O circo estava impecavelmente limpo. Qualquer resquício de sangue havia sido meticulosamente removido, embora ainda fosse visível os vestígios da batalha ocorrida nos bastidores. As cordas que antes prendiam meus colegas permaneciam no mesmo lugar, e a fechadura da porta continuava quebrada. Apesar disso, o local apresentava-se limpo.— Você está bem. — Maya se aproximou de mim para me dar um abraço.— Ai! — A pressão nas minhas costas causou dor.— Desculpe. — Seu irmão Petit, parado atrás, apenas esboçava um sorriso sem demonstrar muita simpatia por mim. — Estou contente em te ver.— O que aconteceu?— Elliott está aqui. — O palhaço afirmou. — As coisas não estão boas no camarim, eu acho.— Por quê? — Indaguei, desconfiado.— Hero não parecia contente quando entrou. — Maya afirmou.— Queria ser uma mosquinha para espiar a conversa lá dentro. — Ele afirmou, enquanto sua irmã lhe dava um tapa repreensível no ombro.— Você não consegue segurar a língua, não é? — Maya resmungou.De fato
Caminhava cuidadosamente, esforçando-me para não fazer muito barulho. Ansiava que meus passos fossem silenciosos como se pisassem em algodões, mas quanto mais tentava ser discreto, mais desajeitado me tornava. Acabei tropeçando, causando a queda de alguns livros, e atraindo olhares para mim. Através de um gesto com as mãos, pedi desculpas, mas ninguém ali pareceu aceitar, voltaram a virar suas caras para os livros sem falar qualquer coisa. Assim, agachei-me para recolher os exemplares do chão.— Não é tão bom com o silêncio, não é? — Alys perguntou, aparecendo de supetão e auxiliando-me.— Eu venho do circo, cê sabe. — Parece que o meu sorriso bobo conseguiu convencê-la da minha desculpa.— Vem para a parte da poesia. — Ela me puxava para o lugar mais reservado. — Ninguém fica aqui.— Por quê?— 2024, Cato. — Ela justifica, apontando para as cadeiras vazias e os livros empilhados nas prateleiras. — Ou estão lendo online, ou estão na ala de fantasia lendo sobre vampiros e lobisomens.A
Os sentimentos que nutro por Alys começaram a florescer recentemente. Desde o nosso primeiro encontro na Universidade de Beaston, temos fortalecido nossa conexão. Tenho a sensação de que as outras meninas não gostam muito da companhia dela. Nunca a observei compartilhando conversas com outras garotas durante os intervalos. Foi por essas semelhanças que nos aproximamos. Dois lobos solitários, perdidos em uma universidade um tanto caótica.Acredito que, naquela época, como recém-chegada, ter tantas pessoas era uma novidade para a garota, e a adaptação levou algum tempo. Hoje em dia, a vejo com algumas meninas ocasionalmente na quadra, mas sua verdadeira paixão parece residir nos livros. Ela está sempre com algum exemplar em mãos e, provavelmente, carrega outro na bolsa também.No entanto, Alys não foi a primeira pessoa por quem desenvolvi sentimentos. Ainda no orfanato, havia um rapaz de quem eu gostava muito. Embora tivéssemos a mesma idade, a separação de quartos e setores, se tornou
Leoni retirou mais uma garrafa de vodca do seu refrigerador. Quantas ele poderia possuir? E como conseguia comprar tantas? No entanto, esses detalhes não eram importantes. Eu o observei abrir a tampa com os dentes, girando-a até cuspi-la, enquanto eu permanecia parado, com os braços cruzados, aguardando uma resposta.— Você precisa tomar cuidado com esta garota. — Ele afirmou, ao sentar-se.— Cuidado? — Franzi a sobrancelha, me aproximando. — Por quê? — Insisti.Ele não me ofereceu uma resposta. Permaneceu concentrado em consumir a bebida alcoólica, o que começava a me provocar estresse. O comportamento ríspido de Leoni às vezes me deixava irritado.— Responda! — Gritei.Ele suspirou profundamente enquanto eu me ajeitava na cama, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.— Se você não aprender a se controlar, Cato, a Lua não te ajudará. — Ele expressou-se de maneira enigmática.Sentado ao seu lado, sentia uma pressão intensa sobre meus ombros, como uma bigorna forçando meu corpo para
Minha discussão com Alys foi esclarecedora, causando certa melancolia ao reconhecer que meu tio não compartilhou toda a verdade comigo. Ele ocultou algumas informações, mas retrospectivamente, acredito que não teria feito diferença conhecer a sua conexão com os Ravenclaw. Afinal, como ele poderia prever que eles também me perseguiriam?Alys me fascina, penso enquanto me acomodo na sala de aula, abrindo minha mochila para anotar as informações que o professor começa a escrever no quadro. Com o caderno aberto, registro sem prestar muita atenção ao significado das palavras, vendo-as apenas como códigos a serem transcritos. Será que a menina de cabelos encaracolados teria me enganado, ou ela desconhecia minha linhagem ancestral? Agora, não posso mais confiar nela. Apenas Felicia demonstrou ser digna da minha confiança. Por enquanto.O professor inicia sua explicação sobre como proceder em situações de acidentes e fraturas, uma informação crucial para nós, futuros educadores físicos. No en
Acelero meu ritmo ao máximo em direção à floresta. Este lugar, afastado de tudo que experimento em Beaston, proporciona-me uma certa tranquilidade à medida que aumento o compasso do meu andar; e o aroma herbáceo invade as minhas narinas. Não faço pausas para descansar. Manter-me em movimento permite-me mergulhar completamente na minha essência recém-descoberta. Eu corro até meu coração bater intensamente, minhas pernas doerem e meus pensamentos desaparecerem.Desde a falsidade de Leoni e Felicia, já se passaram dois dias desde o meu desaparecimento. Não tive a audácia de ir ao Circo presenciar o dano que havia causado na perna de Tabitha. Mesmo não sendo o responsável pelo incidente, sinto-me assim, uma vez que as panteras estavam buscando a mim. Ela apenas tentou se defender.— A Lua Cheia é amanhã, Cato. — Leoni me surpreende ao aparecer entre os arbustos. — Achou que se esconderia por quanto tempo?Observo que ele se aproxima segurando generosos pedaços de carne em cada mão, cujo s
A combinação do susto e da vergonha causou o desaparecimento da minha ereção, ao mesmo tempo que as garras começaram a recuar. No entanto, as presas permaneceram visíveis, assim como o rubor da vergonha em meu rosto.— Nada aconteceu, Cato. — Ela me tranquilizou enquanto despertava, espreguiçando. — Eu demorei a dormir, fiquei atenta por causa do que você disse, sobre o sangue. — A vejo se sentar na cama. — Como meu pai caiu no sono, eu acabei voltando para cá e fiquei te olhando.— Me olhando? — Fiquei surpreso. — Por que?— Não sei... Tive medo que algo pudesse acontecer. — Ela falou relaxando os ombros. — Mas caí no sono, e quando acordei, bem, você estava fazendo este escândalo.— Desculpa. — Pedi.Porém, antes que pudéssemos prosseguir com a nossa conversa, o pai dela bateu à porta, indagando sobre a minha presença. Imediatamente, me apressei para me esconder.— Alys? — Ele abriu a porta. — Está conversando com alguém? — Eu ouvia os dois de dentro doguarda-roupa, sentindo as best
A perspectiva de inércia era um privilégio. Todos os meus membros - braços, pernas, tornozelos, cotovelos, mãos, pés, dedos - estavam em constante movimento, estralando como o ruído de um avalanche em desmoronamento, embora com uma intensidade dez vezes maior. Era como se meus ossos estivessem se deslocando de seus lugares, quebrando-se por conta própria, para dar lugar a novas estruturas que se formavam a partir do que havia se rompido dentro de mim. O som era tão avassalador que os meus gritos agudos soavam como meros sussurros. Eu estava em plena transformação e a dor era tão intensa quanto haviam me advertido.Ao ganhar consciência visual, eu não conseguia discernir o local onde me encontrava. Movimentos involuntários do meu corpo me arremessavam contra uma parede robusta. Ainda havia terra em meu corpo e um pouco de sangue nos orifícios, mas certamente não estava mais em uma cova. Alguém havia me resgatado — ou sequestrado. Tentava compreender se estava estático ou em movimento,