Quando abri os olhos e bati a mão no despertador do meu celular ultrapassado, pelo motivo que segundo mamãe é “Você é uma droga de filho, Luis!”, pensei que ainda devia estar dormindo. Sério, minha cama me envolvia com carícia, conforto, ternura… que merda de motivo me levaria a abandonar isso tudo pra encarar pessoas tão feias e sem graças enquanto ao mesmo tempo teria que escutar uma velha megera que sofre de falta de marido e desconta isso sem nem um pingo de delicadeza… em mim! Por que eu deixaria a Srta. Daisy para isso? Sim, eu batizei minha cama de Daisy.
É claro que ainda não é levado a sério nenhum adolescente de 17 anos que faz rebeliões e manifestações por não querer abandonar a Daisy, mas confie em mim, o mundo evolui cada dia mais.
Fiquei alguns minutos a mais do que devia sentindo a Daisy me tocar, desejando ser dela e ela minha para sempre. Amor eterno amor. Quebrei o feitiço estendendo a mão, acendendo a luz e me sentando na minha amada.
Depois desses momentos aflitivos, fiz a mesma coisa que eu fazia de segunda a sexta, e que muito provavelmente você também faz. Tomei um banho, escovei os dentes, vesti uma roupa qualquer, com velhos tênis Vans qualquer, me encarei no espelho, sem dar muito atenção por já estar acostumado a ver a coisa bizarra refletida nele.
Enfiei os dedos entre os fios, alisando, depois joguei uma mochila nas costas. Para se resumir, e resumir o que você também faz, eu fiz minha higiene matinal. Magnífico, não?
— Você está horrível — falou minha irmã, Clary, quando me viu.
Me joguei na mesa de café da manha.
— Você é horrível — rebati e dei um sorriso de canto. Mordi uma maçã, e depois enfiei uma colher de Nutella na boca, seguido de um suco de caju, dois pães e um Muffin.
— Você come igual um porco — alfinetou Clary.
— Você é uma porca — arrotei.
Ela franziu a testa, fez uma careta, arrebitou ainda mais o nariz, igual o meu. Clary tinha cabelos loiros tingidos num tom dourado, olhos castanhos e uma chatice que fazia eu me segurar pra não esfregar a cara dela num asfalto quente e honrar o velho ditado de “Homem que b**e em b**e em mulher é covarde”. Mas no momento, eu quem sempre havia levado umas da minha irmã. Será que existe essa de “Mulher que b**e em homem é covarde’? Não, né, temos que ver isso aí, se não eu acrescento Mulher b**endo em homem é covardia, junto com Dormir na Daisy infinitamente, na minha listinha de manifestos e rebeliões para um país melhor.
— Você é…
— Hoje não, Clary, deixe seu irmão em paz — interrompeu mamãe. — Luis Stanford Grey, você está atrasado para a escola.
Minha irmã sorriu, como sempre fazia, como que para me lembrar que ela já havia terminado seus estudo no Inferno Onde Luis Grey Ainda Frequenta.
— Tudo bem — atirei a colher cheia de Nutella no meu prato, contendo risinhos quando um pouco acertou a testa de Clary.
— Você não presta! — rosnou minha irmã.
Sorri com escárnio.
— Eu sei!
Minha mãe me encarou feio. Pense bem, quando sua mãe te olhar feio, nunca faça ela olhar horrível, não se sabe o quanto isso pode deixar as coisas piores.
— Seu pai acha que um colégio interno na Suíça para você não seria má ideia — comentou ela, com frieza.
— Certo. Entendido, madame — dei um beijo estralado na bochecha dela.
~~~ // ~~~
Apaguei o cigarro com o calcanhar no exato momento em que o sinal bateu. Entrei na escola, me misturando com centenas de outras pessoas, rapidamente consegui localizar Greg e Anna em frente aos armários, conversando baixinho.
— Ei — falei tediosamente.
— E aê — falou Anna, sorrindo.
— Você veio! — ironizou Greg.
— Não, Greg, estou lá na esquina ainda, não está vendo?
Eles sorriram. Anna era morena e alta Greg tinha a pele clara, olhos verdes, e cabelos cortados em estilo escovinha. Anna era tímida e calma, Greg tentava constantemente se enturmar com os babacas metidos do colégio, coisa que sempre me tirava do sério.
Destravei meu armário e tirei minhas coisas.
— Tudo bem em casa, Anna? — indaguei enquanto organizava meus materiais.
Ela colocou uma mecha dos fios atrás da orelha.
— Melhor impossível. Agora não é mais bar de strippers, e sim só um puteiro. Legal, né?
— Epa, e você ainda não faz parte disso? — brincou Greg.
Anna o encarou ofendida.
— Eu odeio, odeio você — sussurrou e saiu andando, como se nada tivesse acontecido.
Fiquei com pena. Greg era cruel. Anna era um doce. A realidade é que se Greg não fosse tão, tão, tão mané quanto eu, ele estaria se sentando nas mesas dos populares. Mas ah é, ele era um perdedor. Nós éramos.
— O que foi que eu disse? — resmungou ele.
Fechei meu armário.
— Bem, você é um péssimo amigo.
Começamos a andar em direção as salas de aulas.
— Sou seu melhor amigo, cara! — ele fez voz dramática.
Ri.
— Por falta de opções, né?
Greg fez um muxoxo. Mas era mesmo verdade. Se pudesse, estaria naquele momento paparicando Chad Oliver, do time de futebol, e pegando Leslie Green, mas, espera aí, ele era um bocó.
— Viu a garota nova? — perguntou.
Garotas. Está aí um assunto delicado.
— Não — murmurei.
Eu não estava muito afim de pensar em garotas.Principalmente quando a sua Ex está se agarrando nesse momento com um qualquer no corredor, na sua frente. Se agarrando tanto, que digamos, tudo o que faltava para eles não se comerem ali mesmo era a presença das roupas.
Tentei focar a visão em qualquer merda de lugar. Menos ficar olhando aqueles dois. Droga, droga, droga.
Christinne Albertany, espero que você pegue herpes.
— … fogo, e não parece uma vareta em combustão como a Christin. Tô te falando, ela é totalmente gostosa, mas não olharia para caras como você, deve já ter se juntado com os popularzinhos.
— Uhum. Legal — assenti distraidamente. Aquela filha da mãe teve…
— Ouviu o que eu falei? Eu acabei de xingar sua Ex e você só diz ”Legal”? Olha, já pensou se a aluna nova cai na mesma…
— Tá, tá, essa é minha deixa para o inferno, mano. Tchau.
Abri a porta do laboratório de química. Era totalmente branco, e todos já haviam chegado e já usavam o maldito colete branco que pinicava e o óculos transparentes brega. A sra. Figgs me fitou com tédio, e eu fitei a sala com tédio, procurando um lugar para me enfiar. E todo mundo me encarou com tédio. Todos já em duplas, menos uma garota de cabelos tão vermelhos quanto fogo. A única que não me fitava com tédio. Ela sorriu, e eu me perguntei por que diabos ela estava sorrindo numa segunda-feira de manha, justo na aula da cara de ratazana.
— Hm, vish, dona Figgs. Não tem lugar pra mim — titubeei. — Hã… tchau?
A expressão de tédio dela aumentou.
— A srta. Winters vai adorar fazer dupla com você, sr. Grey — ela apontou para a srta. Sorrisos.
O sorriso dela aumentou.
Tudo bem, vamos lá, é só uma garota, com certeza muito diferente de Christin. Então por que ela sorria tão igual?! Como se gostasse de mim, quando eu sabia que era só uma máscara. Xinguei baixinho e caminhei até lá, como caminharia rumo a uma toca de onças.
— Você deve ser Luis Grey — ela piscou. Voltou a sorrir. — É claro que você é Luis Grey!
Tudo bem, quando sorriu para mim, Christin não sabia meu nome. O que muda as coisas de:
A) Christin é uma p**a;
B) Srta. Winters é uma p**a.
Para:
A) Christin é uma p**a;
B) Srta. Winters é uma p**a que sabe nomes e que tem um sorriso totalmente lindo.
— É, sou eu — me joguei no banco ao lado dela.Ela continuou me fitando, provavelmente esperando que eu perguntasse o nome dela.— Hã… sou Jessica. Jessica Hollys Winters — ela falou. Pude jurar que seus olhos brilharam, o que era meio idiota, considerando que o nome dela não tinha nada de mais.Se fosse Emma, Elizabeth, Angelina ou outro nome de atrizes perfeitas de Hollywood, eu até entenderia, mas era só Jessica, sem flashes. Seguiu minha linha de raciocínio?— Maneiro. — Fixei o olhar no batente de vidro da mesa.Ela parecia legal. Mas eu também achava Christin legal antes de ela sair se esfregando em outros.— Acabei de chegar do Texas — comentou ela. — Não conheço direito Ophelia. Acho que vai ser fera.Ergui os olhos.— Texas? Minha avó morou lá — falei. Então ela er
Eu não estava lá muito acostumado a encarar garotas furiosas, já havia enfrentado algumas, mas isso não significava que eu me achava sortudo por isso e por naquele instante estar cara a cara com uma. Particularmente, eu preferia elas bem longe de mim, talvez enterradas em uma caixa de chumbo, seria excelente.— O quê? — perguntei surpreso.— Sei lá! Você anda por aí sendo estúpido com todo mundo, por causa da Christina? Isso é ridículo! Não é só você que tem problemas no mundo, tá ligado?Encarei Greg, confuso. Além de tudo ela era dramática. Só por que não dei bola pra ela, é isso mesmo?Antes que eu continuasse, ela se aproximou mais.— Anna está chorando no banheiro! Orgulhoso?!
Me levantei, bocejei.— Tá legal, mas por que eu iria com você mesmo, lindinha? — indaguei sorrindo.Ela curvou a cabeça e abriu um sorrisinho.— Porque… estou mandando.— Fala sério, eu nem conheço você! Você bem podia ser… hm… uma maluca que coleciona pintos! E você invadiu minha casa… Como descobriu meu endereço?Ela deu de ombros, fez um muxoxo, e se sentou no parapeito da janela.— Moro na rua de trás, você sempre passa em frente a ela quando vai pra escola ou volta. Cigarros causam câncer, sabia? Que feio. — Ela trocou de lado. — Sua mãe sabe?Ah, que maravilha. Mais uma pessoa para cuidar da minha vida, super maneiro.— Mmmm, n&at
Me fodi legal. Enquanto Jenn saiu praticamente sambando do 2° andar da minha casa, eu caí de bunda no chão.E ela só ficou rindo da minha cara.Primeiramente, ela tentou me ajudar a descer pelos galhos da árvore que chegava até a minha janela, só que não deu muito certo, nos primeiros 10 segundos em cima daquilo, eu caí e fiquei gemendo de dor. Cerca de um minuto depois, ouvi ela pular ao meu lado e ficar rindo da minha cara. Estendeu a mão e me ajudou a levantar.– Ha-ha-ha, muito engraçado – resmunguei, fazendo careta. – Eu podia ter quebrado alguma coisa!Enquanto isso, ela segurou o estômago, dando altas gargalhadas.– V-você caiu igual uma jaca! Acho que até uma jaca teria mais sorte.Cruzei os braços.
– Winters, como você sabe desse lugar? Pensei que você tivesse acabado de chegar.Ela levantou o queixo, de modo desafiador.– Não trabalho com nomes – esboçou um sorriso.– E eu não sou um escravo – estendi a chave do carro e dei de ombros, ameaçando ir embora.Jenn agarrou meu ombro.– Tá, tá, tá. Na escola, os populares que você detesta falam desse lugar. É tipo, o lugar que nunca dorme. Pedi o endereço e aqui estou.Como eu nunca havia sabido daquele lugar morando minha vida inteira naquele fim de mundo? E por que Jenn agia como se fosse simplesmente comum ir pra lá de madrugada? Aliás, por que parecia tão comum para todos?!– Certo. Isso definitivamente não explica muita coisa. E você me trouxe aqui para...Ela se aproximou da mesa de sinuca, se encostando nela.
Tudo bem acordar uma hora da manha, normal, porque só naquele momento eu tava descobrindo que todo mundo em Ophelia fazia aquilo. Mas muito pelo contrário, eu só queria estar na Daisy, dormindo, se é que você me entende.Jessica virava de uma vez, me encarando com desdém– Qual é o seu problema com uma vida social, Luis? – indagou.– Bem, se essa vida social incluir você, todos – falei sem pensar.Ela fez cara de ofendida, piscando sem parar e formando um beicinho com os lábios. Extremamente fofa, mesmo.Depois sua expressão mudou, ficando totalmente serena.–– Você só está com dor de cotovelo – falou com um sorrisinho de canto.E TINHA ALGUÉM QUE AINDA NÃO SABIA QUE ERA AQUI
– Você falou palavrão – avisei.– Eu quis.– Jenn, você é uma garota.– Ah, meu Deus, eu nem sabia. Passei minha vida inteira sem tirar a roupa e olhar pra baixo, juro! – revirou os olhos. – E daí?– E eu sou um garoto.– É mesmo? Pensei que fosse um travesti.Meio cruel isso soou, meio cruel, só acho.– Jenn, é claro que eu topo fazer a peça com você! Faz tempo que eu não... você sabe... e nem é por causa disso, mas é que, acho que pode ser interessante.Jenn sorriu e quando ia responder, o professor voltou a falar e não parou mais antes que o sinal batesse.~~~ // ~~~No sábado, Jessica apareceu em casa depois do almoço. Havia prendido os fios ruivos em um rabo de cavalo, de um jeito largadinho, vestia jeans e camiseta e pela primeira vez d
Os ensaios da peça ocorriam toda quarta e sábado, o que explicava porque em tão pouco tempo Jenn já havia se enfiado por lá. Ela havia chegado segunda na escola, e quarta já estava inclusa. A garota era tão social da vida que às vezes me deixava surpreso que ela perdesse tanto tempo comigo. Ela tinha um sorriso lindo, eu era um mané. Ela era feliz, eu era praticamente um eremita. Enquanto ela estava ligada em 220 na encruzilhada da vida entre o "viva" e "seja feliz", sendo que ela conseguia se desdobrar e atravessar as duas, eu estava deitado no meu quarto, embaixo das cobertas, reclamando do quanto minha vida era potencialmente ridícula. Só que aí estava a questão, Jenn era minha amiga, em apenas alguns dias, ela já era uma grande. Era como se estivesse me dando um banho de choque e me arrastado até a encruzilhada com ela. Na encruzilhada, eu havia decido segui-la