3 - Devaneio Felino?

Tabitha, ainda envolvendo seu corpo com as serpentes, se sentia desconfortável e temia pela segurança das cobras. Contudo, sua confusão não superava a da plateia, que iniciava um caos na arquibancada. O sussurro de pânico se intensificava em vozes de desespero.

Os espectadores na arquibancada iniciavam uma confusão, buscando apressadamente a saída por todas as direções. As crianças, tomadas pelo pânico, choravam assustadas. Alguns tropeçavam e caíam, ferindo-se nas escadas da arquibancada. Eles deveriam estar surdos. Eu havia alertado que estavam seguros dentro do picadeiro, e agora, paradoxalmente, tentavam escapar na direção do perigo.

— Tem uma onça ou não tem? Não, não senhor. — O loiro arrebatava o microfone de minhas mãos. — E o trapezista o que é? O mentiroso do tripé! — Ele proferia com um tom ligeiro, como se tudo não passasse de um grandioso espetáculo. A plateia, rapidamente, alterou seu humor. O riso retornou entre o público acreditando ter sido uma piada, contudo, eu estava consciente da realidade do perigo.

Eles pareciam incrédulos. Por que duvidavam do que eu havia dito?

Retornei ansiosamente às cortinas enquanto Hero concluía o espetáculo com suas brincadeiras, proporcionando tranquilidade ao público. Felizmente, a Guarda Municipal estava a caminho.

— Maya, você conseguiu trancar as portas? — Minha voz soou mais alta do que eu pretendia.

Notei que não apenas Maya, mas seu irmão Petit estava lá, aplicando um curativo no ombro de Felicia. Como ela teria se machucado?

— Está tudo bem com você, Cato? — perguntou a asiática, a preocupação claramente refletida em seus olhos.

— Você trancou a porta, Maya?

— Não há felino algum do lado de fora, Cato. Eu mesma verifiquei — confirmou a mulher de cabelos castanhos. — Há apenas lixo.

— E um ferro. Olhe a profundidade desse machucado! — Petit não estava zombando mais. — Felicia poderia ter se machucado feio, Cato!

Não poderia ser uma ilusão. Poderia? A visão daquele homem de barba ruiva sendo atacado pelo felino era puro devaneio? O rugido da fera ainda ecoava em meus ouvidos, seguido pela imagem da pantera saltando sobre Leoni. Nada daquilo poderia ser apenas fruto da minha imaginação.

Não me abalava o fato de ninguém no circo confiar em mim, uma vez que eu era novo ali. Elliott havia me adotado há menos de seis meses, juntamente com Felicia. Era até compreensível que suspeitassem de meu comportamento estranho no primeiro dia de apresentação. Porém, Felicia, minha irmã adotiva, negou ter notado algo incomum do lado de fora. Eu confiava plenamente nela. Será que o problema estava em mim? Os questionamentos começavam a borbulhar a mente.

— Copperan, compareça à sala imediatamente. Você esteve à beira de arruinar o espetáculo. — Hero rapidamente perdia seu encanto fora do picadeiro. Seus olhos expressavam severidade, destituídos da diversão habitual dos palcos.

— Calma, amor. — Felicia pediu, levando uma das mãos até a dele. — Cato precisa respirar, ele teve uma noite difícil.

— E agora precisamos ajudar os que caíram das arquibancadas. Alguns se machucaram. — Petit alegou.

Ignorei o que todos disseram, virando de costas. Deixei o local imediatamente. Indiferente como antes, mas desta vez, ninguém clamava por meu nome. Retornei ao local do incidente, buscando indícios de sangue que a pantera teria derramado no chão, mas não encontrei nada. O solo estava impecável. Não havia indícios de luta.

— Cato? — A voz suave e sutil de Alys, a jovem de cabelos cacheados, me chamou. — O que aconteceu no final?

— Foi apenas uma brincadeira, Alys. — disse eu, com pouca convicção, sentindo o peso das dúvidas me oprimir.

— Não parecia. Todos estavam muito assustados, inclusive você. — afirmou ela, com os olhos repletos de preocupação.

Respirei profundamente. A possibilidade de estar perdendo a sanidade parecia se tornar real.

— Eu fracassei na apresentação. — Disse cabisbaixo.

— A apresentação foi espetacular. Você foi incrível! — Ela me elogiou, aproximando-se de mim com um sorriso que iluminava a escuridão da noite.

— Em meio à pressa, não tive a oportunidade de agradecer. Obrigado por sua presença, Alys. — Nosso encontro inusitado junto às caçambas de lixo tornou-se um momento especial. Sua companhia trouxe alívio para minha mente perturbada.

— Nos encontraremos na aula amanhã? — Ela perguntou, com um sorriso. Naquele riso bradava uma esperança, um convite para sair daquele pesadelo.

Pela primeira vez no dia, sorri, me agarrando à promessa de um amanhã menos confuso. No entanto, aquele dia estava longe de chegar ao seu fim dessa maneira.

Quando a pequena Alys Ravenclaw se afastou, o homem surgiu novamente diante de mim, clamando por meu nome.

— Siga-me. — Disse ele, com um pano pressionado contra o ombro que sangrava.

Não consegui reagir. Permaneci imóvel como uma estátua, mas ciente do que via. Havia algo escondido que somente meus olhos enxergavam?

— Você não ouviu, garoto? — Ele exclamava, liberando um grunhido suprimido de dor. — Siga-me.

— Por que eu seguiria alguém que deseja me matar?

— Todos estão à sua procura para matá-lo. — afirmou ele, caminhando com firmeza, surpreendentemente para alguém que havia sido atacado por uma pantera. Como, no entanto, ele havia sobrevivido? E qual seria o paradeiro do animal? Onde estavam os rastros?

Caminhamos por alguns minutos, sem trocarmos uma palavra. O silêncio só era interrompido pelos seus murmúrios de dor enquanto repousava a atadura no ombro ferido. Com a mente distante, notei que sua lesão era semelhante à de Felicia, porém maior mas na mesma região. Era improvável que fosse uma simples coincidência.

Dobramos uma esquina, entrando em um beco, onde uma pequena portinhola no chão revelou um quarto subterrâneo, acessível por uma escada decrescente.

— Você primeiro. — ele instruiu, retirando uma pequena bolsa de areia e formando um círculo em torno da pequena porta. O gesto me remeteu aos rituais mágicos que costumava assistir nos filmes.

Ao descer, analisei o ambiente sombrio. O espaço abrigava uma cama de casal, uma estante de madeira antiga, um pequeno refrigerador e várias araras exibindo uma diversidade de jaquetas de couro. Algumas pareciam tão antigas que davam a impressão de pertencer a séculos passados, enquanto outras eram tão felpudas que pareciam confeccionadas a partir de peles de animais.

— São itens de coleção. — Ele respondeu, percebendo minha curiosidade. O homem removeu a jaqueta e a blusa, pendurando-as no cabideiro, revelando um corpo esculpido por músculos diante dos meus olhos. Depois, dirigiu-se ao frigobar, retirou uma garrafa de vodca e se acomodou na cama.

— O que você quer de mim? — Perguntei a Leoni.

— Como eu disse, eu vim para matá-lo, Cato. — Respondeu com a canhota ainda pressionando o ferimento.

— E por que não me matou no orfanato? Ou no caminho para cá? — Eu indaguei.

— Os tigres têm uma preferência distinta pela caça. — Ele fez uma pausa, tomando um gole de sua bebida. — Você, por outro lado, representa uma presa demasiadamente fácil. Isso retira todo o encanto.

Eu o encarei com temor até que ele começou a gargalhar.

— Estou apenas brincando — ele disse, colocando cuidadosamente a garrafa de volta em uma das prateleiras.

Ele removeu o colar de seu pescoço e o colocou na palma de sua mão livre.

— Em nossa herança, a morte não significa o fim. Ela representa a transição para um nível superior de poder.

Nenhum dos argumentos dele fez sentido para mim. Linhagem? Como isso estaria relacionado ao pingente que carrego desde o meu nascimento?

— Você não é apenas um ser humano. Você é um Gato Pardo, dotado de sete vidas mágicas.

— Acredito que você tenha bebido além da conta. — Retruquei, dirigindo-me à escada.

— Você está livre para partir, não planejo impedir. No entanto, o que espera por você lá fora também está em busca de sua vida. Após anos protegido por sua mãe, agora você foi exposto.

Minha mãe?

— Do que você está falando? Você conheceu minha mãe? Quem é você?

— Leoni Vulpard, descendente da nobre linhagem felina dos Vulpards.

— Linhagem felina?

— Você está fazendo muitas perguntas, eu entendo. — Ele afirmou, visivelmente irritado, erguendo-se em minha direção. — Mas a realidade b**e a sua porta.

— Você aparenta falar mais do que agir. Me desculpa, mas eu não vou acreditar no que um velho bêbado diz.

Ouvi o som estridente da garrafa quebrando-se contra a parede, com os estilhaços de vidro se dispersando pelo chão, acompanhados pelo líquido alcoólico.

Tomado pela fúria, provocada por minhas palavras, Leoni aproximou-se para diminuir a distância entre nós, me forçando a recuar alguns passos. A transformação começou a se manifestar na pele áspera de seus braços e pernas, onde os pelos começaram a se multiplicar, assumindo um tom vermelho vivo, semelhante ao de seus cabelos, mesclado com o tom alaranjado do seu olhar vivo. De seus dedos emergiram garras afiadas, e por último, revelou-se o volume sinistro de presas em sua boca. A realidade se impôs diante de mim: ele não estava mentindo.

— Acredita em mim agora? — Ele questionou com uma voz rouca e um tom intimidante.

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