CAPÍTULO 06

Sentir gradualmente o despertar da minha fera quando me aproximei de Beatrice, enquanto caminhávamos sozinhos. Percebi meus próprios batimentos cardíacos acelerando à medida que minha audição se concentrava no pulsar do coração dela e sua respiração alterada.

Eu podia sentir que ela estava nervosa. Suas mãos se moviam uma sobre a outra na frente do vestido, e seu cheiro de pêssego se tornava mais evidente para mim. Perguntava-me se seu nervosismo era por minha causa, mas antes que eu pudesse controlar minha língua, essa dúvida se transformou em palavras e saiu da minha boca.

— Eu te deixo nervosa, Beatrice? — Perguntei.

Ela me olhou por um instante, mas depois desviou o olhar para frente. Notei a cor de sua pele mudando um pouco e percebi que ela não queria que eu notasse aquilo. Naquele momento, meu lobo só ansiava por possuí-la.

— Eu apenas não estou acostumada a tudo isso. Nunca tive a companhia de outras pessoas que não fossem da minha família, especialmente do sexo masculino. Vivia em uma comunidade onde era obrigada a seguir regras, mesmo não aceitando muitas delas. — Ela respondeu, e perguntei-me que tipo de comunidade era essa.

— Você não tinha amigos? Notei que entende de ferimentos, então provavelmente estudou para isso. — Questionei, tentando entender toda aquela situação. Ela me olhou por um momento.

— Eu cursava medicina. — Disse.

Essa informação me surpreendeu, e ela percebeu isso, tanto que tinha um sorrisinho no rosto.

— Mas a organização da qual meus pais fazem parte é muito restrita em relação aos seus membros. Não podíamos ter amizades com pessoas de fora de nosso círculo. Eu podia estudar, mas não podia ter amigos. O que estou fazendo aqui com você era impossível. — Ela concluiu sem me olhar, mas observando a paisagem.

— Seus pais nunca consideraram deixar essa organização? Você nunca lhes disse que estava infeliz com tantas regras? — Perguntei, curioso.

— Antes de eu nascer, meus pais já eram membros dessa organização, Hector. Não tenho certeza se meus avós também faziam parte dela, mas é bem provável que sim. Para eles, essa é a única vida que conhecem, e encontraram felicidade nisso. A infelicidade era minha, não deles. Assim, era mais fácil me adaptar do que ver minha família inteira infeliz.

— Contudo, dessa forma, você estava anulando sua própria felicidade, Beatrice. E, na minha opinião, isso não parece justo. Você também tinha o direito de ser feliz.

— Mas, Hector, apesar de tudo, eu era feliz. Simplesmente não conseguia aceitar a regra idiota de ter meu marido escolhido por essa organização.

— Eles escolheram seu marido? — Perguntei, olhando surpreso para ela, pois nem eu, e muito menos meu lobo, aceitaríamos isso. Ninguém tinha o direito de escolher nossa companheira, exceto nós mesmos.

— No momento em que nasci. — Ela respondeu, e aquilo se tornou ainda mais bizarro. — Uma das regras é justamente essa. Eles escolhem o cônjuge do filho primogênito de cada família, independentemente do sexo. A regra se aplicava para todos.

— Eu destruiria tudo antes de ser obrigado a isso. — Terminei falando, e ela começou a rir.

Daria qualquer coisa para ver aquele sorriso no rosto dela mais algumas vezes. Caminhamos mais um pouco até chegarmos à vila. Todos ali tinham conhecimento dos lobos, mas não sabiam podermos nos transformar em humanos e vivíamos entre eles.

Não era apenas minha família que possuía esse segredo. Também existiam outras famílias com o mesmo dom que os nossos, mas sempre mantivemos isso muito bem escondido. Os humanos não compreenderiam a nossa verdadeira natureza e, se descobrissem, poderíamos acabar sendo caçados ainda mais do que já éramos.

Beatrice estava encantada com tudo aquilo. Parecia que a garota não havia aproveitado muito a vida. Agora eu a entendia um pouco mais e compreendia por que ela havia vindo parar aqui.

Talvez, se estivesse no lugar dela, eu teria feito o mesmo, ou até algo pior, considerando as habilidades que tenho. Meu lobo ficou inquieto só de pensar na ideia de ser forçado a aceitar uma companheira que não foi escolhida por ele.

Aquilo parecia ser excessivamente injusto para qualquer pessoa. De longe, observei um tumulto acontecendo. Notei um garoto correndo em nossa direção, enquanto um dos comerciantes o perseguia.

Provavelmente, aquele garoto pegara um pão sem pagar por ele. Sabia que isso era errado, mas o garoto estava claramente com fome. Então, quando o garoto passou por nós e o comerciante quase o alcançou, discretamente coloquei meu pé na frente dele, fazendo-o tropeçar e cair, dando ao garoto a chance de escapar.

Assim que o homem se levantou, ele me olhou, nada feliz.

— Peço desculpas, meu nobre senhor, por esse incidente. Permita-me compensá-lo, pagando pelo item que foi levado. — Disse.

Então, entreguei-lhe uma moeda de ouro, e ele voltou para sua barraca mais do que satisfeito com isso. Provavelmente, ele recuperaria o pão, mas o item não seria mais adequado para comercialização. Beatrice olhou para mim, tentando disfarçar o riso.

— Foi muito nobre de sua parte o que fez pelo garoto. — Ela disse. Percebi que ela havia notado o que fiz e que não encarou como um simples acidente, como a maioria das pessoas fez. Ela estava atenta a cada detalhe e era muito perspicaz.

— Muitas pessoas não têm as mesmas oportunidades. Não acredito ser justo uma pessoa ter que passar fome. Aquele garoto não roubou nenhum bem material, apenas um pedaço de pão. Não é o certo, mas justificável dependendo do ângulo pelo qual você olha a situação. — Justifiquei.

Ela me olhou com admiração, o que me deixou satisfeito. Acreditava que ela compartilhava da mesma opinião que a minha.

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