu estômago. Espero por alguns segundos, mas a mensagem não é respondida. Coloco o celular no canto e volto a observar a
Pegamos uma pequena fila porque decidimos chegar cedo. Depois de tudo certo, entramos como casal. Sim, eu e a minha amiga, já que a bonita não queria pagar mais caro, e em casal sairia mais barato.O lugar era incrível, um pouco parecido com uma boate, mas, olhando bem, só um pouco. As luzes eram suaves, criando uma atmosfera íntima e sedutora, enquanto a música pulsava, dando vida ao espaço.Fui até o fundo e me sentei em um canto, já que era a minha primeira vez neste lugar e queria observar tudo antes de fazer algo que poderia me arrepender. Era uma mistura de emoções: ansiedade, excitação e um toque de nervosismo. Enquanto olhava ao redor, percebi que os olhares de homens e mulheres se entrelaçavam, criando uma conexão quase elétrica no ar.Uma morena linda dançava no pole dance, fazendo movimentos graciosos que me fizeram franzi a testa. O que eu esperava ver eram homens, mas ali estava aquela mulher capturando a atenção de todos com sua performance. Ela se movia com tanta confi
Eu não queria estragar a noite de Desirée, mas também não permitiria que ela ficasse vendo um bando de dançarinos se despindo no palco. Por isso, mandei trocar o evento da noite, uma mudança discreta, mas eficiente.A casa de swing não é minha; ela pertence a Rodolfo, assim como outras duas boates na cidade. Mas isso ainda me dá certo privilégio para interferir quando necessário.Observo pelas câmeras de segurança o exato momento em que ela percebe a troca do show. Ela parece descontentamento ao ver as dançarinas entrarem no palco em vez dos dançarinos que esperava. O leve franzir de sua testa me arranca um sorriso. Ela não faz ideia de que eu estou por trás dessa mudança.Ela olha para o palco, parecendo desapontada, desvia o olhar e murmura algo para a amiga, que também parece surpresa e decepcionada. As duas trocam um olhar significativo e, por um momento, penso que vão sair. Mas, para minha surpresa, Desirée permanece ali, embora o desconforto esteja claro em sua expressão.Eu que