Tabitha, ainda envolvendo seu corpo com as serpentes, se sentia desconfortável e temia pela segurança das cobras. Contudo, sua confusão não superava a da plateia, que iniciava um caos na arquibancada. O sussurro de pânico se intensificava em vozes de desespero.
Os espectadores na arquibancada iniciavam uma confusão, buscando apressadamente a saída por todas as direções. As crianças, tomadas pelo pânico, choravam assustadas. Alguns tropeçavam e caíam, ferindo-se nas escadas da arquibancada. Eles deveriam estar surdos. Eu havia alertado que estavam seguros dentro do picadeiro, e agora, paradoxalmente, tentavam escapar na direção do perigo.
— Tem uma onça ou não tem? Não, não senhor. — O loiro arrebatava o microfone de minhas mãos. — E o trapezista o que é? O mentiroso do tripé! — Ele proferia com um tom ligeiro, como se tudo não passasse de um grandioso espetáculo. A plateia, rapidamente, alterou seu humor. O riso retornou entre o público acreditando ter sido uma piada, contudo, eu estava consciente da realidade do perigo.
Eles pareciam incrédulos. Por que duvidavam do que eu havia dito?
Retornei ansiosamente às cortinas enquanto Hero concluía o espetáculo com suas brincadeiras, proporcionando tranquilidade ao público. Felizmente, a Guarda Municipal estava a caminho.
— Maya, você conseguiu trancar as portas? — Minha voz soou mais alta do que eu pretendia.
Notei que não apenas Maya, mas seu irmão Petit estava lá, aplicando um curativo no ombro de Felicia. Como ela teria se machucado?
— Está tudo bem com você, Cato? — perguntou a asiática, a preocupação claramente refletida em seus olhos.
— Você trancou a porta, Maya?
— Não há felino algum do lado de fora, Cato. Eu mesma verifiquei — confirmou a mulher de cabelos castanhos. — Há apenas lixo.
— E um ferro. Olhe a profundidade desse machucado! — Petit não estava zombando mais. — Felicia poderia ter se machucado feio, Cato!
Não poderia ser uma ilusão. Poderia? A visão daquele homem de barba ruiva sendo atacado pelo felino era puro devaneio? O rugido da fera ainda ecoava em meus ouvidos, seguido pela imagem da pantera saltando sobre Leoni. Nada daquilo poderia ser apenas fruto da minha imaginação.
Não me abalava o fato de ninguém no circo confiar em mim, uma vez que eu era novo ali. Elliott havia me adotado há menos de seis meses, juntamente com Felicia. Era até compreensível que suspeitassem de meu comportamento estranho no primeiro dia de apresentação. Porém, Felicia, minha irmã adotiva, negou ter notado algo incomum do lado de fora. Eu confiava plenamente nela. Será que o problema estava em mim? Os questionamentos começavam a borbulhar a mente.
— Copperan, compareça à sala imediatamente. Você esteve à beira de arruinar o espetáculo. — Hero rapidamente perdia seu encanto fora do picadeiro. Seus olhos expressavam severidade, destituídos da diversão habitual dos palcos.
— Calma, amor. — Felicia pediu, levando uma das mãos até a dele. — Cato precisa respirar, ele teve uma noite difícil.
— E agora precisamos ajudar os que caíram das arquibancadas. Alguns se machucaram. — Petit alegou.
Ignorei o que todos disseram, virando de costas. Deixei o local imediatamente. Indiferente como antes, mas desta vez, ninguém clamava por meu nome. Retornei ao local do incidente, buscando indícios de sangue que a pantera teria derramado no chão, mas não encontrei nada. O solo estava impecável. Não havia indícios de luta.
— Cato? — A voz suave e sutil de Alys, a jovem de cabelos cacheados, me chamou. — O que aconteceu no final?
— Foi apenas uma brincadeira, Alys. — disse eu, com pouca convicção, sentindo o peso das dúvidas me oprimir.
— Não parecia. Todos estavam muito assustados, inclusive você. — afirmou ela, com os olhos repletos de preocupação.
Respirei profundamente. A possibilidade de estar perdendo a sanidade parecia se tornar real.
— Eu fracassei na apresentação. — Disse cabisbaixo.— A apresentação foi espetacular. Você foi incrível! — Ela me elogiou, aproximando-se de mim com um sorriso que iluminava a escuridão da noite.
— Em meio à pressa, não tive a oportunidade de agradecer. Obrigado por sua presença, Alys. — Nosso encontro inusitado junto às caçambas de lixo tornou-se um momento especial. Sua companhia trouxe alívio para minha mente perturbada.
— Nos encontraremos na aula amanhã? — Ela perguntou, com um sorriso. Naquele riso bradava uma esperança, um convite para sair daquele pesadelo.
Pela primeira vez no dia, sorri, me agarrando à promessa de um amanhã menos confuso. No entanto, aquele dia estava longe de chegar ao seu fim dessa maneira.
Quando a pequena Alys Ravenclaw se afastou, o homem surgiu novamente diante de mim, clamando por meu nome.
— Siga-me. — Disse ele, com um pano pressionado contra o ombro que sangrava.
Não consegui reagir. Permaneci imóvel como uma estátua, mas ciente do que via. Havia algo escondido que somente meus olhos enxergavam?
— Você não ouviu, garoto? — Ele exclamava, liberando um grunhido suprimido de dor. — Siga-me.
— Por que eu seguiria alguém que deseja me matar?
— Todos estão à sua procura para matá-lo. — afirmou ele, caminhando com firmeza, surpreendentemente para alguém que havia sido atacado por uma pantera. Como, no entanto, ele havia sobrevivido? E qual seria o paradeiro do animal? Onde estavam os rastros?
Caminhamos por alguns minutos, sem trocarmos uma palavra. O silêncio só era interrompido pelos seus murmúrios de dor enquanto repousava a atadura no ombro ferido. Com a mente distante, notei que sua lesão era semelhante à de Felicia, porém maior mas na mesma região. Era improvável que fosse uma simples coincidência.
Dobramos uma esquina, entrando em um beco, onde uma pequena portinhola no chão revelou um quarto subterrâneo, acessível por uma escada decrescente.
— Você primeiro. — ele instruiu, retirando uma pequena bolsa de areia e formando um círculo em torno da pequena porta. O gesto me remeteu aos rituais mágicos que costumava assistir nos filmes.
Ao descer, analisei o ambiente sombrio. O espaço abrigava uma cama de casal, uma estante de madeira antiga, um pequeno refrigerador e várias araras exibindo uma diversidade de jaquetas de couro. Algumas pareciam tão antigas que davam a impressão de pertencer a séculos passados, enquanto outras eram tão felpudas que pareciam confeccionadas a partir de peles de animais.
— São itens de coleção. — Ele respondeu, percebendo minha curiosidade. O homem removeu a jaqueta e a blusa, pendurando-as no cabideiro, revelando um corpo esculpido por músculos diante dos meus olhos. Depois, dirigiu-se ao frigobar, retirou uma garrafa de vodca e se acomodou na cama.
— O que você quer de mim? — Perguntei a Leoni.
— Como eu disse, eu vim para matá-lo, Cato. — Respondeu com a canhota ainda pressionando o ferimento.
— E por que não me matou no orfanato? Ou no caminho para cá? — Eu indaguei.
— Os tigres têm uma preferência distinta pela caça. — Ele fez uma pausa, tomando um gole de sua bebida. — Você, por outro lado, representa uma presa demasiadamente fácil. Isso retira todo o encanto.
Eu o encarei com temor até que ele começou a gargalhar.
— Estou apenas brincando — ele disse, colocando cuidadosamente a garrafa de volta em uma das prateleiras.
Ele removeu o colar de seu pescoço e o colocou na palma de sua mão livre.
— Em nossa herança, a morte não significa o fim. Ela representa a transição para um nível superior de poder.
Nenhum dos argumentos dele fez sentido para mim. Linhagem? Como isso estaria relacionado ao pingente que carrego desde o meu nascimento?
— Você não é apenas um ser humano. Você é um Gato Pardo, dotado de sete vidas mágicas.
— Acredito que você tenha bebido além da conta. — Retruquei, dirigindo-me à escada.
— Você está livre para partir, não planejo impedir. No entanto, o que espera por você lá fora também está em busca de sua vida. Após anos protegido por sua mãe, agora você foi exposto.
Minha mãe?
— Do que você está falando? Você conheceu minha mãe? Quem é você?
— Leoni Vulpard, descendente da nobre linhagem felina dos Vulpards.
— Linhagem felina?
— Você está fazendo muitas perguntas, eu entendo. — Ele afirmou, visivelmente irritado, erguendo-se em minha direção. — Mas a realidade b**e a sua porta.
— Você aparenta falar mais do que agir. Me desculpa, mas eu não vou acreditar no que um velho bêbado diz.
Ouvi o som estridente da garrafa quebrando-se contra a parede, com os estilhaços de vidro se dispersando pelo chão, acompanhados pelo líquido alcoólico.
Tomado pela fúria, provocada por minhas palavras, Leoni aproximou-se para diminuir a distância entre nós, me forçando a recuar alguns passos. A transformação começou a se manifestar na pele áspera de seus braços e pernas, onde os pelos começaram a se multiplicar, assumindo um tom vermelho vivo, semelhante ao de seus cabelos, mesclado com o tom alaranjado do seu olhar vivo. De seus dedos emergiram garras afiadas, e por último, revelou-se o volume sinistro de presas em sua boca. A realidade se impôs diante de mim: ele não estava mentindo.
— Acredita em mim agora? — Ele questionou com uma voz rouca e um tom intimidante.
O aroma da chuva fresca que acompanhava o pingente com a figura de um leão; seguido pelas sardas no rosto de Felícia que apareciam quando ela, de forma tímida, inclinava a cabeça ao me ver; as pancadas e golpes que recebi na região das costelas dos garotos do orfanato; Leoni me observando com seus olhos de cor laranja no pátio; o momento em que Elliott me introduziu ao fascinante mundo do circo; as covinhas que ficavam ocultas pelos cabelos encaracolados de Alys na universidade; o sabor único do bolo de Maya que provocou vômito em todos naquele dia; a vez que permiti que a píton se enrolasse em meu pescoço; os treinos intensivos que Hero exigia no trapézio; o dia em que encarei a plateia pela primeira vez. Dizem que, ao morrer, sua vida passa diante de seus olhos como um filme. Foi o que aconteceu.Caminhava pelas vias sombrias, fugindo daquele pesadelo. Possivelmente, estava lidando com uma crise de exaustão, o famoso burnout. Corria ocasionalmente olhando para trás
Ouvi o movimento daquelas criaturas gelatinosas deslizando sobre minha pele, misturando os grãos de terra sobre meu corpo. A forma que se moviam chegava a gerar pequenas descargas elétricas ao tocar as extremidades de minha pele. Causavam desconforto, como espinhos penetrando minha derme. Senti a ponta dos meus dedos se contorcer lentamente. Primeiro, veio a audição; depois, o tato. No entanto, não havia nada para os meus olhos enxergarem quando a visão se fez presente. O pior não foi a sensação angustiante da total escuridão. Foi a incapacidade de respirar quando o olfato se ativou. Em um ato de desespero, meu corpo se levantou, espalhando terra por todos os lados.— Ele está vivo. — Leoni se agachou diante do meu túmulo, com Felicia de pé ao seu lado.Os pelos em meus braços, pernas e rosto começaram a crescer ao ritmo pulsante do meu coração, assim como as garras saltando de meus dedos. Meus olhos, antes cegos pela escuridão, agora brilhavam com um tom cintilante. Um vazio consumia
A força do meu antebraço pressionando a jugular do homem de cabelos ruivos interferia na sua respiração, mas ele permanecia resistente, mesmo com a passagem de ar por suas narinas se tornando mais restrita. Sua percepção visual parecia se intensificar à medida que o meu fôlego se tornava mais arfante, e o brilho em seus olhos voltava a assumir uma tonalidade alaranjada. Gradualmente, senti as pulsações das minhas veias diminuindo e a minha respiração voltando ao normal, momento em que o libertei do confinamento contra a parede.— Você precisa aprender a se controlar, garoto. — Ele empurrou meu peitoral com as palmas das mãos abertas. — E nunca mais mexa na minha coleção. — Disse, recolhendo a jaqueta que havia derrubado da arara.Havia algo singular na maneira como Leoni me olhava. Não se tratava apenas de um instinto de proteção familiar. Parecia que eu o fazia recordar alguém, que ele não via há um longo período. Uma reminiscência vívida, esquecida, mas ainda assim carinhosa ao mesm
O circo estava impecavelmente limpo. Qualquer resquício de sangue havia sido meticulosamente removido, embora ainda fosse visível os vestígios da batalha ocorrida nos bastidores. As cordas que antes prendiam meus colegas permaneciam no mesmo lugar, e a fechadura da porta continuava quebrada. Apesar disso, o local apresentava-se limpo.— Você está bem. — Maya se aproximou de mim para me dar um abraço.— Ai! — A pressão nas minhas costas causou dor.— Desculpe. — Seu irmão Petit, parado atrás, apenas esboçava um sorriso sem demonstrar muita simpatia por mim. — Estou contente em te ver.— O que aconteceu?— Elliott está aqui. — O palhaço afirmou. — As coisas não estão boas no camarim, eu acho.— Por quê? — Indaguei, desconfiado.— Hero não parecia contente quando entrou. — Maya afirmou.— Queria ser uma mosquinha para espiar a conversa lá dentro. — Ele afirmou, enquanto sua irmã lhe dava um tapa repreensível no ombro.— Você não consegue segurar a língua, não é? — Maya resmungou.De fato
Caminhava cuidadosamente, esforçando-me para não fazer muito barulho. Ansiava que meus passos fossem silenciosos como se pisassem em algodões, mas quanto mais tentava ser discreto, mais desajeitado me tornava. Acabei tropeçando, causando a queda de alguns livros, e atraindo olhares para mim. Através de um gesto com as mãos, pedi desculpas, mas ninguém ali pareceu aceitar, voltaram a virar suas caras para os livros sem falar qualquer coisa. Assim, agachei-me para recolher os exemplares do chão.— Não é tão bom com o silêncio, não é? — Alys perguntou, aparecendo de supetão e auxiliando-me.— Eu venho do circo, cê sabe. — Parece que o meu sorriso bobo conseguiu convencê-la da minha desculpa.— Vem para a parte da poesia. — Ela me puxava para o lugar mais reservado. — Ninguém fica aqui.— Por quê?— 2024, Cato. — Ela justifica, apontando para as cadeiras vazias e os livros empilhados nas prateleiras. — Ou estão lendo online, ou estão na ala de fantasia lendo sobre vampiros e lobisomens.A
Os sentimentos que nutro por Alys começaram a florescer recentemente. Desde o nosso primeiro encontro na Universidade de Beaston, temos fortalecido nossa conexão. Tenho a sensação de que as outras meninas não gostam muito da companhia dela. Nunca a observei compartilhando conversas com outras garotas durante os intervalos. Foi por essas semelhanças que nos aproximamos. Dois lobos solitários, perdidos em uma universidade um tanto caótica.Acredito que, naquela época, como recém-chegada, ter tantas pessoas era uma novidade para a garota, e a adaptação levou algum tempo. Hoje em dia, a vejo com algumas meninas ocasionalmente na quadra, mas sua verdadeira paixão parece residir nos livros. Ela está sempre com algum exemplar em mãos e, provavelmente, carrega outro na bolsa também.No entanto, Alys não foi a primeira pessoa por quem desenvolvi sentimentos. Ainda no orfanato, havia um rapaz de quem eu gostava muito. Embora tivéssemos a mesma idade, a separação de quartos e setores, se tornou
Leoni retirou mais uma garrafa de vodca do seu refrigerador. Quantas ele poderia possuir? E como conseguia comprar tantas? No entanto, esses detalhes não eram importantes. Eu o observei abrir a tampa com os dentes, girando-a até cuspi-la, enquanto eu permanecia parado, com os braços cruzados, aguardando uma resposta.— Você precisa tomar cuidado com esta garota. — Ele afirmou, ao sentar-se.— Cuidado? — Franzi a sobrancelha, me aproximando. — Por quê? — Insisti.Ele não me ofereceu uma resposta. Permaneceu concentrado em consumir a bebida alcoólica, o que começava a me provocar estresse. O comportamento ríspido de Leoni às vezes me deixava irritado.— Responda! — Gritei.Ele suspirou profundamente enquanto eu me ajeitava na cama, como se tivéssemos todo o tempo do mundo.— Se você não aprender a se controlar, Cato, a Lua não te ajudará. — Ele expressou-se de maneira enigmática.Sentado ao seu lado, sentia uma pressão intensa sobre meus ombros, como uma bigorna forçando meu corpo para
Minha discussão com Alys foi esclarecedora, causando certa melancolia ao reconhecer que meu tio não compartilhou toda a verdade comigo. Ele ocultou algumas informações, mas retrospectivamente, acredito que não teria feito diferença conhecer a sua conexão com os Ravenclaw. Afinal, como ele poderia prever que eles também me perseguiriam?Alys me fascina, penso enquanto me acomodo na sala de aula, abrindo minha mochila para anotar as informações que o professor começa a escrever no quadro. Com o caderno aberto, registro sem prestar muita atenção ao significado das palavras, vendo-as apenas como códigos a serem transcritos. Será que a menina de cabelos encaracolados teria me enganado, ou ela desconhecia minha linhagem ancestral? Agora, não posso mais confiar nela. Apenas Felicia demonstrou ser digna da minha confiança. Por enquanto.O professor inicia sua explicação sobre como proceder em situações de acidentes e fraturas, uma informação crucial para nós, futuros educadores físicos. No en