Hector — Destinos Cruzados
Hector — Destinos Cruzados
Por: Sandra Ribeiro
CAPÍTULO 01

BEATRICE

Enquanto estava em minha cadeira, revisando algumas matérias, ouvi um grupo de meninas conversando sobre uma árvore que parecia ser mágica, com folhas de um tom meio azulado, às margens do rio Relva.

Fiquei pensando se essa seria a mesma árvore da qual minha mãe me falou anos atrás. A questão era que essa árvore estava localizada em nossa propriedade, em um terreno privado. Isso me fez questionar o motivo de aquela garota estar lá.

Nunca acreditei muito em histórias de magia. Era bastante cética em relação a tudo isso. No entanto, algo naquela conversa despertou meu interesse. Uma delas estava contando que testemunhou um ritual sendo realizado naquele local durante a madrugada.

As outras a questionaram sobre o motivo de ela estar lá naquele horário. Afinal, era um lugar isolado, não havia muito o que ver além da paisagem, mas durante a madrugada, isso certamente era algo bastante incomum.

— Não importa o que eu estava fazendo lá. O que realmente importa é que foi bastante estranho presenciar aquelas mulheres vestidas de branco, segurando velas e dançando ao redor da árvore. Tenho certeza de que aquela árvore é mágica. A cena me deixou arrepiada e, até agora, quando lembro do que acontecia lá, sinto a mesma sensação. Parecia que a canção estava sendo gravada na minha alma.   

— Você está sendo muito supersticiosa. Daqui a alguns dias, provavelmente aparecerá um vídeo na internet com essas mesmas características. É bem possível que estivessem filmando algo com algum propósito específico.

— Posso assegurar que não havia ninguém filmando. Elas simplesmente dançavam e cantavam uma canção que eu nunca ouvira antes, em uma língua que eu jamais ouvira falar. E a árvore parecia brilhar.

Nesse momento, o professor entrou, e todas se silenciaram, retornando aos seus lugares. No entanto, aquela situação continuou a ocupar meus pensamentos. E se essa árvore fosse realmente mágica? Se ela pudesse de fato conceder desejos?

Tudo que eu precisaria era de uma única oportunidade. E eu estaria disposta a arriscar tudo por ela, inclusive a minha própria liberdade, sabendo que essa era a possível consequência se eu fosse pega.

Meu pai me confinaria em casa, e eu só teria permissão para sair no dia do meu casamento. Fiquei me perguntando por que tive que ser a primogênita. Tudo teria sido tão diferente se fosse minha irmã.

Ela estava empolgada com a ideia de meu pai escolher um pretendente para ela, o que só poderia acontecer após o meu casamento, de acordo com outra regra idiota.

Minha irmã estava, nesse caso, contando os dias para que eu me casasse o mais rápido possível. Minha família tinha uma lista interminável de regras e, mesmo estando em um século tão avançado, algumas delas permaneciam inalteradas. Muitas são notavelmente arcaicas.

Fazemos parte de uma organização fechada, na qual os membros se casam entre si. Não há parentesco direto entre os casais, eliminando qualquer possibilidade de casamento consanguíneo.

No entanto, essa ainda é uma tradição profundamente arcaica. Desde o nascimento, o filho primogênito é prometido a alguém escolhido pelos líderes da organização. Mesmo quando atingimos a idade adulta, não temos a liberdade de quebrar esse compromisso, pois isso traria desonra à nossa família e os colocaria em risco de serem expulsos daquela organização.

Nunca concordei com essa prática. No entanto, recusar o marido escolhido pela organização representaria a destruição de toda a vida que minha família conhecia. Além disso, implicaria na perda de tudo o que conquistamos até o momento.

O rapaz a quem eu estava prometida mal era conhecido por mim. Embora ele nunca tivesse me tratado mal, eu ansiava por um casamento baseado no amor. Queria estar com alguém por escolha própria e não devido a um acordo idiota feito no momento do meu nascimento.

Eu desejava experimentar o frio na barriga, a sensação de mãos suando, o arrepio na espinha e a constante ânsia de estar perto de alguém, como os livros que eu lia secretamente descreviam. Não queria apenas deitar em uma cama e me entregar a um marido que não havia sido minha escolha.

Ansiava por aquele fogo, aquela paixão, aquela urgência que só se sente quando se está perto de alguém que ama. No entanto, a cada dia que passava, isso parecia ficar mais distante para mim, e eu estava começando a perder as esperanças… até que ouvi aquela conversa.

Eu nunca tive amigos. Era conhecida como uma aluna exemplar, sendo rotulada pelos outros estudantes como “nerd” por não me misturar. Fui proibida de criar laços com pessoas que não estivessem dentro do nosso círculo, e a amizade era considerada um desses laços proibidos. Até hoje, não entendo o que tanto eles queriam esconder.

Após o jantar, esperei até que todos estivessem dormindo. No entanto, quando me preparei para sair, percebi que minha mãe se despedia do meu pai, vestindo um longo vestido branco. Aguardei até que meu pai entrasse em seu quarto e, então, saí em direção à tal árvore mágica. Fiquei surpresa ao ver uma comitiva de mulheres vestidas da mesma forma que minha mãe, segurando velas acesas e seguindo na mesma direção para a qual eu me dirigia.

Mantive uma distância para evitar ser descoberta. Era uma caminhada considerável, e havia inúmeras mulheres entoando uma canção com vozes suaves que, como a garota na minha turma mencionou, parecia tocar a alma. No entanto, era uma língua que eu desconhecia, algo que eu nunca soube que minha mãe falava.

Depois de algumas horas ali, cantando aquela cantiga, elas apagaram as velas e voltaram em direção às suas casas. Só depois disso, quando tive certeza de que elas já estavam bem distantes, me aproximei daquela árvore e a admirei de perto. Busquei no meu coração o único desejo que eu esperava realizar e o pronunciei em voz alta. No entanto, nada aconteceu de fato. Nenhum sinal de ventania como eu esperava, nenhuma agitação nas suas folhas, nada fora do comum.

Fiquei profundamente desapontada por arriscar tanto em vão, e meu desgosto foi tamanho que acabei não prestando atenção nas raízes da árvore. Tropecei e, para evitar cair no rio, me apoiei em seu tronco, sentindo uma energia avassaladora me drenando. Tentei me afastar, mas quanto mais resistia, mais intensa se tornava essa energia, até que, finalmente, fui arrastada para a escuridão.

Não tenho certeza de quanto tempo permaneci desacordada, mas quando finalmente abri os olhos, ainda estava deitada próximo daquela árvore, e o som da água corrente do rio indicava que estava em apuros.

Eu teria que explicar aos meus pais onde estava tão tarde da noite, mas, naquele momento, minha preocupação havia se dissipado, pois estava convencida de que eles também estavam ocultando coisas de nós, coisas que tínhamos o direito de saber.

Ainda deitada ali, comecei a ouvir uivos raivosos, sons de algo genuinamente assustador. Poderia ser um animal feroz, e ele estava muito próximo. Comecei a correr dali quando ouvi gritos distantes, mas não conseguia identificar de onde vinham. Só naquele momento me dei conta de que a árvore era a mesma, mas o local onde eu estava não.

Aquela situação me deixou desesperada e me perguntei por que não havia escutado minha mãe. No entanto, eu precisava correr e encontrar um lugar seguro, longe daquela fera, que eu tinha certeza de que me consideraria um aperitivo.

Corri em direção à floresta que se estendia diante de mim, e quando minha respiração ficou ofegante, parei e me apoiei em uma árvore, tentando recuperar o fôlego. Ao mesmo tempo, examinei o local à minha volta.

Tudo estava escuro, e apenas a luz da lua iluminava o caminho por onde eu andava. As copas das árvores eram altas, mas eu considerava a possibilidade de escalá-las como uma maneira de me manter segura.

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