BEATRICE
Enquanto estava em minha cadeira, revisando algumas matérias, ouvi um grupo de meninas conversando sobre uma árvore que parecia ser mágica, com folhas de um tom meio azulado, às margens do rio Relva.
Fiquei pensando se essa seria a mesma árvore da qual minha mãe me falou anos atrás. A questão era que essa árvore estava localizada em nossa propriedade, em um terreno privado. Isso me fez questionar o motivo de aquela garota estar lá.
Nunca acreditei muito em histórias de magia. Era bastante cética em relação a tudo isso. No entanto, algo naquela conversa despertou meu interesse. Uma delas estava contando que testemunhou um ritual sendo realizado naquele local durante a madrugada.
As outras a questionaram sobre o motivo de ela estar lá naquele horário. Afinal, era um lugar isolado, não havia muito o que ver além da paisagem, mas durante a madrugada, isso certamente era algo bastante incomum.
— Não importa o que eu estava fazendo lá. O que realmente importa é que foi bastante estranho presenciar aquelas mulheres vestidas de branco, segurando velas e dançando ao redor da árvore. Tenho certeza de que aquela árvore é mágica. A cena me deixou arrepiada e, até agora, quando lembro do que acontecia lá, sinto a mesma sensação. Parecia que a canção estava sendo gravada na minha alma.
— Você está sendo muito supersticiosa. Daqui a alguns dias, provavelmente aparecerá um vídeo na internet com essas mesmas características. É bem possível que estivessem filmando algo com algum propósito específico.
— Posso assegurar que não havia ninguém filmando. Elas simplesmente dançavam e cantavam uma canção que eu nunca ouvira antes, em uma língua que eu jamais ouvira falar. E a árvore parecia brilhar.
Nesse momento, o professor entrou, e todas se silenciaram, retornando aos seus lugares. No entanto, aquela situação continuou a ocupar meus pensamentos. E se essa árvore fosse realmente mágica? Se ela pudesse de fato conceder desejos?
Tudo que eu precisaria era de uma única oportunidade. E eu estaria disposta a arriscar tudo por ela, inclusive a minha própria liberdade, sabendo que essa era a possível consequência se eu fosse pega.
Meu pai me confinaria em casa, e eu só teria permissão para sair no dia do meu casamento. Fiquei me perguntando por que tive que ser a primogênita. Tudo teria sido tão diferente se fosse minha irmã.
Ela estava empolgada com a ideia de meu pai escolher um pretendente para ela, o que só poderia acontecer após o meu casamento, de acordo com outra regra idiota.
Minha irmã estava, nesse caso, contando os dias para que eu me casasse o mais rápido possível. Minha família tinha uma lista interminável de regras e, mesmo estando em um século tão avançado, algumas delas permaneciam inalteradas. Muitas são notavelmente arcaicas.
Fazemos parte de uma organização fechada, na qual os membros se casam entre si. Não há parentesco direto entre os casais, eliminando qualquer possibilidade de casamento consanguíneo.
No entanto, essa ainda é uma tradição profundamente arcaica. Desde o nascimento, o filho primogênito é prometido a alguém escolhido pelos líderes da organização. Mesmo quando atingimos a idade adulta, não temos a liberdade de quebrar esse compromisso, pois isso traria desonra à nossa família e os colocaria em risco de serem expulsos daquela organização.
Nunca concordei com essa prática. No entanto, recusar o marido escolhido pela organização representaria a destruição de toda a vida que minha família conhecia. Além disso, implicaria na perda de tudo o que conquistamos até o momento.
O rapaz a quem eu estava prometida mal era conhecido por mim. Embora ele nunca tivesse me tratado mal, eu ansiava por um casamento baseado no amor. Queria estar com alguém por escolha própria e não devido a um acordo idiota feito no momento do meu nascimento.
Eu desejava experimentar o frio na barriga, a sensação de mãos suando, o arrepio na espinha e a constante ânsia de estar perto de alguém, como os livros que eu lia secretamente descreviam. Não queria apenas deitar em uma cama e me entregar a um marido que não havia sido minha escolha.
Ansiava por aquele fogo, aquela paixão, aquela urgência que só se sente quando se está perto de alguém que ama. No entanto, a cada dia que passava, isso parecia ficar mais distante para mim, e eu estava começando a perder as esperanças… até que ouvi aquela conversa.
Eu nunca tive amigos. Era conhecida como uma aluna exemplar, sendo rotulada pelos outros estudantes como “nerd” por não me misturar. Fui proibida de criar laços com pessoas que não estivessem dentro do nosso círculo, e a amizade era considerada um desses laços proibidos. Até hoje, não entendo o que tanto eles queriam esconder.
Após o jantar, esperei até que todos estivessem dormindo. No entanto, quando me preparei para sair, percebi que minha mãe se despedia do meu pai, vestindo um longo vestido branco. Aguardei até que meu pai entrasse em seu quarto e, então, saí em direção à tal árvore mágica. Fiquei surpresa ao ver uma comitiva de mulheres vestidas da mesma forma que minha mãe, segurando velas acesas e seguindo na mesma direção para a qual eu me dirigia.
Mantive uma distância para evitar ser descoberta. Era uma caminhada considerável, e havia inúmeras mulheres entoando uma canção com vozes suaves que, como a garota na minha turma mencionou, parecia tocar a alma. No entanto, era uma língua que eu desconhecia, algo que eu nunca soube que minha mãe falava.
Depois de algumas horas ali, cantando aquela cantiga, elas apagaram as velas e voltaram em direção às suas casas. Só depois disso, quando tive certeza de que elas já estavam bem distantes, me aproximei daquela árvore e a admirei de perto. Busquei no meu coração o único desejo que eu esperava realizar e o pronunciei em voz alta. No entanto, nada aconteceu de fato. Nenhum sinal de ventania como eu esperava, nenhuma agitação nas suas folhas, nada fora do comum.
Fiquei profundamente desapontada por arriscar tanto em vão, e meu desgosto foi tamanho que acabei não prestando atenção nas raízes da árvore. Tropecei e, para evitar cair no rio, me apoiei em seu tronco, sentindo uma energia avassaladora me drenando. Tentei me afastar, mas quanto mais resistia, mais intensa se tornava essa energia, até que, finalmente, fui arrastada para a escuridão.
Não tenho certeza de quanto tempo permaneci desacordada, mas quando finalmente abri os olhos, ainda estava deitada próximo daquela árvore, e o som da água corrente do rio indicava que estava em apuros.
Eu teria que explicar aos meus pais onde estava tão tarde da noite, mas, naquele momento, minha preocupação havia se dissipado, pois estava convencida de que eles também estavam ocultando coisas de nós, coisas que tínhamos o direito de saber.
Ainda deitada ali, comecei a ouvir uivos raivosos, sons de algo genuinamente assustador. Poderia ser um animal feroz, e ele estava muito próximo. Comecei a correr dali quando ouvi gritos distantes, mas não conseguia identificar de onde vinham. Só naquele momento me dei conta de que a árvore era a mesma, mas o local onde eu estava não.
Aquela situação me deixou desesperada e me perguntei por que não havia escutado minha mãe. No entanto, eu precisava correr e encontrar um lugar seguro, longe daquela fera, que eu tinha certeza de que me consideraria um aperitivo.
Corri em direção à floresta que se estendia diante de mim, e quando minha respiração ficou ofegante, parei e me apoiei em uma árvore, tentando recuperar o fôlego. Ao mesmo tempo, examinei o local à minha volta.
Tudo estava escuro, e apenas a luz da lua iluminava o caminho por onde eu andava. As copas das árvores eram altas, mas eu considerava a possibilidade de escalá-las como uma maneira de me manter segura.
Ouvi alguns gemidos de dor, o que me fez pensar que alguém estava ferido nas proximidades. Ainda assustada, comecei a procurar a origem daqueles sons e, para minha surpresa, deparei-me com um homem totalmente nu, sentado e apoiado no tronco de uma das árvores.Fui me aproximando dele lentamente, questionando-me sobre o que teria acontecido para ele estar sem roupas. Mesmo a uma distância considerável, ele percebeu minha aproximação.Ele me lançou um olhar estranho, algo ameaçador que me deixou temerosa. No entanto, consegui visualizar, de alguma forma, o ferimento em seu ombro, que sangrava bastante. Meu instinto profissional entrou em ação rapidamente.Embora ele tenha tentado se levantar, consegui agir mais rapidamente, colocando minha mão em seu ombro ileso e o instruindo a permanecer sentado. Surpreso, ele me encarou em silêncio. Procurei algo que pudesse usar para rasgar uma parte da minha roupa e usar para estancar o sangramento de seu ombro.Logo ao lado dele, encontrei uma fac
HECTORDesde o momento em que vi aquela mulher, soube que ela não era uma mulher comum. Meu lobo sentiu seu cheiro, o aroma de pêssego, a quilômetros de distância. Fiquei surpreso ao vê-la ao lado do meu irmão, pois o ciúme que senti foi descomunal.Quando a mandei ficar longe dele, não foi com medo do que ela poderia fazer com ele, mas sim do que eu poderia fazer com os dois. Estava sendo difícil conter meu lobo. Ele queria se apresentar a ela, desejava marcá-la como sua.Não podia acreditar que ele havia escolhido justamente aquela mulher para si. Ela nem parecia ser daqui, mas meu lobo rugia desejosamente dentro de mim.“Minha” — Era o que ele afirmava, sem parar.Ela estava praticamente nua, e eu conseguia imaginar todo o seu corpo sob aquele vestido rasgado. Estava sendo difícil me controlar, estando eu mesmo despido. Normalmente, quando nos transformávamos, as roupas eram perdidas, e quando senti que meu irmão precisava de ajuda, não pensei duas vezes em vir até ele.Decidi con
BEATRICEAquela senhora gentil me levou até o andar de cima e me conduziu a um quarto, sem dúvidas, muito elegante. Ela então indicou outra porta, informando ser o banheiro, e me assegurou que eu poderia usá-lo à vontade enquanto providenciaria roupas limpas para mim.Compreendi que ela tinha uma filha quase da minha idade. Perguntei-me se todos aqueles filhos seriam adotados, já que seu rosto parecia tão jovial.Ao entrar no banheiro, notei a presença de um ofurô no ambiente. Ofurô é uma espécie de jacuzzi de madeira. Girei a torneira e pude apreciar a elegância rústica do banheiro, que, assim como o resto da casa, era lindamente decorado.A temperatura da água estava morna e assim que entrei, meu corpo agradeceu imediatamente, mergulhando em uma sensação de relaxamento.Quando terminei o meu banho e entrei no quarto, deparei-me com um vestido deslumbrante sobre a cama. Parecia ser feito de um tecido fino, na cor azul. Ele se ajustou perfeitamente ao meu corpo, como se tivesse sido f
HECTOREu só podia ser muito idiota mesmo. Não entendia o que estava acontecendo comigo. Estava completamente descontrolado por causa daquela mulher. Meu lobo a desejava, mas eu estava com medo de ser rejeitado e lutava contra isso. Nunca me senti assim por nenhuma outra mulher.Quando a ouvi dizer que não queria casar, aquilo me feriu profundamente. Eu conhecia a verdade da Árvore Sagrada e, como meu pai havia ensinado, o pedido precisava ser sincero e vindo de um coração puro para ser atendido. Se ela estava aqui fugindo de um relacionamento, como eu poderia confiar meu coração a ela?Ser rejeitado por ela era uma das maneiras de matar meu lobo. A dor seria excruciante para nós dois. Muitos lobos não sobrevivem a isso. Consequentemente, também me destruiria. Minha alma seria dilacerada. Não poderia arriscar nossa segurança, mesmo quando ele estava certo do que queria, após décadas de solidão.— O que está acontecendo com você, meu filho? — Perguntou meu pai, enquanto minha mãe me ob
Sentir gradualmente o despertar da minha fera quando me aproximei de Beatrice, enquanto caminhávamos sozinhos. Percebi meus próprios batimentos cardíacos acelerando à medida que minha audição se concentrava no pulsar do coração dela e sua respiração alterada.Eu podia sentir que ela estava nervosa. Suas mãos se moviam uma sobre a outra na frente do vestido, e seu cheiro de pêssego se tornava mais evidente para mim. Perguntava-me se seu nervosismo era por minha causa, mas antes que eu pudesse controlar minha língua, essa dúvida se transformou em palavras e saiu da minha boca.— Eu te deixo nervosa, Beatrice? — Perguntei.Ela me olhou por um instante, mas depois desviou o olhar para frente. Notei a cor de sua pele mudando um pouco e percebi que ela não queria que eu notasse aquilo. Naquele momento, meu lobo só ansiava por possuí-la.— Eu apenas não estou acostumada a tudo isso. Nunca tive a companhia de outras pessoas que não fossem da minha família, especialmente do sexo masculino. Viv
BEATRICEAlguns dias se passaram. Nunca imaginei que acabaria em um lugar como este. Quando fiz o pedido sob aquela árvore, que eles chamam de “Árvore Sagrada” aqui, imaginei que um simples sopro de vento pudesse fazer todos esquecerem sobre meu compromisso de casamento.No entanto, a árvore simplesmente me trouxe até aqui. Tenho que admitir que não estou achando isso ruim, mas também não posso ser egoísta ao ponto de dizer que não estou preocupada com minha família. Queria estar aqui, mas, ao mesmo tempo, desejava fervorosamente que todos estivessem bem lá.Mesmo sem me conhecer, aquela família me acolheu de coração, embora eu não saiba por quanto tempo poderei permanecer. Até Hector, que era considerado o único ogro da família, estava se revelando um verdadeiro cavalheiro.Aquele homem mexia comigo de várias formas. Não sei explicar exatamente o que acontecia comigo sempre que estávamos juntos, mas sentia minha pele arrepiar e meu coração acelerar. No dia em que visitamos a aldeia,
Fiquei de pé, andando em círculos. E, como uma louca, continuei a conversar com aquele lobo, como se ele pudesse me entender. Ou talvez, por saber que ele não entenderia, me sentisse à vontade para continuar falando.— Ele foi o cara mais estúpido que conheci quando cheguei aqui, mas não sei por que aquele jeito dele mexia comigo. Fazia meu sangue ferver.Tinha um sorriso bobo no rosto. Tinha certeza disso. E, como em um filme, lembrei-me exatamente do momento quando cheguei aqui.— Lentamente, ele foi me mostrando outro lado, um lado gentil, cavalheiro, atencioso, que me conquistou. E comecei a perceber que tudo que eu desejava antes, comecei a sentir por ele. Isso parece errado? Olhei para aquele lobo enorme que apenas me fitava com atenção, talvez apenas observando meus movimentos, porque tinha certeza de que ele não entendia nada do que eu dizia.— Talvez seja por isso que estou sentindo essa culpa, porque estou me rebelando contra algo que fui ensinada desde pequena a respeitar…
HECTOREstava pronto para contar toda a nossa história para Beatrice. Depois de todas as revelações que ela fez, achando que estava conversando com um lobo que não entendia nada, sabia que não havia motivo para esperar.Só torcia para que ela me aceitasse com todas as revelações que eu precisava fazer. No entanto, não era um segredo apenas meu. Precisava também informar minha família sobre minha decisão.Sabia que chegaria em casa antes dela em minha forma de lobo, mas meus pais haviam organizado uma reunião informal com outras famílias para discutir as invasões em nossas terras. Minha irmã estava preocupada com a reação de Beatrice, então não concordava que eu revelasse tudo.No entanto, deixei claro para ela que meu lobo não aceitaria ficar longe daquela que escolheu. Ele desejava possuí-la e marcá-la, e para isso, Beatrice precisava conhecer a verdade.Como sempre, minha irmã não me deu ouvidos. Ela tinha que se intrometer nos meus assuntos e agir como uma criança. No momento em qu