2 - O Retorno da Pantera

Me matar?

Por quê ali, naquele instante? Não é o nosso primeiro encontro. Ele teve a oportunidade de me matar muito antes, lá, no internato. Por quê só agora?

Enquanto a maioria dos jovens se divertia no pátio jogando basquete, eu preferia me exercitar nas arquibancadas, executando movimentos circulares com meu corpo. Esses alongamentos me permitiam explorar a tensão muscular, aliviando as dores dos ferimentos que sofria.

Quando um movimento na quadra distanciou o percurso da bola de basquete a atingir minhas costas, Ashton mandou que eu a jogasse de volta, mas eu o ignorei.

— O filhotinho de leão é medroso, não é? — Ele se aproximava, rindo com os outros, zombando do meu pingente, como sempre faziam. — Ou será que ele é só um gatinho?

Eles começaram a me encurralar. Além de Ashon e Malthem, três jovens de um dormitório diferente colaboravam, me impulsionando de um lado para outro. Naquele momento, eu era a bola de basquete deles.

— Se continuarem a me empurrar, terão que limpar a bosta de vocês sozinhos! — Declarei, parando no centro e encarando-os.

O cansaço de ser tratado como um saco de pancadas ou a reprimenda que Felicia me deu na noite anterior poderiam ser a causa de minha atitude repentina. No entanto, eles não se intimidaram; ao contrário, persistiram.

— Você não só irá limpar a nossa bosta, Copperan. — Malthem se aproximou em tom ameaçador. — Como iremos fazê-lo limpar com os dentes.

Eles começaram a rir.

— O leãozinho vai sujar toda a juba. — Ashton não perdeu a piada.

— Ou eu use a escova de vocês para limpar. — Continuei a provocação tendo os olhos arregalados para mim.

Eram cinco contra um. Parecia ser mais um dia em que eu apanharia, mas eu não permaneceria calado. Não desta vez.

— O que você disse? — Malthem se aproximou, tendo seus longos cabelos loiros obstruindo minha visão enquanto me agarrava pela blusa. — Ai! — Ele exclamou de dor quando uma bola de basquete atingiu sua cabeça, soltando-me e se virando para identificar o agressor.

— Ei, você! Por que não enfrenta alguém do seu próprio tamanho? — uma voz firme soou, ainda invisível aos meus olhos, visto que a visão frontal estava obstruída pelos cinco jovens robustos.

 Assim que começaram a se afastar, observei o homem de cabelos e barba ruivos, dotado de um corpo atlético e uma expressão de fúria em seu rosto.

— Eu fiz uma pergunta: por que vocês não mexem com alguém do seu tamanho?

O homem era desconhecido. Ele nem sequer vestia o uniforme de funcionários que trabalhavam ali, mas sua presença era suficiente para intimidar Malthem, Ashton e seus amigos. Apesar de serem fortes, eles não se comparavam à imponência do homem ruivo, que parecia esculpido em pedra.

— Que-que-quem é vo-vo-você? — Gaguejou um dos rapazes, nervoso.

— Alguém com quem vocês definitivamente não gostariam conhecer. — Ele se aproximou do grupo de cinco, encarando-os firme. — Se persistirem em importunar o garoto, não será apenas uma bola de basquete que os atingirá.

Eles o olhavam, havia temor em seus rostos. Um temor que eu nunca tinha visto antes.

— Hein? — O homem insistia. — Circulando, circulando. Antes que eu queira entrar na brincadeira. — Ordenava. 

Eles concordaram, afastando-se sem pronunciar uma única palavra, visivelmente incomodados em serem reprimidos na minha frente.

Finalmente consegui observar o homem com atenção. De fato, ele não trabalhava no local, nem mesmo como segurança. Sua calça jeans rasgada e a jaqueta de couro preta não combinavam com qualquer uniforme do internato. Ele mais parecia um rebelde sem causa daqueles filmes dos anos 50.

— Posso me defender sozinho. — Disse, virando-me de costas para o homem e retomando os meus alongamentos.

— Evite se envolver em problemas, garoto. — Ele me aconselhou com um tom enigmático. — Não estarei sempre disponível para protegê-lo.

Ao me virar para ele, percebi que seu pingente, semelhante ao meu, tinha uma cor diferente.

— Te conheço? — Perguntei, com meu olhar fixo em seu colar. Ele notou, mas optou por permanecer em silêncio.

Ele deu as costas e começou a se afastar, movendo-se lentamente. Até seus passos exalavam arrogância.

— Ei! — Eu esbraveava.

O que presenciei a seguir só poderia ter sido fruto da minha curiosidade. Ele escalou o muro de pedras do internato com a agilidade de um felino, saltando para o outro lado de maneira tão rápida e desaparecendo como um fluxo de água.

Agora ele estava aqui, diante de mim, ameaçando-me de morte.

— Eu me lembro de você! — Bravejei.

Antes que pudéssemos pronunciar uma única palavra, um rugido poderoso ressoou. Uma criatura selvagem estava se aproximando.

Observei a aparição do animal. Como poderia haver uma onça nas proximidades do circo? O animal rugia de forma selvagem e incessante. Não se tratava apenas de um rugido de fome, mas havia uma ameaça por trás. Parecia saber a quem procurava. Por algum motivo, seu olhar se direcionava para mim. Agora, não só o homem que desejava me matar era uma ameaça, mas também estava sendo caçado por uma fera.

— Ela veio por você. — Ele me alertou, apontando o óbvio. — Fuja agora!

O indivíduo era tão selvagem que planejava me eliminar com suas próprias mãos? A besta não poderia realizar o trabalho em seu lugar? Precisava ser ELE?

Mesmo assim, não fugi. Permaneci oculto atrás de algumas latas de lixo, observando a batalha que começava.

— Cale-se! — Ordenava o homem. — Cale-se! — Insistia.

Tolo. Era melhor que eu fugisse. O homem estava tentando domar a pantera a mandando se calar. Ela certamente o mataria.

Presenciei a pantera movendo-se em direção a ele, saltando com vigor e fazendo-o rolar pelo solo rígido de concreto. O homem que surgira com a intenção de tirar minha vida, agora estava prestes a ter a sua própria ceifada pelo animal de pelagem negra. O uivo da pantera reverberava pelos becos, fundindo-se aos murmuros agonizantes do homem. Não tive opção, era fugir antes que me tornasse a próxima presa.

Retornei ao interior do circo, certificando-me de que todos os trincos fossem devidamente acionados para garantir a segurança durante a passagem. O espetáculo estava quase no fim e era crucial manter as pessoas dentro da tenda: a fera, após aniquilar o homem de cabelos avermelhados, poderia atacar  qualquer um. O fulgor intenso das luzes do picadeiro formava um contraste acentuado com a escuridão lá fora, criando uma ilusão de segurança.

— Maya! — Chamei ofegante, enquanto corria em direção à jovem asiática. — Há uma pantera do lado de fora, devemos manter todos aqui dentro.

— Como assim? — Ela não compreendeu de imediato. — Cato, está tudo bem com você?

— Há uma pantera-negra do lado de fora, uma onça! — Exclamei, com o pânico crescendo em mim.

— Há uma onça do lado de fora! — Ao ouvir isso, o palhaço Petit começou a zombar de mim, enchendo o camarim de risadas. Ele se desmaqueava de maneira exagerada, desfazendo-se das cores chamativas, o que tornava a cena ainda mais bizarra.

— Não estou brincando, existe um felino do lado de fora que ameaça machucar toda a plateia! — Minha voz vacilava, contudo, eu estava certo do que tinha visto.

— O que disse, Cato? — Felicia se aproximou com curiosidade. — Um felino?

— Uma pantera. — Ela parecia duvidosa, porém inquieta.

— Cato não está bem, Feli — disse Petit, com um tom de desdém, tentando me ridicularizar. — Deve ser apenas um gatinho preto. — adicionou, imitando os meus trejeitos. — Ah, como é supersticioso!

— Vou verificar. — Felicia se afastou para a saída. — Entretanto, assegurem-se de bloquear todas as saídas. Se for verdade, não podemos arriscar a segurança das pessoas que pagaram para nos ver.

— Felicia! — Exclamei, mas a situação de emergência não a faria voltar. Minhas palavras pareciam vozear sem impacto, como se o pânico tivesse roubado a autoridade delas.

Petit e Maya se entreolharam.

— Vou buscar o Elliott. Por favor, entre em contato com a Guarda Municipal. — sugeriu Maya, tomando a iniciativa.

 — Claro. — concordou Petit, com um tom irônico enquanto revirava os olhos.

Através da cortina do palco, pude encontrar Hero. Felizmente, ele não estava em cena naquele momento. Era a vez de sua irmã Tabitha, responsável pela última performance da noite. A mulher de cabelos loiros apresentava números envolvendo serpentes. Não costumávamos usar animais em nossos espetáculos, mas essas serpentes eram uma tradição da família Berlutti, os donos do circo. Tabitha tinha uma relação diferente com ela do que seu pai e seu irmão; as tratava como se fossem humanas. Durante a apresentação, Tabitha interagia com as cobras, alimentando-as com ratos e até se acomodando em seus ninhos. O ponto alto da apresentação era um número com uma cobra naja, em que Tabitha executava danças que eram incrivelmente imitadas pela serpente. Este era um momento que, de algum modo, sempre fascinava o público.

— Hero. Precisamos fechar os portões. — Falei com o coração pulsando. — Tem uma onça nos arredores do circo.

— Ah, Cato! — Ele explodiu, liberando a frustração pelo meu erro no trapézio. — Já entendi, seu objetivo é manter o público aqui para tentar realizar seu número novamente, não é?

— Você precisa me ouvir, He...

— Cato, você cometeu um erro. Isso acontece! — Ele disse, me depreciando. — Sempre existe a oportunidade de melhorar. Basta treinar mais! — Seu desprezo era quase tangível, como se minhas palavras fossem meramente uma desculpa.

Percebi que a apresentação de Tabitha estava terminando, com algumas pessoas já se levantando de seus assentos. Era hora de tomar uma atitude.

— Hero, há uma sujeira na sua cartola — disse eu, fazendo-o olhar para cima. Rapidamente, peguei seu microfone que estava no paletó e corri entre as cortinas em direção à plateia.

— Senhores, por favor, permaneçam no picadeiro. Existe uma onça rondando as proximidades do circo. Para garantir sua segurança, é imprescindível que permaneçam no picadeiro. — Anunciava com rapidez, sendo prontamente alcançado por Hero. 

A minha atitude impensada, mas correta, foi o suficiente para causar um alvoroço.

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