Parte 3 -
Bianca
Agora, ele estava de pé, parado a poucos passos de mim, com uma expressão que eu não sabia decifrar. De perto, ele era ainda mais impressionante.
Os cabelos negros bem penteados, o rosto marcado com linhas de expressão, mas com um charme perigoso. Seu terno impecável só aumentava o contraste com o ambiente ao redor.
— Eu... S-sim, estou - gaguejei, tentando parecer calma, mas sentindo minhas pernas tremerem. — Só... Só um pouco perdida.
— Perdida? - ele inclinou a cabeça, os lábios curvando-se levemente. — Esse não é o tipo de lugar onde uma pessoa deveria estar perdida.
Senti o calor subir pelo meu rosto, incapaz de evitar a vergonha que me consumia.
— É a minha primeira vez aqui - confessei, sem conseguir manter o olhar.
— Isso explica muita coisa - ele parecia divertir-se, mas de uma maneira contida, quase perigosa.
— Você vem aqui sempre? - eu tentei puxar conversa, mas sabia que estava tropeçando nas palavras.
— Não, mas hoje... Algo me disse que seria uma noite interessante. - ele sorriu, e a forma como seus olhos me estudavam fazia meu coração disparar.
— Bi... Biatrice - me apresentei, sem pensar muito. — Meu nome é Biatrice - menti.
Ele me observou por um instante, como se analisasse o som do meu nome.
— Trajano - disse ele, finalmente.
— Trajano - repeti, sentindo o nome rolar pela minha língua. — É... Diferente.
Ele sorriu mais uma vez, desta vez com uma sombra de algo mais.
— Diferente, sim. Como você.
Fiquei sem resposta. Minha mente estava em um turbilhão, dividida entre o nervosismo de estar conversando com aquele homem desconhecido e a estranha atração que começava a surgir, apesar de todos os alarmes na minha cabeça.
De repente, senti a presença de Luísa de volta ao meu lado, trazendo um novo fôlego de alívio.
— Desculpa a demora! - ela olhou de Trajano para mim, e o sorriso travesso apareceu novamente em seus lábios. — E aí, quem é esse?
— Esse é... Trajano - eu respondi, ainda meio atordoada pela presença dele.
— Interessante... - murmurou Luísa, apertando meus ombros como se quisesse me encorajar. — Amiga, parece que sua noite vai ser mais interessante do que você imaginava.
Antes que eu pudesse responder, a música diminuiu, e um alarme ecoou pela minha cabeça, enquanto eu mirava aqueles olhos. E que olhos, meu Deus!
— E você, quem é? - ele fez um gesto com a cabeça.
— Meu nome é Luísa - ela balançou o corpo — Somos amigas.
— Ah, que bom! - sorriu — Posso oferecer uma bebida?
— Sim, minha cerveja já acabou - Luísa olhou pra mim — Você quer experimentar outra coisa? Parece que não gostou da cerveja.
— Na verdade, não gostei mesmo - franzi o nariz — Mas não sei o que pedir.
— Eu posso pedir pra você - ele respondeu — Algo suave.
— Não acho que seja bom aceitar uma bebida de um estranho.
— Agora não somos mais estranhos - ele respondeu com um sorriso de canto que me fez esquecer por um momento onde estava.
Antes que eu pudesse responder, o bartender apareceu com duas taças de vinho, e Trajano as colocou na minha frente.
— Prove. Se não gostar, peço outra coisa. Não tem que gostar da primeira opção, mas não pode misturar também.
Eu tomei um gole e, para minha surpresa, o vinho era perfeito. Suave, mas com um toque forte no final, assim como aquele homem.
— O que uma garota como você faz aqui, Biatrice? - me perguntou, inclinando-se um pouco mais perto.
O calor da proximidade dele me envolveu, e eu senti meu coração acelerar de novo, mas por um motivo bem diferente do que antes.
— Eu poderia te perguntar a mesma coisa - retruquei, tentando manter o controle, mas sabia que já estava envolvida.
— Digamos que hoje à noite, eu só estava esperando encontrar alguém... Interessante.
O sorriso de Trajano se alargou, e naquele momento, eu sabia que aquela noite não seria nada do que eu esperava.
A música mudou de repente, o ritmo rápido e pulsante deu lugar a uma batida suave, quase hipnótica.
As luzes da boate também diminuíram, criando uma atmosfera mais íntima, com sombras dançando pelas paredes e as pessoas ao redor parecendo desaparecer.
Senti uma mão firme e quente envolver a minha, e antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, Trajano estava me guiando para o centro da pista de dança.
— Vamos dançar?
Ele não fez uma pergunta exatamente, foi mais uma sugestão suave, uma forma de convite à qual eu não conseguia dizer não.
— Eu... Não sei dançar direito... - respondi, tentando resistir, mas ele já havia me puxado para mais perto.
— Você não precisa saber. Apenas sinta a música - ele rebateu, sua voz grave me envolvendo tanto quanto os braços dele ao redor da minha cintura.
Minhas mãos, hesitantes, pousaram nos ombros largos de Trajano, sentindo a textura firme do tecido do seu terno contra meus dedos trêmulos.
Estar tão próxima dele era como estar diante de algo desconhecido e perigoso, mas de uma forma que me fazia querer saber mais, mesmo que a razão me dissesse para fugir.
Enquanto nos movíamos lentamente ao som da música, eu não conseguia evitar o arrepio suave que percorria minha coluna a cada movimento dele.
Era um estranho. Um completo estranho. E, no entanto, a sensação de estar em seus braços era desconcertantemente familiar. Como se eu já conhecesse aquele toque, aquele cheiro, aquele olhar penetrante que ele me lançava de vez em quando, mas não conseguia sustentar.
Meu coração batia tão rápido que eu tinha certeza de que ele podia ouvir.
Meus pés mal tocavam o chão, não porque ele estivesse me conduzindo, mas porque minha mente parecia flutuar, desconectada da realidade.
E eu nem deveria estar aqui. Por muitas razões. Mais ainda por causa de meu pai.
Senti seu rosto mais próximo ao meu, seu hálito quente roçando meu ouvido.
— Você parece tensa.
— Eu... Estou bem - menti.
Na verdade, estava tudo menos bem.
Havia algo naquele homem que me desconcertava, algo que me puxava para ele de uma maneira que não sabia explicar.
Talvez fosse o mistério em seus olhos ou a forma como ele parecia tão seguro de si.
Ou talvez fosse o fato de que, por um breve momento, me senti livre, sem as correntes que me prendiam ao convento, à vida que eu não havia escolhido.
Eu era prometida a outro homem, um acordo que selava a paz entre duas famílias. Mas com Trajano, naquela pista de dança, sentia como se estivesse em um mundo paralelo, onde isso não importava.
Parte 4 -Bianca— Você não parece bem - ele insistiu, suavemente, seus dedos desenhando círculos lentos nas minhas costas, uma carícia quase imperceptível. — Mas não vou insistir. Não agora.Fiquei em silêncio, incapaz de formar uma resposta coerente. Era como se eu estivesse perdendo o controle sobre meus pensamentos, sobre mim mesma. A música continuava, lenta e suave, embalando nossos corpos em uma dança íntima que eu sabia que não deveria estar acontecendo.— Biatrice - ele disse depois de alguns minutos, o tom da sua voz mais suave, quase um sussurro. — Você mora por aqui?Engoli em seco, tentando me concentrar. — Não... Não exatamente.Desviei o olhar, lutando para manter uma fachada tranquila. Não podia contar nada a ele, não podia deixar escapar quem eu era ou de onde vinha. Seria um desastre.— Interessante - ele olhou para mim de maneira intensa, como se estivesse tentando desvendar cada segredo que eu escondia. — Então o que você faz? Quem é você, Biatrice?— Eu...As pa
Parte 5 -TrajanoEla era diferente. Não só pela maneira como parecia fora de lugar, mas pela forma como seu corpo reagia ao meu. Havia uma tensão ali, uma vibração que eu podia sentir, quase como se ela estivesse resistindo a algo... Ou a alguém. Não era só a música que movia nossos corpos, havia uma conexão. Um reconhecimento silencioso, mas real.Senti o corpo dela tenso contra o meu, as mãos dela pousando hesitantes nos meus ombros, mas ainda assim, ela não se afastou. Pelo contrário, mesmo com a hesitação, havia uma entrega que ela mesma talvez não percebesse.— Você parece tensa - eu disse, e podia sentir o leve estremecer do corpo dela em resposta. — Eu... Estou bem - ela murmurou, mas sabia que era mentira. O que estava acontecendo aqui? Eu acabara de a conhecer, e mesmo assim, sentia como se conhecesse aquela mulher há mais tempo. Como se já houvesse algo entre nós, algo que ainda não tinha nome, mas que estava ali, latente. E eu gostava disso. Eu gostava muito disso.
Parte 6...BiancaEu e Luísa nos esgueiramos pelo corredor do convento, tentando manter os passos leves, mas o eco das nossas respirações parecia amplificado no silêncio absoluto da madrugada. Meu coração batia com força no peito, e eu sentia o suor escorrer pelas costas, enquanto minhas mãos ainda tremiam da emoção de tudo o que havia acontecido na boate. Tínhamos conseguido voltar sem que ninguém notasse, mas o peso da nossa transgressão me fazia sentir que estávamos carregando o pecado estampado no rosto.Era até engraçado como alguns anos aqui dentro, me faziam sentir pecadora, por algo tão simples e livre como ir a uma boate.— Shh, devagar - sussurrei, sentindo minha respiração ofegante. — Acho que estamos seguras. Parece que ninguém nos viu sair.— Seguras? - Luísa bufou, tentando controlar uma risada nervosa. — Deus queira que sim. Se a Madre nos pegar...Coloquei o dedo na boca para ela ficar calada quando passamos em frente do quarto das irmãs mais velhas, que cuidavam da
Parte 7...BiancaA cela era fria e desprovida de qualquer conforto. As paredes de pedra, úmidas e ásperas ao toque, eram quase nuas, exceto por um crucifixo acima da cabeceira da cama estreita e dura.O chão também era de pedra fria. Ao lado da cama uma Bíblia em cima de uma cadeira de madeira. E não havia uma janela, só uma abertura no alto com barras de ferro, por onde entrava um pouco de luz da lua.Na cela não tinha aquecimento e o ar estava impregnado de um cheiro de incenso antigo, misturado à úmidade.Fiquei triste por Luísa ter levado a culpa de tudo. Na verdade, eu a incentivei mais. Desde que cheguei aqui eu já pensava em ir embora e depois que Luísa chegou, isso ficou mais forte.Ela também não sabia se queria ficar aqui e sua vontade maior não era essa, mas sua família a forçava a ser freira.— Bianca, venha comigo - a porta se abriu de vez e uma das freiras veio me chamar.Levantei e fui com ela até uma sala que fica no final do corredor. Isso já me preocupou porque eu s
Parte 8...BiancaEnquanto me encolhia naquela cela fria, o corpo ainda latejando do castigo, os joelhos doendo muito e ardendo, as sombras das paredes pareciam se fechar sobre mim. Aquilo era sufocante. Tudo o que eu conseguia ouvir era o eco da bronca da madre superiora e o som abafado da minha própria respiração. O que mais me torturava, no entanto, não era a dor física, mas o peso da memória.Fechei os olhos e voltei àquele dia, quando tudo mudou para mim.Eu tinha apenas treze anos quando fui chamada ao escritório do meu pai. Não era comum ele me chamar para conversar, muito menos naquele lugar, o ambiente mais proibido da casa para mim. O escritório dele era um mundo à parte, sempre repleto de homens de terno, conversas em voz baixa e olhares duros. O cheiro de tabaco e couro impregnava o ar.Quando entrei, ele estava sentado à mesa, os olhos fixos em um ponto qualquer, sem sequer me olhar. Meu coração disparou. Não sabia o que estava acontecendo, mas sentia que algo grande e
Parte 9...Bianca— Não estou vendo ninguém - eu abri a porta de fininho e olhei para os lados. O corredor estava deserto — Vamos agora ou nunca.Luísa assentiu com a cabeça, fazendo uma careta de dor, quando esfregou os joelhos de novo, que tinham pontos de sangue, assim como os meus, que ardiam ainda.A escuridão do convento parecia mais densa hoje à noite. O silêncio era opressor, apenas quebrado pelo som suave de nossos passos rápidos no corredor. Luísa e eu saímos da cela de punição com os joelhos latejando, ainda sentindo os grãos de milho espetando nossa pele machucada. Tínhamos que ser rápidas, antes que alguém percebesse nossa ausência.— Rápido! - sussurrou Luísa, com a voz trêmula, puxando minha mão enquanto nos esgueirávamos pelos corredores frios.A dor nos joelhos quase me fazia vacilar a cada passo, mas o medo de sermos descobertas era maior. Chegamos ao meu quarto primeiro. Abri a porta com cuidado, tentando não fazer barulho. Lá dentro, o breu tomava conta do espaço
Parte 10 - BiancaDepois de horas de estrada, as primeiras luzes da manhã começaram a surgir no horizonte e como estava longe, aí sim começamos a relaxar e Luísa lembrou de uma pessoa.A casa da amiga dela ficava num bairro tranquilo, de ruas estreitas e árvores que faziam sombra até nas primeiras horas do dia. O carro finalmente parou diante de uma casa modesta, com janelas grandes e um portão de ferro enferrujado.— É aqui - disse Luísa, com a voz trêmula de cansaço e alívio. — Vamos entrar antes que alguém nos veja.Eu olhei em volta, nervosa. A rua estava vazia, mas o silêncio da madrugada terminando se quebrava com o barulho do motor do carro, que parecia avisar toda a vizinhança. Luísa saiu rapidamente do carro e eu a segui, segurando minha bolsa com força.Ela empurrou o portão com cuidado, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas, inevitavelmente, o metal rangeu alto. — Droga!- ela disse, torcendo a boca, olhando para trás.A casa era de um andar, com uma varanda pe
Parte 11 - CaterinaA Madre, do outro lado da linha, tentava se justificar. Sua voz era abafada, mas ainda assim dava para ouvir as desculpas tropeçando nas palavras. O viva - voz era muito bom.— Senhor Martinelli, faremos o possível para localizar sua filha. Não sabemos como isso aconteceu, mas já estamos organizando uma busca.— Busca? - ele gargalhou de maneira amarga. — Busca? Eu não quero promessas, Madre! Eu quero minha filha de volta. E rápido! Porque se eu tiver que resolver isso sozinho, você não vai gostar do que eu vou fazer.Eu conhecia aquele tom. Era o tom de ameaça, o mesmo que ele usava nos negócios quando as coisas saíam do controle. E também comigo algumas vezes.Por um momento, temi por Bianca e por essa garota Luísa. O que ele faria se as encontrasse? O que faria com quem as ajudou? Lorenzo nunca fora homem de meias medidas, e qualquer ameaça ao seu poder era tratada de forma brutal.Me aproximei mais, ainda escondida, mas agora meu coração estava acelerado. Ouv