Além dos Muros

Parte 2 -

Bianca

Tudo era tão diferente do convento que, por um momento, senti como se tivesse sido transportada para outro universo.

As luzes vibrantes piscavam ritmicamente, refletindo nas paredes espelhadas da boate. O som era tão alto que quase abafava o tumulto de vozes e risadas ao nosso redor.

Senti o cheiro forte de perfume misturado com álcool e suor, algo tão distante do aroma suave de incenso e velas que preenchiam os corredores do convento. Mas até que eu gostei.

Estávamos dentro. Na boate. Eu e Luísa havíamos conseguido fugir mais uma vez e estávamos no meio de um mar de gente, num lugar onde nunca imaginei pisar.

No carro, antes de chegar aqui, havíamos nos trocado às pressas. Luísa, com sua ousadia habitual, me emprestara um de seus antigos vestidos, algo que ela mantinha escondido como um relicário de sua antiga vida fora do convento.

O vestido que agora grudava ao meu corpo era um tecido preto, fino e ligeiramente brilhoso, com alças delicadas que caíam sobre meus ombros.

A saia subia perigosamente acima dos joelhos, expondo mais pele do que eu jamais mostrara a ninguém. Era justo e me fazia sentir quase desnuda, o que só aumentava minha tensão.

Já Luísa, com sua familiaridade com o mundo de fora, se vestia com confiança. Seu vestido vermelho, justo como o meu, abraçava cada curva do corpo, e ela exalava uma aura de segurança. Ao contrário de mim.

"Deus me perdoe por isso" - pensei, num reflexo imediato de culpa, mas a tensão em meu peito logo se transformou num riso abafado quando vi Luísa se atrapalhando ao tirar o véu que ainda teimava em ficar preso nos cabelos.

Isso é um castigo por estar me arrastando pra essa loucura - provoquei, mordendo o lábio para segurar a gargalhada.

Era difícil não achar cômico: uma noviça em trajes justos, tentando desesperadamente se livrar de qualquer sinal de santidade.

A ironia era óbvia, e por um segundo, todo o medo que eu carregava se dissolveu.

Não me olha assim! - Luísa arqueou uma sobrancelha enquanto se livrava do véu com uma última puxada. Lembre-se que foi sua ideia maluca também. - ela deu uma olhada rápida ao redor, ajeitando o vestido para que tudo estivesse no lugar. Mas admita Bianca, você não esperava que fôssemos passar despercebidas, né?

As palavras dela eram verdadeiras. Já no instante em que entramos, eu senti os olhares.

Homens e mulheres nos examinavam com curiosidade. Alguns sorrisos eram lascivos, outros apenas intrigados.

Estávamos fora de contexto, isso era claro. Talvez fosse pela nossa postura rígida, ou pela forma como nos olhávamos com nervosismo, mas era impossível não perceber que éramos estranhas ali.

Luísa, acho que todos estão nos olhando... - eu sussurrei, tentando me manter o mais próxima possível dela. Meu coração parecia querer sair pela boca.

— Relaxa. Aqui ninguém repara em ninguém. Vamos nos misturar.

Minha adrenalina estava alta. Eu sempre quis sair do convento e por isso mesmo que aproveitava cada pequena fuga desde que Luísa veio se juntar a nós.

Tudo era um borrão de luzes e sons que me deixavam zonza, mas a adrenalina de estar aqui me mantinha alerta. O cheiro forte de perfume e cigarro inundava o ar da boate que, por um segundo, quase me senti sufocada.

Meus dedos apertavam o copo de cerveja que Luísa me entregara, mas minha garganta estava seca demais para beber. E também eu não gostei muito do cheiro.

Luísa, ao contrário de mim, parecia estar em casa. Ela ainda ajustava o vestido vermelho colado, seus dedos brincando com a fina alça que insistia em cair de seu ombro. Os cabelos estavam soltos e ela usava um sorriso travesso nos lábios, o tipo de sorriso que parecia chamar ainda mais atenção.

Relaxa, Bianca - ela murmurou, me cutucando com o cotovelo. Ninguém vai saber que somos do convento. Estamos perfeitas.

Você está perfeita - murmurei de volta, tentando não me encolher. Eu não... Eu pareço uma aberração.

O quê? - ela riu alto, fazendo com que alguns homens ao redor nos olhassem curiosos. Você está linda, garota. Olha pra você! Quem imaginaria que debaixo daquele véu estava uma mulher dessas?

Senti o rubor subir pelo meu rosto. Olhei ao redor, os olhares eram intensos, curiosos, e cada vez que sentia os olhos de alguém sobre mim, parecia que minha pele queimava.

Não estava acostumada com esse tipo de atenção, e nem sabia se era boa ou ruim. Mas sinto que é algo comum.

Vamos dançar - Luísa sugeriu de repente, puxando meu braço.

Não, não! - me segurei ao balcão, quase derrubando minha cerveja. Eu não sei dançar desse jeito! Não aqui!

Ela riu mais uma vez, mas com um toque de impaciência.

Você tem que se soltar. Estamos livres, Bianca. Pelo menos por uma noite. É disso que você tanto falou, lembra?

Eu me lembrava, sim. Cada noite trancada naquele convento, cada pensamento solitário sobre o mundo lá fora. E agora, estando finalmente aqui, parecia tão assustador quanto emocionante.

Tá bem - concordei a contragosto, dando um pequeno gole na cerveja que só fez minha cabeça rodar um pouco mais. Mas nada muito louco, ok?

Prometo - ela piscou, claramente satisfeita com minha resposta.

Mas antes que pudéssemos dar mais um passo em direção à pista, senti um arrepio estranho subir pela minha espinha. Era como se alguém estivesse me observando. Olhei para trás e foi aí que o vi.

Ele estava sentado em um canto mais afastado, quase nas sombras, mas seus olhos brilhavam, fixos em mim.

O terno preto o fazia parecer deslocado naquele ambiente barulhento, e sua postura era ereta, quase rígida, mas ao mesmo tempo, havia uma calma perigosa em torno dele. Como se ele estivesse esperando algo, ou alguém. E seus olhos não se desviavam dos meus.

Quem é aquele? - murmurei para Luísa, tentando não parecer nervosa, mas sem sucesso. E estava curiosa também.

Luísa olhou para onde eu apontava e ergueu uma sobrancelha.

Uau! Misterioso, hein? Não sei, mas parece que ele está interessado.

Interessado? - senti meu coração acelerar. Em quem?

Em você, é claro - ela riu. Você acha que ele estaria me olhando com essa intensidade? - torceu o nariz — Ele está mirando você, não percebeu?

Tentei rir, mas só saiu uma espécie de risada nervosa. O que ele queria? Por que me olhava daquele jeito? Talvez estivesse apenas curioso. Afinal, era óbvio que eu não pertencia àquele lugar.

Tudo bem - Luísa disse, notando meu nervosismo. Fique aqui. Eu já volto. Só vou ao banheiro.

Não me deixa aqui sozinha! - pedi, segurando o braço dela com mais força do que pretendia.

Você vai ficar bem - ela garantiu, piscando. E, Bianca, tenta relaxar. Isso aqui não é o fim do mundo. A gente vai ter que se preocupar é com a volta.

Assim que ela sumiu entre a multidão, meu nervosismo aumentou. Tentei me distrair, bebericando a cerveja, mas sentia o peso daquele olhar sobre mim. O homem do canto. Ele não parava de me observar.

Você está bem? - a voz profunda me pegou de surpresa.

Engasguei com a cerveja e me virei rapidamente. Era ele. O homem misterioso que vinha me observando.

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