Parte 7...BiancaA cela era fria e desprovida de qualquer conforto. As paredes de pedra, úmidas e ásperas ao toque, eram quase nuas, exceto por um crucifixo acima da cabeceira da cama estreita e dura.O chão também era de pedra fria. Ao lado da cama uma Bíblia em cima de uma cadeira de madeira. E não havia uma janela, só uma abertura no alto com barras de ferro, por onde entrava um pouco de luz da lua.Na cela não tinha aquecimento e o ar estava impregnado de um cheiro de incenso antigo, misturado à úmidade.Fiquei triste por Luísa ter levado a culpa de tudo. Na verdade, eu a incentivei mais. Desde que cheguei aqui eu já pensava em ir embora e depois que Luísa chegou, isso ficou mais forte.Ela também não sabia se queria ficar aqui e sua vontade maior não era essa, mas sua família a forçava a ser freira.— Bianca, venha comigo - a porta se abriu de vez e uma das freiras veio me chamar.Levantei e fui com ela até uma sala que fica no final do corredor. Isso já me preocupou porque eu s
Parte 8...BiancaEnquanto me encolhia naquela cela fria, o corpo ainda latejando do castigo, os joelhos doendo muito e ardendo, as sombras das paredes pareciam se fechar sobre mim. Aquilo era sufocante. Tudo o que eu conseguia ouvir era o eco da bronca da madre superiora e o som abafado da minha própria respiração. O que mais me torturava, no entanto, não era a dor física, mas o peso da memória.Fechei os olhos e voltei àquele dia, quando tudo mudou para mim.Eu tinha apenas treze anos quando fui chamada ao escritório do meu pai. Não era comum ele me chamar para conversar, muito menos naquele lugar, o ambiente mais proibido da casa para mim. O escritório dele era um mundo à parte, sempre repleto de homens de terno, conversas em voz baixa e olhares duros. O cheiro de tabaco e couro impregnava o ar.Quando entrei, ele estava sentado à mesa, os olhos fixos em um ponto qualquer, sem sequer me olhar. Meu coração disparou. Não sabia o que estava acontecendo, mas sentia que algo grande e
Parte 9...Bianca— Não estou vendo ninguém - eu abri a porta de fininho e olhei para os lados. O corredor estava deserto — Vamos agora ou nunca.Luísa assentiu com a cabeça, fazendo uma careta de dor, quando esfregou os joelhos de novo, que tinham pontos de sangue, assim como os meus, que ardiam ainda.A escuridão do convento parecia mais densa hoje à noite. O silêncio era opressor, apenas quebrado pelo som suave de nossos passos rápidos no corredor. Luísa e eu saímos da cela de punição com os joelhos latejando, ainda sentindo os grãos de milho espetando nossa pele machucada. Tínhamos que ser rápidas, antes que alguém percebesse nossa ausência.— Rápido! - sussurrou Luísa, com a voz trêmula, puxando minha mão enquanto nos esgueirávamos pelos corredores frios.A dor nos joelhos quase me fazia vacilar a cada passo, mas o medo de sermos descobertas era maior. Chegamos ao meu quarto primeiro. Abri a porta com cuidado, tentando não fazer barulho. Lá dentro, o breu tomava conta do espaço
Parte 10 - BiancaDepois de horas de estrada, as primeiras luzes da manhã começaram a surgir no horizonte e como estava longe, aí sim começamos a relaxar e Luísa lembrou de uma pessoa.A casa da amiga dela ficava num bairro tranquilo, de ruas estreitas e árvores que faziam sombra até nas primeiras horas do dia. O carro finalmente parou diante de uma casa modesta, com janelas grandes e um portão de ferro enferrujado.— É aqui - disse Luísa, com a voz trêmula de cansaço e alívio. — Vamos entrar antes que alguém nos veja.Eu olhei em volta, nervosa. A rua estava vazia, mas o silêncio da madrugada terminando se quebrava com o barulho do motor do carro, que parecia avisar toda a vizinhança. Luísa saiu rapidamente do carro e eu a segui, segurando minha bolsa com força.Ela empurrou o portão com cuidado, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas, inevitavelmente, o metal rangeu alto. — Droga!- ela disse, torcendo a boca, olhando para trás.A casa era de um andar, com uma varanda pe
Parte 11 - CaterinaA Madre, do outro lado da linha, tentava se justificar. Sua voz era abafada, mas ainda assim dava para ouvir as desculpas tropeçando nas palavras. O viva - voz era muito bom.— Senhor Martinelli, faremos o possível para localizar sua filha. Não sabemos como isso aconteceu, mas já estamos organizando uma busca.— Busca? - ele gargalhou de maneira amarga. — Busca? Eu não quero promessas, Madre! Eu quero minha filha de volta. E rápido! Porque se eu tiver que resolver isso sozinho, você não vai gostar do que eu vou fazer.Eu conhecia aquele tom. Era o tom de ameaça, o mesmo que ele usava nos negócios quando as coisas saíam do controle. E também comigo algumas vezes.Por um momento, temi por Bianca e por essa garota Luísa. O que ele faria se as encontrasse? O que faria com quem as ajudou? Lorenzo nunca fora homem de meias medidas, e qualquer ameaça ao seu poder era tratada de forma brutal.Me aproximei mais, ainda escondida, mas agora meu coração estava acelerado. Ouv
Parte 12 -Bianca— Eles queriam que eu fosse freira, por causa de três tias minhas, muito queridas - Luísa disse, sua voz fria de amargura. — Queriam que eu fosse alguém que eu não sou. Eu me escondi atrás daquela batina, atrás da oração, mas nunca fui feita para aquilo.Clara deu um passo em direção a ela, sua expressão cheia de compaixão. — Mas agora você está livre, Luísa. Nós podemos decidir o que fazer juntas. Não tem mais que voltar para lá.— Eu sei, Clara. E nem posso... Eles vão me mandar de volta ou me expulsar de vez - Luísa olhou para ela com olhos marejados, sua mão tremendo ligeiramente quando tocou a de Clara sobre a mesa. — Mas e se eles vierem atrás de mim de novo? Não tenho para onde ir. Não tenho mais família.— Se souberem que está comigo, não vão vir - ela deu de ombro — Eles não gostam de mim, aliás, me odeiam.— Mas se meu irmão...— Esqueça. Você tem a mim - Clara respondeu, sua voz suave, mas firme. — Agora vai ser diferente, você já ficou tempo demais naque
Parte 13 -AdrianoAinda bem que eu nasci homem nesse mundo capitalista e cruel. Deus me livre ter que passar a vida como essa garota. Apesar dela ser filha de um dos nossos conflitos, anteriormente inimigo, eu não desejo mal para ela.A garota foi enviada ao convento com apenas quatorze anos de idade, para que não tivesse contato com outros rapazes.E sei que a ideia absurda foi de meu pai, mas eu não tinha voz ativa na época. Nem mesmo cheguei a conhecer a menina, só sei que seu nome de batismo é Bianca.Nunca nem cheguei a ver seu rosto, o que não iria adiantar muito, já que na época do acerto feito por meu pai e pelo pai dela, eu tinha acabado de fazer trinta anos e a coitada só tinha treze.Meu pai já estava doente e tinha deixado o poder nas mãos de Leonardo e eu fiquei sendo o segundo na família. Isso realmente não me incomodou. Leonardo tem muitos problemas sendo o cabeça.Quando a menina foi enviada para o convento, o pai dela queria que eu fosse junto com ele, mas não vi mo
Parte 14 -Bianca— Nada disso - eu neguei balançando a cabeça — Seus pais, se já souberem, talvez nem queiram saber por onde você está - disse com um tanto de tristeza — Eu vou embora sozinha, para não prejudicar vocês duas.— É verdade, Luísa - Clara se aproximou entre nós e pegou sua mão — Agora podemos ficar juntas. A Madre não vai te aceitar de volta...— E meus pais também não... Ou talvez queiram me forçar a ir para outro lugar - ela mordeu o lábio — Mas agora eu sou maior de idade e eles não mandam mais em mim.— Pois é... Você fica e começa a organizar a sua vida junto com a Clara - eu sorri sem ânimo — Eu vou procurar um lugar onde possa ficar, até que meu pai desista de mim.— E você acha que ele vai desistir, amiga? E seu noivo?Eu suspirei, coçando a testa.— Acho que ele também não vai querer perder tempo me procurando.— Mas e o acordo?— Isso não é problema meu - abri os braços — Eu só tinha treze anos, nem pude falar nada. Só aceitei e pronto.As duas se olharam com d